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quarta-feira, 5 de março de 2014

Secretary II - Capítulo 4


Choque de realidade



O vento chicoteava meus cabelos contra meu rosto, impedindo que eu enxergasse onde estava. Depois de um pouco de esforço, consegui me livrar daqueles fios descontrolados e dei de cara com a noite de Los Angeles. Sim, eu sabia que estava em L.A., já que aquela visão era totalmente familiar; as milhares de luzes e prédios e até o mar eu conseguia enxergar. Em uma longa distancia, é claro. Ainda não tinha parado para analisar o que acontecia ao meu redor, só conseguia prestar atenção nos detalhes afastados. Mas de repente uma voz me fez despertar.
- Vai fazer isso com o Joseph? Você é uma sem coração mesmo! - virei meu pescoço e meu olhar se encontrou com o dela.
Margo. - Joseph? - pedi. - Onde está o Joseph? O que você faz aqui? Você morreu! - meu tom de voz era desesperado, mas eu me sentia tonta e confusa. Era como se eu não conseguisse sentir meu próprio corpo, mas sabia que estava me segurando em alguma coisa. Ela fitou-me com desdém e fez um gesto com a cabeça, entendi aquilo como uma indicação para olhar à minha frente. Atordoada demais, eu a obedeci, mas não deveria ter feito isso.
Eu estava sentada na sacada do que me parecia ser a cobertura de um hotel.
Claro, o hotel de Joseph.
Reparei que minhas mãos agarravam com demasiada força as barras de metal que me impediam de cair. A vista abaixo - apesar das muitas luzes ao redor - era escura e assustadora. Era como um buraco negro.
- Joe não está aqui. - senti Margo encostar-se à sacada e contemplar o mesmo abismo que eu encarava perplexa. - Assustador, não é? - seu tom de voz era calmo.
- O que está acontecendo? Por que eu não consigo me soltar? - uma agonia me invadiu assim que eu descobri que meu corpo tinha parado de me obedecer; pernas congeladas, braços tensos e mãos agarradas fortemente às barras.
- É simples, essa é a saída que você encontrou para tudo. Chega uma hora em que o soldado aceita que perdeu a guerra e se entrega à morte.
- Eu quero sair daqui! Me ajude! - choraminguei, pensando freneticamente em Joseph. - Chame o Joseph, por favor! Eu lhe imploro. - o ar começava a faltar. Eu estava praticamente gritando.
E então uma mão tocou minhas costas e outra segurou um de meus braços. Fechei os olhos e senti uma respiração quente fazer cócegas em meu pescoço. Eu estava salva.
- Estou aqui... - abri os olhos ao perceber que aquela não era a voz do meu Joe. - Para acabar com tudo.
Meus membros congelados amoleceram-se completamente e meus pés não encontraram mais o chão.
Só o abismo. 


E o abismo pareceu ter um fim quando meus olhos se abriram e eu descobri que tinha ido parar no chão - com coberta e tudo o mais. Anteriormente eu estava deitada naquele enorme sofá de couro vermelho da casa de Joseph - agora minha também. Aquele sofá era tão grande e confortável que eu nem me lembrara da existência de uma cama. Ignorando os lampejos daquele sonho, - pesadelo era um termo melhor - tentei me livrar da coberta que estava sobre mim e avistei meu CD do Anberlin jogado pelo tapete felpudo. Antes de me levantar e comprovar se tudo aquilo ainda era um sonho ou não, percebi que uma música agitada saia do stereo. Pisquei meus olhos algumas vezes e sentada no chão, fiz um coque em meus cabelos bagunçados, olhando aquele cômodo como se eu nunca estivesse estado ali. 
Eu estava tão atônita que não percebi uma criatura a poucos metros de onde eu estava; completamente sem camisa e fazendo abdominais. Sim, isso mesmo. Ele parecia extremamente concentrado no que fazia, os músculos dos braços e do abdômen contraindo-se. Joseph estava com uma calça preta, cabelos espalhados pela testa e levemente suado. Eu nem lembrava mais qual tinha sido o sonho que me fez cair do sofá, sinceramente. 
- Gosta do que vê? - sua voz soou ofegante e eu senti certo calor. Olhar para aquele corpo nunca perderia sua graça. Eu poderia ficar sentada ali por horas, apenas observando o que ele fazia com o corpo. Podia ser besteira, mas certas vezes eu cogitava a hipótese daquele homem ser uma mera ilusão da minha mente. - Desculpe a música, não queria te acordar. Mas vejo que o sofá resolveu te expulsar dele. - me encolhi com um pouco de vergonha por ele ter visto minha queda, mas graças a Deus ele não estava rindo. 
- Odeio sonhos agitados. - finalmente me levantei, torcendo para ele não dar continuidade ao assunto e querer saber o que eu tinha sonhado. Voltei a jogar meu corpo no sofá que dessa vez não tentou se "livrar" de mim. 
- Eu gosto quando você... - ele parou e soltou um som engraçado com a boca, ainda atento aos seus abdominais. - acorda e fica com essa expressão perdida. Posso me aproveitar. 
Joe Jonas. Meu marido. Sempre com um comentário quente. Ele deveria ter um dicionário de provocações, eu tinha que lembrar de procurar por algo do gênero nas coisas dele. 
- As academias de Londres estão fechadas? - soltei um risinho. - Não que isso importe, já que você não costuma frequentá-las... 
Ele parou abruptamente seus movimentos contínuos e se levantou. Não parecia cansado, só com a respiração acelerada. Observei enquanto Joe caminhava até mim; seu corpo parcialmente nu cada vez mais perto. A pele dele tinha algo... Era tão convidativa! Eu realmente não sabia explicar. Parou na minha frente e segurou minhas mãos, puxando-as para si. Eu já imaginava as palavras que sairiam por seus lábios em seguida... 
- Sexo não é a única atividade física que pretendo realizar, Demetria. Apesar de preferir ela. - ergui uma sobrancelha em resposta ao seu comentário e percebi seus olhos correrem por minhas pernas descobertas; eu usava uma blusa praticamente duas vezes maior do que eu - era de Joseph - e um short de um daqueles tecidos que se grudam ao corpo. 
- Me tentando a essa hora da manhã, Mr. Jonas? 
- Quem te disse que é cedo? São exatamente onze e meia. - ele puxou minhas mãos e eu impulsionei minhas pernas, me levantado. Um choque foi provocado entre nossos corpos. - E quem decretou que existe hora para isso? 
Senti excitação quando meus ouvidos identificaram a música que começou a tocar: Enjoy The Silence. Livrei-me dos braços de meu marido e bati meu quadril contra o dele. Não resisti e comecei a balançar meu corpo ao ritmo da música. Fazia tempo que eu não dançava; aquele tipo de dança que você se descontrola e esquece tudo que vaga pela sua mente. E eu queria limpar meus pensamentos, deixar apenas o que me agradava; se eu continuasse a esquentar tanto a cabeça, fios brancos não demorariam a aparecer em minha cabeça. Eu simplesmente queria esquecer. Quase tudo
Meu namoro fora perfeito, meu casamento fora perfeito e minha noite de núpcias também - dando ênfase nesse último acontecimento. E a lua-de-mel também seria. Ela existiria, é claro que sim! Enquanto eu alternava entre balançar os braços ou tentar dançar de um jeito mais agitado, Joe parecia me assistir com divertimento. Horas parecia querer se juntar a mim, horas parecia preferir apenas assistir. Era mais plausível. 
Era domingo, obviamente não estávamos na empresa; Joe ainda não tinha falado diretamente com Jared sobre o desejo de venda da Empire, mas logo isso deveria ser resolvido. 
- Certo, certo. - Joseph caminhou até o aparelho de som e abaixou o volume, caminhou pela enorme sala totalmente clara devido às enormes janelas que deixavam o sol de quase meio-dia se espalhar pelo local. Sentindo um pouco de calor pela dança improvisada, me livrei da enorme blusa e fiquei apenas com uma regata preta que também era justa ao corpo. - O que me diz de um pouco de exercício? Vamos praticar algo e depois tomamos café - ou almoçamos, que seja. - relaxei meus ombros e meu rosto estampou uma expressão de desânimo que fez meu marido unir as sobrancelhas e me puxar pela cintura. 
- Não quero me exercitar! - fiz birra igual a uma criança. 
- Não me importo se você quer ou não. Vamos socar alguma coisa! - ele me puxava pelos cômodos da casa como se eu fosse sua propriedade. Não que isso tenha me aborrecido. 
Mas ele tinha usado a palavra socar e isso me fez bufar. Eu não podia acreditar que Joe continuava com a ideia de me ensinar a lutar boxe; desde que voltamos daquele aquecimento-para-lua-de-mel ele cismou que eu deveria aprender algum esporte. E escolheu um esporte de combate! 
Vendo graça no fato de ambos estarmos de preto, adentrei com ele em um tipo de sala. Eu nunca saberia explicar perfeitamente do que se tratava aquele aposento. De tudo um pouco era encontrado por ali; uma enorme mesa com notebook e coisas de escritório; em um dos cantos uma mesa de bilhar novinha em folha; vários video games sob uma enorme TV de plasma. Era um tipo de Espaço doJoseph ou um espaço que homens gostavam de ter para se esconder do mundo. Gemi em desanimo quando percebi onde ele estava: Em frente a um saco de pancadas, era azul com traços pretos e pendia balançando lentamente. 
- Venha, Demi. - ele não fez um bico, mas seu semblante me convenceu e eu caminhei com passos arrastados até ele. 
- Isso precisa mesmo acontecer? - o observei dar leves soquinhos no saco de pancadas que agora ia de um lado para o outro e me olhou com alegria. 
- Claro! Não quero que minha mulher seja totalmente frágil. 
- Você não está me treinando para ser um tipo de espiã que luta com homens que possuem o dobro do meu tamanho. - rebati. 
- Seu mau humor me deixa excitado. Agora venha aqui! - Joseph pegou minha mão e antes que eu pudesse reparar, ele já segurava luvas de boxe. Eram vermelhas. Deixei que colocasse em minhas mãos e fiquei encarando-o, séria. - Os verdadeiros golpes eu posso te ensinar depois, agora quero que você comece descontando sua raiva no amigão aqui! - ele empurrou o troço azul em minha direção e eu o recebi com um soco desajeitado. - Muito bem... Mas falta agressividade. 
Joe... 
- Vamos lá, quero agressividade. 
- Vou te mostrar minha agressividade daqui a pouco... - cruzei os braços e ele não se intimidou com meu comentário. 
- Então me mostre agora. 
Joseph... 
- Vamos fazer o seguinte: - deu meia volta e se posicionou atrás do saco de pancadas, enlaçando os braços como se estivesse abraçando alguém. - Essa aqui é a Pamela Anderson. - arregalei meus olhos sem entender e ele gargalhou alto com a própria ideia. - Ela me quer! E você não vai deixar que nada aconteça entre nós, certo? Vai bater nela até que os seus... Que os seus... - ri alto quando ele fingiu procurar por algo que definitivamente não estava ali. 
- Falta algo nessa Pamela Anderson! - salientei. Nos dois já riamos feito duas hienas. 
- Foco! - ele se recompôs e continuou agarrando a Pamela... Digo, o negócio de pancadas. - Eu vou ficar bem aqui atrás... - não deixei ele terminar suas instruções e voltei a rir, sentindo lágrimas se formarem. 
- Não é hora de maliciar - ele ficou sério. - Pare de rir, recruta Lovato! 
Jonas. 
Lovato, Jonas... Tanto faz, pare de rir. 
- Tudo bem, chefe. O que tenho de fazer enquanto você fica atrás dessa criatura? 
- É só socá-la. Soque como se sua vida dependesse disso; como se você estivesse faminta por sexo e precisasse de mim. 
Rolei os olhos com aquelas instruções bizarras e tomei fôlego. Não tinha a mínima ideia de como executar golpes de boxe, então iria fazer como visto na televisão. 
Comecei a acertar socos de qualquer jeito, enquanto Joe o segurava e gritava palavras que me estimulassem a não parar. Tive de admitir que aquilo era terapêutico. Vez ou outra eu parava para respirar ou rir de alguma besteira que ele falava. Até que tive uma ideia... 
- AI! - gemi alto, parando de distribuir socos e segurando uma mão com a outra, ainda com as luvas. Encolhi um pouco o corpo. - O que aconteceu? Você se machucou? - Joseph estudou minha fisionomia de dor e veio até mim, preocupado. Tirou as luvas de minhas mãos e examinou o pulso cujo eu queixava sentir dor. 
- Acho que torci... - eu disse, fingindo uma voz chorosa. Ele parecia mesmo preocupado.
- Tem certeza? Não acho que isso... 
Antes que ele terminasse sua frase, aproveitei seu momento de distração e o empurrei para o chão. Meu impulso sobre seu corpo o pegou de surpresa e ele não teve como se segurar; caí junto com ele. Joe estava jogado no chão e eu em cima dele, com um sorriso de vitória. 
Touché.
- Não preciso de treinamento, Jonas! Como pôde ver, estou totalmente em boa forma. - levantei-me e soltei o cabelo, arrumando-o com a mão que na verdade não doía de maneira nenhuma. Enquanto isso ele me observava... Eu diria que maravilhado. 
- Pode esperar por revanche. 
- Quem sabe mais tarde. - dei uma piscadela e sai da sala como se tivesse acabado de ganhar um verdadeiro duelo. Consegui ouvir seus risos abafados do corredor. 


- O QUÊ? - um homem de meia idade me olhou assustado quando eu praticamente gritei para Cassie. Estávamos passeando pelas ruas movimentadas de Londres. Ela me repreendeu com o olhar e continuou a andar como se nada demais estivesse acontecendo. 
- Já disse, vou parar de tomar meu anticoncepcional! 
- Por quê? - apertei o passo para alcançá-la e olhei para um red bus que passava ao nosso lado. Refleti por alguns segundos. - Ah, não... Não me diga que isso é uma desculpa para segurar o Jared. 
Demi, ele não melhorou! E ele não se abre comigo, não sei o que se passa por dentro daquela cabeça loira dele. - como se a dela também não fosse exatamente da mesma cor. - E eu não vou ficar sentada esperando ele me deletar de sua vida como um arquivo de word inútil. - coloquei uma mão no rosto, não acreditando no que ouvia. Como se aquela fosse a única saída! Eu teria que ser totalmente sincera com minha amiga maluca. 
- Cassie, isso é a coisa mais ridícula que uma mulher pode fazer para prender um homem! - ela fingiu não me ouvir. Continuei com minha lição de moral. - Vai meter uma criança no meio de todo esse desentendimento? 
- Você tem uma ideia melhor? E, não, não use as palavras sex e shop em uma mesma frase. 
- A maníaca por sex shop é você, não eu. - a loira poderia me assassinar a qualquer momento. - E vocês nem são casados. 
Demetria, acorde! - Cass arregalou os olhos claros e maquiados como se eu tivesse acabado de dizer a pior atrocidade do mundo. - Às vezes você consegue ser tão antiquada! Só falta me dizer que casou virgem. 
- Hm, não... - soltei um risinho que logo se transformou em um suspiro. - Mas voltando ao assunto principal... Você não pode tomar esse tipo de decisão sem conversar com Jared. - eu estava me sentindo a mãe que conversava sobre garotos, sexo e gravidez com sua filha adolescente. - E se você fizer o que está dizendo e não contar a ele, eu conto. - ameacei, por fim. 
- Quer saber? Vai cuidar do seu casamento, sua intrometida. 
Cassie estava alguns passos à minha frente e parecia aborrecida. Não procurei tentar mudar minhas palavras, porque eu realmente seria capaz de fazer o que disse; Cassie e Jared eram meus amigos e eu não queria vê-los com problemas. Não que um filho fosse um problema, mas naquelas circunstancias era totalmente errado e irracional. Ela parou de andar e me esperou, quando a alcancei seu braço passou pelo meu ombro e ela fez uma cara arrependida. 
- Não posso brigar com você, preciso de ajuda com a minha festa de Halloween semana que vem. 
- Eu posso ser intrometida, mas pelo menos não sou interesseira, não é? 
Senti meu celular vibrar no bolso do casaco preto e o peguei rapidamente para atender. Parei de andar assim que meus olhos correram pelo visor. Eu não sabia como, mas minha memória reconheceu aquela sequência comum de números. Ignorei a chamada e tentei sorrir para Cassie. 
- Não vai atender? 
- Não reconheço o número, deve ser engano. - quando ia colocar o aparelho de volta no bolso, ela segurou meu braço. 
- Deus, você está pálida e sua mão treme. O que aconteceu? - ambas olhamos para baixo assim que a tela do celular se iluminou de novo e o desgraçado estava vibrando. 
- Olha... Cassie, tudo bem se eu voltar para casa? Acho que acabei de menstruar, e nunca me sinto bem quando isso acontece. - minha amiga lançou-me um olhar desconfiado. Encarei-a com piedade e nervosismo. 
- Tudo bem! Mas me ligue mais tarde, ok? Não me deixe preocupada. 
Concordei com um aceno de cabeça e nos duas tomamos direções diferentes. Esperei Cassie estar bem afastada e encarei o visor novamente. Parte de mim queria jogar o celular na lixeira que estava ao meu lado e correr para alcançar minha amiga, mas a outra queria atender e sofrer as possíveis consequências. 
- Alô? - a segunda parte venceu. 
- Como é bom ouvir sua voz novamente! 
- Eu falei para me deixar em paz! - me controlei para não falar alto demais e encostei-me à entrada de uma loja que estava fechada. O tempo parecia mudar e nuvens escuras estavam espalhadas pelo céu. 
- Nunca lhe disse que tenho um problema para fazer o que me aconselham? - eu não sabia explicar o que estava sentindo por ouvir sua voz novamente. - De qualquer maneira, quero me encontrar com você. Agora. 
- Espere sentado. - ia desligar, mas a risada de Cameron me fez gelar e aquilo me impediu de fazer algum movimento. 
- Vou passar o endereço e quero que venha sozinha. - além de tudo eu ainda tinha que ir ao encontro dele? 
- Se você não parar de me infernizar, juro que irei chamar... 
- A polícia? - ele me cortou. - Você não vai querer envolver a polícia nisso. Não ainda. 
- Me diga uma coisa, por que eu faria o que você está me pedindo? 
- Porque é de seu interesse, amor. 
Silêncio. Pensei em dezenas de coisas ao mesmo tempo, mas nada parecia fazer sentido. Como se uma força sobrenatural controlasse meu corpo, senti minha mão abrir a bolsa pendurada em meu ombro e pegar uma caneta. Fechei os olhos e soltei o ar que parecia machucar meus pulmões. 
- Diga o endereço. 
Anotei a localização do que parecia ser uma rua comum na palma de minha mão. Cam ia dizer mais alguma coisa, mas eu desliguei em sua cara e fui em busca de um taxi. Assim que consegui um, passei o endereço para o taxista e encostei minha cabeça na janela, vendo tudo passar rápido por meus olhos. Os pensamentos se atracando uns contra outros dentro de minha cabeça; uma estranha sensação de que aquele encontro mudaria minha vida de algum jeito. 
Assim que o senhor com barba branca disse que estava chegando ao meu destino, uma onda de arrependimento me invadiu. Por que eu fiz o que Cameron pediu? Eu sempre tinha a mania de correr para longe do perigo, evitar o pior e naquele momento estava simplesmente me arriscando. O insistente pressentimento de que muitas coisas estavam em jogo. Após pagar, desci do taxi e encarei uma casa simples, porém grande e com dois andares; apesar de tudo, não aparentava servir de moradia fixa para alguém. Fiquei com medo do que poderia encontrar lá dentro. Minha avaliação da casa foi interrompida quando encontrei aquele olhar. Ou ele me encontrou. 
Cameron me fitava com certa expectativa; não ria, mas também não tinha uma expressão que poderia me intimidar. Permaneci imóvel na calçada, enquanto ele fechava a porta atrás de si e começava a caminhar pelo pequeno jardim coberto por grama e ervas daninhas. 
- Obrigado por vir. - ele parecia esperar que eu o cumprimentasse de algum jeito. Tudo que fiz foi recuar um passo. - Pode entrar? 
- Diga-me o que tem para dizer. Aqui fora. - ele se aproximou mais e eu não recuei dessa vez. 
- Por favor, entre. - minha audição detectou uma agitação no céu; trovões fortes. - Eu não te machucaria, e nem deixaria alguém fazer isso. Você sabe. - eu poderia acreditar nele, mas algo dentro de mim gritava "Fique longe!". 
Ponderei por um tempo até decidir acompanhá-lo até a porta. O que ele disse infelizmente - ou felizmente - era verdade; Cam não me machucaria. Fisicamente não, psicologicamente já era outra história. Ele abriu a porta, esperou eu entrar e entrou em seguida. Depois de fechá-la, o encarei severamente e ele fez um gesto com a cabeça que indicava que tudo estava bem. Não estava. 
Onde estávamos deveria ser uma sala de estar, porém praticamente vazia; assim como os outros cômodos. Fiquei parada, estudando minha situação e Wolfe era como uma estátua ao meu lado, olhando impaciente para uma direção. Como se estivesse esperando algo, ou alguém... 
Jesus fucking Christ! Demetria Lovato, eu realmente estou lhe vendo? - engoli a vontade de responder "Não, você apenas ficou maluco e está tendo visões absurdas." 
Toda a tranquilidade que eu consegui adquirir enquanto entrava na casa desmoronou. Um homem alto e com a pele clara descia uma escada de madeira localizada no centro do lugar. Usava uma calça jeans surrada e uma camiseta preta com aquelas estampas indecifráveis; tatuagens quase cobriam seu braço esquerdo; olhos verdes e cabelo castanho claro arrepiado, como se tivesse levado um choque. Desarrumado demais se fosse comparado a Cameron, que usava um casaco cinza e estava extremamente perfumado; o outro homem cheirava apenas a cigarro. - Estou indignado com as voltas que esse mundo foi capaz de dar. 
Era como ter uma parte do passado em minha frente. 
- Carter, seja direto. - ouvi Cam dizer, entre dentes. 
- Ah, qual é? Quero matar as saudades de minha colega de escola ex-esquisita. - minha vontade foi de correr quando Carter deu passos rápidos em minha direção. As mudanças provocadas pelo aumento de idade eram irrelevantes; era o mesmo rosto, apenas um pouco amadurecido. - Deixe-me ver você direito... 
- Não me toque! - por alguma razão eu não conseguia olhar nos olhos dele, mas minha voz firme o fez parar. 
- Oh, ok, já que você não quer usar gentileza, podemos usar agressividade. - antes que ele fosse capaz de fazer alguma coisa, Cameron se colocou entre nós e empurrou Carter pelo peito. 
- Seja direto! - ele repetiu sua ordem e o outro riu, me encarando com um tipo de superioridade. 
- Desculpe, eu não estou em um dia muito bom. - busquei por palavras, mas não consegui colocar nada para fora. Era como se minha única obrigação fosse ficar estática ali, observando os movimentos de ambos. - Venha, vamos conversar. 
Carter nos conduziu ao que parecia ser uma cozinha vazia, apenas uma enorme mesa de madeira estava no centro. Observei as características físicas dele mais uma vez. Seria uma aparência extremamente agradável... Se ele não fosse Carter Stone - por algum motivo desconhecido, o sobrenome dele não fora esquecido por mim. Era evidente que aquele ser não mudara seu jeito estranho e descontrolado de ser. Aliás, algo em seu semblante me era familiar. Ele encostou-se à uma das cadeiras e eu fiquei na porta, observando Cameron que estava do outro lado da mesa. Tentava me passar confiança com o olhar. Mudei meu olhar de direção e encarei Carter. Ele me examinava como se eu fosse algo que nunca tinha visto na vida. 
Aquele sorriso me causou arrepios. 
- O que você quer? - minha voz sair insegura e baixa. 
- Quero lhe dar os parabéns pelo casamento! - disse como se fosse algo óbvio. - E dizer que foi um prazer participar de certo modo de sua despedida de solteira. Foi ótimo! 
- Zorro. - falei, fechando os olhos e desejando estar em qualquer outro lugar. Até mesmo no inferno. 
- Bingo! - outro sorriso psicopata. - Foi fácil conseguir trabalhar por uma noite naquele lugar, já que uma das donas gostou de mim. - mordeu os lábios. 
- Então... - olhei incrédula para Cameron, mas ele estava com o olhar perdido através da janela. Triste. - Vocês estavam me espionando? 
- Sim! Mas eu não precisei ficar com meus olhos grudados em você o tempo todo. Cam também não, apesar dele realmente querer isso. - o mesmo bufou. - Outros olhos seguiam seus passos. 
Então alguém estava seguindo meus passos e informando coisas a eles? Mas quem? E por que fazer isso? Já não bastasse tudo, eu ainda teria de ter cuidado com o que fazia e com quem fazia? Maldição. 
- Quem você pensa que é? - minha voz se exaltou e comecei a caminhar para mais perto da mesa, perdendo o medo aos poucos. 
- Que petulante! O que Joseph acha isso? 
- Você o conhece? - incertezas se apossavam cada vez mais de mim. Choque. 
- Quem é que não conhece Joseph Jonas? - ele abriu os braços, fazendo um gesto que indicava tudo e todos ao redor. - Demetria, talvez você não o conheça muito bem... 
- O que quer dizer? 
- Quero dizer que você deveria procurar saber mais sobre a vida do cara com quem vai pra cama! - suas sobrancelhas se ergueram. 
- Pra mim chega! - passei pela porta da cozinha quase correndo, até que a voz de Carter me congelou. Era alta e grossa. 
- Antes que você vá... - virei meu corpo e ele estava com a cabeça tombada para um lado, o corpo relaxado e os braços cruzados. - Pergunte ao Joe o que ele achou da estadia naquela adorável clínica. 
Foi como levar um soco no estômago. 
- Isso já passou... - Cam já estava ao meu lado, afundando-se em seu silêncio. 
- Sim, mas você nunca ouviu falar que o passado está cheio de fantasmas que adoram nos assombrar? 
Completamente perturbada, eu dei as costas a eles e abri a porta com violência. Não tinha percebido que uma tremenda tempestade caia lá fora. Me atrevi a sair na chuva e ouvi alguém correr em minha direção. 
- Espere essa chuva passar! - ele disse alto por causa dos trovões. Virei-me, parcialmente ensopada e balancei a cabeça negativamente. Cameron implorava com os olhos. 
- Você vai mesmo fazer de tudo para acabar com a minha vida, de novo, não é? Mas dessa vez eu não vou deixar! - ele torcia o nariz por causa das gotas grossas de chuva. 
- Eu queria que você não estivesse envolvida nisso. Imploro que acredite em mim. 
- Como se você realmente se importasse com isso. - tentei proteger meus olhos de toda aquela água com as mãos. Ele mordeu o lábio e encarou o chão, pensando em alguma resposta. Pude jurar que, apesar de quase inaudível, ele disse "Eu me importo."
- Apenas faça o que o Carter disse. 
- Pegue o Carter e vá para o inferno com ele. 
Comecei a caminhar para longe antes que algo ainda pior pudesse acontecer. Fiquei aliviada quando - já em uma certa distância - olhei para trás e ele não me seguia; estava no mesmo lugar, me olhando. Senti ódio, medo, frio... E de repente não sabia mais o que fazer. Aquele controle sobre as situações que eu tinha conquistado desapareceu. Eu não sabia mais o que estava fazendo, nem o que pensar. Em quem acreditar. Era como ter construído toda uma história e sofrer um grande branco no capítulo final. 


Já era praticamente noite quando minhas mãos seguravam a chave e abriam a porta. A chuva havia cessado, porém as ruas estavam desertas. Minha roupa estava úmida e meu cabelo ainda pingava água. Quando entrei em casa, coloquei a bolsa em um canto qualquer e livrei-me do casaco que usava. Todas as luzes estavam desligas, então deduzi que Joseph deveria estar no andar de cima. Comecei a subir as escadas de uma maneira lerda, como se eu não quisesse chegar ao corredor cheio de portas que me aguardava. 
Quando estava mais ou menos no meio do caminho, um cheiro de banho penetrou por minhas narinas e eu quis sorrir. Mas algo não me permitiu aquele feito e eu permaneci de cara fechada. Eu estava com tantas duvidas na cabeça, tanto para tentar entender. Como uma criança que começava a descobrir o mundo e não conseguia parar de fazer perguntas para os adultos. Por que estou crescendo? Por que as pessoas choram? Por que existe a mentira? Por que diabos não podia ter a porra de uma vida normal?
E a mais importante de todas: Por que Carter disse aquilo sobre Joseph? Lembrar do assunto da "clínica" em que meu marido esteve não era a coisa mais agradável do mundo, todavia eu nem tinha um conhecimento lá muito bom sobre aquilo. Por que mexer com o que já estava morto e enterrado? Era isso que minha mãe sempre dizia quando eu era menor e queria saber mais sobre espíritos. 
Quando cheguei ao corredor, percebi que a porta do nosso quarto estava entreaberta e um silêncio estranho pairava por ali. Minhas mãos estavam geladas e uma ânsia me fez respirar fundo e encostar-me à parede em frente ao quarto. Eu não comia há algumas horas, e minhas mãos estavam geladas por causa da chuva que havia tomado. Ou eu poderia parar de fingir que tudo estava como deveria estar e começar a me entregar aquele mar de medos. 
De onde Joseph e Carter se conheciam? 
Por que tudo parecia estar ligado de alguma maneira? Uma maneira sombria. 
Eu queria entrar naquele quarto e ver apenas o rosto de Joe, sentir tudo aquilo ir embora. Era assim que sempre acontecia. Ele tinha o dom de me acalmar com um simples abraço, o calor de seu corpo era como um tranquilizante poderoso; com ele os perigos ficavam longe, impedidos de sequer chegar perto de mim. Assim que deixei de encarar o teto e finalmente puxei com cuidado a porta do quarto, fiquei esperando que a sensação boa viesse. Mas não veio. 
Pelo contrário, um nó se formou em minha garganta enquanto eu encarava o corpo de Joseph sobre a nossa cama. Ele dormia tranquilamente, com uma camiseta branca e uma calça bem larga. Os cabelos estavam levemente molhados - tomara banho recentemente. Tirei os saltos e me aproximei da cama, ajoelhando-me ao lado dele. Estava deitado de lado, o rosto levemente corado e respiração regular. 

I'm lying here in the dark
Watching you sleep. It hurts a lot.


Ele era tão lindo, era tudo que eu queria para minha vida. Já tínhamos passado por tanto, eram tantas histórias para contar... E eu não consegui segurar aquele choro que me pegou desprevenida. Engoli em seco e limpei rapidamente as lágrimas que caiam. Por que eu estava chorando, afinal? Será que era porque algo dentro de mim estava doendo? Não uma simples dor que se curaria com um remédio, era algo que só seria curado com nada mais nada menos que a verdade. Mas que verdade era essa? 
Eu tinha sido tola em acreditar que o homem que dormia feito um anjo em minha frente era o que meus olhos viam? Nada de muita consideração fora dito por Carter, mas ele levantou aquela questão novamente. E então os demônios do passado estavam ajoelhados no chão comigo, compartilhando minha angústia. 
Em tempo apenas de eu respirar mais uma vez, como se soubesse exatamente onde eu estava, os olhos verdes e intensos de Joseph se abriram e focaram-se em mim. 
Há muito tempo aquela sensação tinha me deixado... E naquela noite, naquele momento, ela retornou. 

(...)

All I wanted was to know I'm safe
Don't want to lose the love I've found
Remember when you said that you would change?

2 comentários:

Sem comentario, sem fic ;-)