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domingo, 15 de junho de 2014

Secretary II - Capítulo 18


Humanidade
(N/a: Música 1 e Música 2. Coloque ambos para tocar quando suas letras aparecerem.)



Acordei me escolhendo dentro daqueles cobertores embolados. Fazia um intenso frio naquela manhã, a janela de meu quarto coberta por cortinas entreabertas revelava o clima branco e gélido do lado de fora. Sem coragem de sair do conforto daquela cama, apenas me virei na direção contrária e consegui tocar minhas mãos no chão, tateando por um casaco de lã que eu sabia que tinha deixado por ali na noite anterior. Após vesti-lo, voltei a me envolver com as cobertas, encarando fixamente o teto. Sorri sem perceber, sentindo o calor reconfortante em meu peito. Eu tinha sonhado com Daniel, um sonho bom onde ele estava livre e nós tínhamos não apenas uma boa notícia, eram duas: recebíamos a confirmação de que eu estava grávida de meu primeiro filho. Toquei a mão gélida sobre a barriga, sentindo um arrepio mediante o toque se alastrar por todo o meu corpo. Imaginei como seria ter vida dentro de mim, exatamente como distraidamente fiz durante tantas outras vezes. No entanto, meu sorriso se desfez quando lembranças ainda frescas da madrugada anterior mandaram as sensações boas embora. Ignorando o frio, me livrei das cobertas e coloquei as pernas para fora da cama, calçando minhas pantufas de urso e caminhando em passos tortos até a janela, afastando um pouco a cortina e contemplando a neve. Se eu fosse uma menina, estaria brincando no jardim clarinho, fazendo bonecos de neve naquele exato momento; sem me preocupar com um marido preso, com um suposto amigo que nutre sentimentos por mim e nem nada parecido. Eu estaria me preocupando com a cabeça de meu boneco de neve que poderia cair a qualquer momento. Apenas isso. 
Tomei um breve banho, saindo às presas do chuveiro, visto o frio que senti ao não ter mais a água quentinha caindo sobre mim. Coloquei meias grossas e pretas, um vestido de lã azul e um casaco branco por cima. Escovei meus dentes, arrumei meus cabelos, prendendo-os em um rabo de cavalo desajeitado e saí pelo corredor, descendo as escadas um pouco incerta, procurando por alguém que eu não sabia se ainda estava por ali. Quando finalmente cheguei à cozinha, respirei aliviada ao constatar que estava sozinha. Porém, antes que eu pudesse prestar atenção em meu estômago que roncou e no que sentia vontade de preparar para o café da manhã, ouvi passos atrás de mim. Virei-me na direção do som, com o corpo encostado na bancada. Minha mãe surgiu, encostando-se ao batente da porta com os braços cruzados. Ela tinha uma expressão desconfiada; provavelmente ouvira certa agitação pelo corredor durante a madrugada. Desviei o olhar, encarando algumas maçãs extremamente vermelhas colocadas todas juntas em uma fruteira transparente. 
- Bom dia. - eu disse bem baixinho, abrindo a geladeira e retirando dali o leite. Não recebi uma resposta, então continuei a pegar outras coisas, incluindo ovos e geléia, até que finalmente consegui reunir tudo sobre a bancada. - Qual é o mistério, mãe? - bati as duas mãos contra o mármore quando, por fim, me irritei com sua analise minuciosa e silenciosa. Encarei seu rosto, aborrecida pela forma como seus olhos pesavam sobre mim. - Não aconteceu seja lá o que você esteja pensando que aconteceu. - assegurei um pouco atrapalhada, começando a preparar o café preto. 
- Bem... Digamos que eu ouvi alguns barulhos questionadores noite passada. Pensei se tratar de Peter, mas eu ouvi as vozes de vocês dois. - soltei um risinho, negando com a cabeça. Claro, ela pensou o pior. - Vamos, pode me contar se algo aconteceu. 
- Mãe! - repreendi-a, olhando com olhos arregalados em sua direção. - Que desconfiança absurda é essa? Eu sou casada. - baixei o olhar, concentrando minha atenção ao que fazia no fogão. 
- Filha, eu não vou te julgar. Só queria fazer uma pergunta. - admitiu um pouco incerta, aproximando-se de mim com cautela. Olhei seu semblante curioso de mãe e ri levemente, balançando a mão em um gesto que dizia para ela perguntar logo, seja lá o que fosse. 
- Não tem jeito de escapar dessa pergunta, tem? Faça de uma vez. - eu disse conformada. 
- O que está acontecendo aqui? - com um dedo, ela apontou para a direção da minha cabeça. - E aqui? - e com o outro na direção do meu coração. 
- Nada. - respondi de imediato, cobrindo um lábio com o outro, na intenção de não acabar contando a ela o que quase aconteceu na noite anterior. Era algo que, definitivamente, deveria ser esquecido. Até pensei que seria bom se Cameron estivesse já bem longe da Suíça, mas então reconheci que minha mãe não tinha mencionado nada, então provavelmente ele ainda permanecia em um quarto, dormindo. 
- Você ama os dois? - ela questionou em um tom desafiador, quase fazendo com que eu derrubasse o copo com leite que segurava. Fechei os olhos com força, respirando fundo. Queria mesmo que ela percebesse o quanto eu estava incomodada com aquele assunto. - Demetria, eu ouvi a conversa de vocês dois na varanda, eu ouvi você o chamando para ir até o seu quarto. 
- Já não basta a vovó dizer isso e agora você também? - rolei os olhos, bufando e cruzando os braços. - E, não, nada aconteceu. Mas... - senti meus olhos marejarem enquanto eu olhava para a janela a nossa frente, observando a neve cair de forma, digamos, graciosa. Era bonito de se olhar. - Foi por pouco - admiti desejando poder esconder meu rosto, sentindo vergonha de mim mesma. Mamãe rapidamente levou sua mão até meu rosto, fazendo uma carícia breve, em seguida ajeitando um fio de cabelo que se soltara de meu penteado. - Eu não amo os dois, eu só... Não sei como me livrar disso. 
- O que a impediu de... - ela olhou para o teto, com medo de sua seleção de palavras. - Você sabe, deixar que ele entrasse em seu quarto? 
- Um sonho. - expliquei sem vontade de acrescentar detalhes do mesmo, vendo-a arquear uma sobrancelha. - E minha integridade. Não importa o que esteja acontecendo com o meu marido, não importa se Joseph ficar muito tempo longe de mim... Eu não vou desrespeitá-lo desse jeito. Eu só quero saber por que a maldita ideia passou pela minha cabeça. - comentei inconformada, não encontrando outra saída a não ser permitir que ela me abraçasse por um instante. Nada como o abraço de mãe, certo? 
- Se pensamentos condenassem, a raça humana teria sido liquidada há muito tempo, Demetria. - ele disse bem baixinho, ajeitando um botão do casaco que eu usava, rapidamente arrancando um risinho de minha parte. - Sinta-se orgulhosa de si mesma, porque você fez a coisa certa. E isso prova que o Joseph é um homem de sorte... Apesar dos pesares. 
- Tudo vai ficar bem, não vai? - perguntei, como se dependesse da resposta dela para continuar a viver. 
- Desde que você faça o que seu coração disser, sim. - piscou os olhos daquela forma lenta que ela fazia, o sorriso compreensivo em seus lábios. Minha mãe era a mulher mais incrível que eu poderia conhecer. Com ela, eu tinha a sensação de que a tempestade teria de passar em algum momento. E realmente passaria. 

Depois que tomamos café juntas, tentando manter conversas que não mencionassem a madrugada anterior, decidi subir para o meu quarto no intuito de pegar meu antigo violão e tentar me distrair um pouco. Mamãe tinha me dito que não viu Cameron ir embora, então deduzi que ele apenas dormia. Tentei passar em silêncio pela porta entreaberta de seu quarto, parando de andar quando uma voz surgiu dali de dentro e me chamou. Relutante, me virei em sua direção, uma parte de mim perguntando incessantemente o que ainda fazíamos sobre o mesmo teto. Por que não ir embora de uma vez? 
Sua insistência começava a me irritar de verdade. 
- Bom dia, Cam. - falei tentando parecer amigável, sem muito o que dizer. 
- Bom dia. - retribuiu, me analisando da cabeça aos pés. Incomodada, olhei para o lado. Ele fez menção de se aproximar, outra vez. Insistindo em contato, outra vez. Tirando-me do sério, outra vez. Cruzei os braços na altura do peito, não querendo ter que ser lembrada por ele da burrada que cometi horas antes. Se Cameron continuasse me pressionando de tal forma, eu seria obrigada a convidá-lo para se retirar. Não era a minha casa, mas era a casa de minha família, então direitos eu tinha. O homem estava a poucos centímetros de distância, os cabelos bagunçados e roupas simples de frio. 
- Olha... É melhor você ir embora. - aconselhei, vendo-o negar insistente com a cabeça. 
- Não, eu não vou. Você me convidou para ir ao seu quarto, então... - seus dentes seguraram seu lábio inferior enquanto malícia escorria pelos seus olhos. - Algo existe. Sim, você sabe, eu sei... Algo existe por aqui. Entre nós. 
Rolei os olhos, massageando minhas têmporas antes que começasse a gritar. Dei um passo para trás e ajeitei meu casaco, me preparando para colocar um ponto final naquela situação. Chega de vírgulas. 
- Será que você não se cansa disso? - indaguei, o tom inconformado revestia minha voz bem audível. 
- Não enquanto eu souber que ainda tenho a chance de ganhar. 
- Ganhar? Agora eu sou um prêmio? - apontei meus dedos em minha direção, sentindo a exaltação atingir picos mais elevados. Cameron conseguia ser um homem desprezível quando queria. 
Demi, eu sei quando alguém sente algo por mim. - fechei os olhos firmemente, cerrando os punhos para controlar a vontade de acertá-lo com mais um tapa. Seu atrevimento começava a me causar odiá-lo, aumentar cada vez mais a antipatia que crescia por ele. Algo que, certamente, eu não deveria sentir. 
- Então você deve saber que nesse momento tudo que eu sinto é incômodo ao ficar perto de você. Chega, Cam, chega! Pare de se magoar por minha causa, de esperar algo de mim. Eu não posso dar o que você quer, aliás, eu sinto como se não pudesse te dar nada! Nem mesmo uma mão amiga, já que durante meu ato, você provavelmente tentaria se aproveitar. Se você realmente me ama como diz, se afaste, não insista. Com sua insistência só vai conseguir me afastar cada vez mais. - cuspi todas aquelas palavras, deixando um Cameron estagnado e pensativo no corredor. Rapidamente contornei a distância até a porta de meu quarto, lançando-lhe um último olhar. O homem confirmou com a cabeça, dando as costas para mim e adentrando o outro cômodo. Satisfeita por finalmente influenciar sua desistência, fechei a porta e procurei por meu violão. E foi com ele que passei grande parte daquela fria manhã. 

/Demetria's P.O.V


Londres

A neve estava caindo, tornava tudo escorregadio. Scarlett estacionou seu carro no local combinado e se encostou ao mesmo, cruzando os braços e esperando pacientemente. Ficou um tempo olhando para seus dedos que estavam cobertos pela luva preta e suspirou, se perguntando se tudo aquilo realmente valeria a pena. Desencostou o corpo do carro ao perceber que um outro veículo se aproximava. Provavelmente era quem ela imaginava. 
Quando seus olhos enxergaram - ao redor da neve - aquele carro quase parando, ela se aproximou do mesmo. Manteu os movimentos lentos e preparados, caso algo inesperado acontecesse. Mas tudo ocorreu como o esperado: Ele surgiu. 
O homem era extremamente alto e tinha cabelos grisalhos. Usava um casaco preto, assim como o resto de seus trajes. Óculos escuros escondiam seus olhos. 
- Arthur. - Scarlett cumprimentou simplesmente. O homem retirou os óculos, revelando seus olhos frios e de um verde exótico. Ela sentia arrepios toda vez que o via, mesmo depois de tanto tempo. Ele não parecia real, parecia um daqueles homens misteriosos dos filmes de ação que sempre via na televisão. 
- Olá, Scarlett. Fez o que eu pedi? - ele disse, sem cerimônias. Sua voz era grossa e firme, poderia até ser considerada assustadora por algumas pessoas. O clima combinava com ele. Era um homem frio. 
- Sim, fiz o que você pediu. Só não sei se tudo isso vai valer a pena. 
- Mas é claro que vai valer a pena... - ele pausou sua fala e olhou ao redor. Seus olhos claros pareciam vivos pela primeira vez em muito tempo. - Demetria é minha filha. 
- Eu sei, mas você não conhece as pessoas que estão na vida dela. Na verdade você nem conhece ela, então... 
- Então nos vamos fazer o que foi combinado. 
- Ok, mas eu posso ir beber antes? Londres é um porre! - ele concordou com a cabeça e ela deu um tchauzinho empolgado com a mão, entrando em seu carro como se fosse uma criança. Quando tudo aquilo começaria a ter um pouco de ação? Será que Caleb estaria naquele pub de novo? 


Joseph's P.O.V

Caminhar por aquele corredor frio e cinzento não era a pior parte. A pior parte era perceber que eu tinha conseguido chegar ao fundo do poço. Por tantos anos me vangloriei por ser rico, por ter a opção de torrar todo o dinheiro que eu quisesse. Mas não fazia mais diferença, não mudava nada. Meu dinheiro não seria capaz de me livrar daquelas grades. 
Ignorei os olhares que estava recebendo enquanto cumpria meu caminho e tentei manter a cabeça erguida, mesmo sabendo que eu poderia facilmente ceder e chorar. Chorar como um fraco. 
Um barulho alto de chaves se misturou com o de algo se chocando contra metal. Minha cela foi aberta, eu fui praticamente jogado para dentro dela. Olhei ao redor, parecia que tudo ficava mais assustador com o passar do tempo. Eu me sentia uma criança de novo, um garoto indefeso que queria gritar por sua mãe, mas nem isso eu podia fazer. Minha mãe não viria me socorrer.

No one knows what it's like
To be the bad man
To be the sad man
Behind blue eyes


Deixei meu corpo cair naquela cama desconfortável e senti minhas costas reclamarem. 
Dia vinte e cinco de dezembro. Natal. Tantos natais que eu havia passado sozinho, vários deles até envolvido em situações absurdas. Porém, nos últimos meses, desde o último Natal, aquela data não tinha sido mais a mesma. Eu passei com ela. Onde será que Demetria estaria naquele momento? Será que estava bem, será que Cameron estava cumprindo sua promessa? 
Eu tinha medo de pensar no que poderia acontecer entre os dois, mas eu mesmo havia dito a ela: não posso exigir nada. Eu não poderia obrigá-la a ficar presa junto comigo, mas ao mesmo tempo sentia que precisava fazer alguma coisa, porque estava prestes a perdê-la definitivamente. 
O que eu poderia fazer estando preso?

And no one knows what it's like
To be hated
To be fated
To telling only lies


Quando a polícia me encontrou ferido, eles não hesitaram em me levar para um hospital. Depois que o ferimento provocado por Carter foi tratado e eu conseguia andar sem problemas, o pior aconteceu. Fui levado para aquela maldita delegacia. Não bastava ser interrogado sobre coisas que eu não conseguia me lembrar, não bastavam as palavras ofensivas que me disseram, a dor ainda conseguia se tornar pior. Por que eu continuava a ter esperanças, afinal? Talvez eu fosse mesmo um assassino. Talvez eu tivesse que pagar. 
Eu já estava pagando. 

But my dreams, they aren't as empty
As my conscience seems to be
I have hours, only lonely
My love is vengeance
That's never free


Não saber o que estava acontecendo do lado de fora daquele lugar era perturbador, eu me sentia a ponto de sufocar. Se eu apenas pudesse ter outra chance, tentar consertar certas coisas... Se eu apenas pudesse ter aproveitado mais o tempo em que estava livre! Ninguém aparecia para me salvar, ninguém conseguia tirar aquela porra daquela agonia de dentro de mim. Ninguém parecia se importar. Passei muito tempo não me importando com as pessoas, era fácil de acreditar que eu estava colhendo o que plantei. 
De que adiantaram tantas promessas, se no fundo eu sabia que nunca poderia ser totalmente feliz? Por que iludi Demetria ao dizer certas coisas? Era errado enganá-la, eu não acreditava em minha pessoa. Nunca fui um homem totalmente bom, sempre tive um lado meio egoísta e obscuro. Mesmo naquele momento, eu ainda conseguia sentir Joseph de antigamente preso junto comigo. 

No one knows what it's like
To feel these feelings
Like I do
And I blame you


Mais tarde, naquele mesmo dia, descobri que as coisas estavam começando a sair do controle. Durante o que deveria ter sido uma refeição para o resto dos homens prisioneiros, um caos se instalou. E por quem aquele caos foi criado? Por mim, é claro. Deixei que a fúria me dominasse de novo, deixei que minha humanidade fosse embora e ataquei sem pensar duas vezes um homem. Ele me tirou do sério, disse coisas que eu não aguentei ouvir. Eu vi o sangue em seu rosto, e não senti nada. 
Me levaram de volta para a cela, me jogando com violência para o lado de dentro, fazendo com que eu batesse a cabeça na parede. 
A tontura foi grande, eu deixei ela me apagar. 

No one bites back as hard
On their anger
None of my pain an' woes
Can show through


Um barulho incômodo penetrou meus ouvidos e eu me esforcei para abrir os olhos, percebendo que um daqueles monstros que se diziam policias tinha aberto minha cela. Ele adentrou o local, me obrigando a levantar. Eu ainda estava tonto, sentia o estômago embrulhar, mas senti uma pontada de alegria quando ele disse aquelas palavras: 
- Você tem visita, Jonas! - logo eu estava na suposta sala de visitas. Avistei uma mulher sentada em uma mesa ao fundo, seus cabelos eram ruivos. Não precisei raciocinar muito para descobrir quem era. Mas por que aquela vadia tinha vindo me visitar? 
Caminhei até ela e puxei a cadeira para me sentar. Bethany levantou o rosto para me olhar e deu um sorriso discreto, apoiando os cotovelos na mesa e não permitindo que seus olhos desgrudassem de mim. 
- E não é que ele chegou mesmo ao fundo do poço? - suas palavras provocaram ainda mais raiva. 

No one knows what its like
To be mistreated
To be defeated
Behind blue eyes


- Veio aqui só para dizer isso? - a olhei profundamente nos olhos, tendo a sensação de que ela tinha mais a dizer. 
- Não... - começou, olhando ao redor e fazendo uma cara de nojo ao encarar um outro criminoso. - Só quero que você saiba de três coisas, Joe. Primeira: eu poderia ter passado reto por esse lugar horrível, mas realmente precisava ver você. Segunda: eu realmente tive uma queda por você no colegial. - bufei, passando a mão nervosamente pelo meu cabelo ao ouvir aquilo. 
- Não acredito no que eu estou ouvindo. Você é patética, Bethany. Sempre foi! 
- Pelo menos um grandalhão careca não fica me algemando e me jogando em uma cela... - Bethany levantou uma das sobrancelhas e parecia me olhar com deboche e pena ao mesmo tempo. - Terceira coisa: - mas antes de dizer, ela olhou para o chão, refletindo se deveria continuar. - Você não matou Erin Fields. 
Meus olhos se arregalaram, mas não fazia sentido. Fazia? 
- C-como é? - perguntei atônito. 
- É, amor, não foi você que matou a nerd quatro-olhos, pode ficar com a consciência tranquila. 
- Então quem matou? Bethany, se você sabe de mais alguma coisa... 
- Eu sei de muitas coisas, mas já estou ajudando muito ao contar isso para você. - ela tomou impulso com as mãos e se levantou, me olhando do mesmo jeito de antes. 
- Você simplesmente vai me dizer isso e ir embora? - fechei as mãos em punhos. 
- Exato! 
- E eu vou continuar preso por algo que não fiz? Eles querem provas, eles não vão acreditar se eu disser o que você me contou. 
- Bem... Isso não é problema meu, Joe. - me pegando de surpresa, ela deu a volta rapidamente na mesa e segurou meu rosto com as duas mãos, juntando nossas bocas. Segurei seu ombro com certa força e a afastei. Bethany riu e balançou a cabeça negativamente. - Tentei ajudar, né? 
E ela foi embora, me deixando sem reação. 

No one knows how to say
That they're sorry
And don't worry
I am not telling lies.


/Joseph's P.O.V


Carter não conseguia entender nenhuma daquelas palavras, mas também não conseguia parar de escrever. O pequeno caderno com um rasgo na capa e folhas amassadas registrava milhares de conjuntos de palavras; alguns faziam sentido, outros não. Mas aquela era a sua única saída do mundo real, da merda que era sua vida. Seus dedos depositavam força na caneta, quase rasgando o papel. Apesar do nervosismo provocar espasmos em seu corpo, em sua cabeça as coisas estavam diferentes. Era tudo calmo demais, diferente demais. A maldita voz não dizia nada, era como se ele estivesse livre pela primeira vez em muito tempo. 
Olhou para um de seus braços tatuados e soltou um som irritado com a boca, parando de escrever e jogando o caderno no chão. Deixou o corpo cair na cama e cobriu o rosto com as mãos. Nevava do lado de fora, mas ele não sentia frio algum. 

Take the time just to listen
When the voices screaming are much too loud
Take a look in the distance
Try and see it all


Os olhos verdes estavam desfocados, apagados. Nem a malícia e nem a maldade estavam brilhando ali. Ele sabia que momento era aquele. Era o momento em que se perdia completamente, esquecendo-se de quem foi, de quem estava se tornando e de quem queria ser. Não permitia que ninguém o visse daquele jeito, pois sabia que era uma fraqueza. As pessoas não precisavam descobrir o quanto instável e desesperado ele era. Ninguém precisava saber. Perto dos outros, ele era o Carter Stone sem sentimentos, o monstro. A criatura mais detestável da face da terra. Sentia nojo de si mesmo toda vez que abria os olhos e os braços marcados por desenhos sem nexo entravam em sua visão. Estava desconfortável dentro da própria pele. Precisava por um fim naquela situação. 
Levantou o corpo que lutava por algum tipo de descanso e abriu uma gaveta, retirando um pequeno potinho de vidro e uma seringa ainda embalada pelo plástico. Com os olhos focados no que fazia, ele colocou o liquido na seringa e respirou fundo. Fechou os olhos e sentiu seus músculos doerem. Era Natal, mas quem se importava? Nem sua mãe estava com ele. Nem ela queria estar perto daquela aberração. 
Sem cuidado algum, ele perfurou sua pele com a agulha, injetando a droga em sua veia. Fechou os olhos de novo e esperou a mágica começar. Mas estava começando a ficar previsível, chato. Não parecia provocar o mesmo efeito de antes, não parecia sequer fazer algum efeito. 

Chances are that you might find
That we share a common discomfort now
I feel I'm walking a fine line
Tell me only if it's real

Still I'm on my way (on and on it goes)
Vacant hope to take.


Tonto e com a vista turva, ele saiu do quarto. Se apoiava nas paredes para não cair. Foi até a cozinha totalmente desarrumada e olhou para cima, sorrindo ao notar os pilares horizontais no teto. Parte de uma antiga decoração que sua mãe tinha escolhido. 
Procurou avidamente por uma corda, totalmente fora de si. Quando a encontrou, depois de algumas tentativas frustradas, conseguiu prendê-la em um dos pilares horizontais e amarrou a outra ponta, que formava um círculo. Olhando o objeto pendurado que balançada, ele puxou uma cadeira que estava ao seu lado e subiu na mesma, segurando a corda e a passando por sua cabeça. 
Era o fim... 

I can't live in here for another day
Darkness has kept the light concealed
Grim as ever
Hold on to faith as I dig another grave
Meanwhile the mice endure the wheel
Real as ever
And it seems I've been buried alive.


Era a coisa certa a fazer. Ele precisava parar, precisava ter a vida arrancada de seu corpo o mais rápido possível. Era um assassino, um psicopata sem limites. Um perturbado que jamais encontraria o caminho de volta para o mundo real. 
Carter olhou para o chão, pensando em um dos trechos que tinha escrito naquele dia. 
- Quem dera que palavras pudessem mudar alguma coisa. - ele disse para si mesmo, ficando com os pés extremamente próximos da ponta da cadeira. Uma voz dentro de sua cabeça deu as caras, mas não era a mesma de antes. Durante suas crises, a voz que o obrigava a tomar atitudes extremas era fria, era como se um demônio tivesse se apossado de seu corpo e gritava coisas que o deixavam cada vez mais para baixo. Fazendo com que se sentisse um pedaço de lixo. 

Much has changed since the last time
And I feel a little less certain now
You know I jumped at the first sign
Tell me only if it's real

Memories seem to fade (on and on it goes)
Wash my view away.


No entanto, a voz daquele momento era diferente, parecia sussurrar ao invés de gritar. Não estava dizendo palavras depressivas e nem humilhantes. Ela parecia ter o intuito de acalmar Carter, mesmo que ele não conseguisse encontrar esse calma de maneira nenhuma. Talvez existisse uma maneira... 
- Morte. - a palavra saiu por seus lábios de um jeito sombrio, como se ele estivesse prestes a matar outra pessoa. 
"Não, Carter! Pare com isso! Desça já daí... Nem tudo está perdido."

I can't live in here for another day
Darkness has kept the light concealed
Grim as ever
Hold on to faith as I dig another grave
Meanwhile the mice endure the wheel
Real as ever and I'm chained like a slave
Trapped in the dark, slammed all the locks
Death calls my name... And it seems I've been buried alive.


- Por que você não cala a boca, sua vagabunda? - um de seus pés ficou suspenso, o obrigando a sustentar o peso de seu corpo apenas com o outro. Qualquer movimento poderia ser fatal, já que o efeito da droga estava em seu sistema. 
"Não me diga que tudo que você escreve naquele caderno é em vão! Você sabe que existe uma saída..."
- É claro que existe uma saída. - a corda estava pressionada contra seu pescoço, o material áspero raspava sua pele. - Essa aqui... - Carter soltou o outro pé, ficando suspenso no ar. A corda o segurava pelo pescoço, e suas mãos tentaram tirá-la dali. Sons agoniados saiam por sua garganta e seu rosto começava a ficar vermelho. Suas pernas balançavam desgovernadas. Já conseguia sentir uma falta de ar insuportável, já era capaz de perceber que estava se sufocando. Mal conseguia enxergar direito, estava perdendo os sentidos... Já conseguia sentir o fogo do inferno envolver seu corpo. 
A corda quebrou. 
O impacto de seu corpo contra o chão provocou um barulho alto. Carter gemeu de dor e tentou respirar, ainda se sentindo sufocado. Tirou a corda de seu pescoço com dificuldade e continuou estirado, olhando para cima. 
"Viu só? Eu avisei!"
- Mas que diabos... - ele passava a mão pelo pescoço, sentindo o local arder. 
"Levante e lute, não seja fraco."
Como se aquela voz pudesse controlar seu corpo, ele se segurou em uma parede e tentou levantar, respirando com dificuldade. Seu peito subia e descia. Carter não conseguia sair do lugar, mas algo parecia insistir em empurrá-lo. 
Por que não tinha conseguido acabar com a própria vida? Por que a maldita corda teve que quebrar justo quando a solução estava a caminho? Por que ele tinha que continuar naquele mundo? Para matar mais pessoas e provocar dor? Não fazia sentido... Não era aceitável. Ele queria morrer! 
Sua audição prejudicada captou o telefone tocar na sala, e então, sem saber explicar como, ele saiu da cozinha e correu em direção ao aparelho. Seu corpo sem forças caiu no sofá e ele respirou fundo, apenas esperando que a pessoa do outro lado da linha dissesse alguma coisa. 
- Carter? - era a voz de Bethany. 
- O que você quer? 
Bethany estava em seu carro, já nos limites da cidade. Podia jurar que a voz de Carter estava diferente, parecia cansada e apavorada ao mesmo tempo. Deu de ombros quanto a isso e sorriu levemente, se sentindo livre dele. Livre de tudo aquilo. 
- Eu estou indo embora, Stone. Me livrando de você e de toda essa merda! 
- Bethany... - ele começou, sentindo sua força voltar aos poucos. - Não importa o quanto você fuja, isso sempre vai te acompanhar, querida. 
- Dane-se! - ela mudou de direção, entrando em uma estrada escura e vazia. - Eu cansei de continuar nessa vida, cansei de ser usada por você. Eu não preciso disso, Carter. 
- Por mim você pode queimar no fogo do inferno. 
- A recíproca é verdadeira. 
Assim que Carter ouviu aquelas palavras, um barulho estrondoso perfurou seus ouvidos. Do outro lado da linha, ele conseguiu ouvir uma freiada brusca, seguida por um som impactante e ensurdecedor. Um grito de Bethany também foi identificado antes que seu telefone ficasse mudo. 
O caminhão estava parado no meio da rua, a parte da frente estava danificada. O motorista saiu desesperado e correu até o carro que mais parecia ferro velho do outro lado da rua. Não tinha conseguido evitar a batida, fora tarde demais quando percebeu que já estava praticamente passando por cima do veículo. Se aproximou do carro e conseguiu identificar uma mulher ainda com vida lá dentro. Tentou dizer a ela que estava indo buscar ajuda, mas ela disse que não. Seu rosto sangrava, estavam com ferimentos graves e lágrimas começaram a cair. Um filme de sua vida passou diante de seus olhos. O motorista do caminhão percebeu que algo estava errado e se abaixou para olhar embaixo do carro de Bethany. 
- Diga a eles que... - ele ouviu a voz dela tentar soltar as palavras, se misturando com gemidos de dor. - Diga a eles que... 
Antes que ela pudesse terminar seu último pedido, o motorista tentou correr para longe, porém a explosão derrubou seu corpo com violência no asfalto. Se encolheu e olhou para cima, vendo todo aquelas chamas. 
Bethany estava morta. 

Crushing you with hands of fate
Shame to find out
When it's too late
But you're all the same
Trapped inside inferno awaits.



Joseph's P.O.V

Eu poderia simplesmente ficar dentro daquela cela e dormir, mas nem isso eu conseguia. Estava caminhando por aquele mesmo corredor de novo ao receber a notícia de que tinha outra visita. Perguntei ao polícial de quem se tratava, e tudo que ele me disse foi que era uma mulher. Não sei por que, mas tive uma pequena chama de esperança. Considerei a hipótese de ser Demetria. Mas no mesmo instante que a esperança veio, ela foi embora. Ela tinha tentado me visitar uma vez quando eu estava na delegacia, e eu disse que não queria vê-la. Ela não tentaria de novo. 
Quando cheguei a sala de visitas novamente, me indicaram a pessoa que tinha vindo me visitar. Não era algo normal, porque visitas àquela hora não eram permitidas. Uma mulher estava de costas para mim, mas não era Bethany, porque os cabelos daquela eram negros. Me aproximei com certo receio e ela virou o pescoço para me olhar, se levantando. Eu não fazia a mínima ideia de quem era. A mulher pediu com um aceno de cabeça para que eu me sentasse, colocando as duas mãos sobre a mesa e ficando a me observar por um tempo, como se procurasse por alguma coisa. 
- Eu não conheço você. - foi tudo que eu disse. 
- Você não precisa me conhecer, o importante aqui é que eu te conheço. - seu tom de voz era decidido, não parecia nem um pouco intimidade pelo fato de estar sozinha naquele lugar com outros homens. 
- E de onde você me conhece? 
- Vocês ingleses são desconfiados demais para o meu gosto, Joseph. - me levantei, cansado de todo aquele mistério desnecessário. - Ok, não precisa ficar sentado se não quiser. 
- Comece a falar. - eu disse, olhando em seus olhos. 
- Primeiramente, permita que eu me apresente. Oi, sou Scarlett! - ela estendeu a mão, esperando que eu fizesse o mesmo. - Além de desconfiado, você é grosso. Que fascinante! - a mulher revirou os olhos e cruzou os braços, andando ao meu redor. - Você trata a Demetria desse jeito também ou o problema é comigo? - meu corpo ficou tenso quando ela mencionou o nome de Demetria. Quem diabos era aquela estranha, o que ela sabia sobre minha vida com Demetria? 
- Você é algum tipo de detetive ou só brinca com a paciência das pessoas? 
Outch! - ela parou atrás de mim e puxou meu braço, obrigando meu corpo a se virar e ficar de frente a frente para o dela. De onde tinha surgido toda aquela força? - Veja bem, Jonas... Eu não estou aqui por besteira, e sim para te ajudar. 
- Olha, eu não sei como diabos você sabe meu nome, ou como conhece a Demetria, mas, por favor, diga logo qual é a sua intenção, porra! 
- Esquentadinho! - a tal da Scarlett riu. 
- Você já percebeu a minha situação? Não espere que eu trate você com cavalheirismo, Scarlett
- Ah, me chamou pelo nome. Progresso! 
- Eu tenho mais o que fazer do que ficar aqui ouvindo suas piadas. - rosnei as palavras para ela, perdendo a paciência. 
- E eu poderia estar pegando uma onda na Califórnia, mas estou aqui. Então coopere, gato. E, sinceramente, o que você tem para fazer além de me ouvir? Ficar batucando nas grades da sua cela? Dá um tempo, cara! 
Dei meia volta, praticando implorando para que me prendessem de novo, mas ela foi mais rápida e voltou a me puxar. 
- Qual é o seu problema, mulher? 
- Me ouça, Jonas! - seu tom de voz foi mais alto, seu punho estava erguido. Ela realmente seria capaz de me bater. - Eu sei como te tirar daqui, só preciso de tempo. Não te interessa como eu sei da sua vida, não vai interessar quando você ficar livre e pronto. Tenho minhas fontes, e você não vai querer saber quais são elas. Então, só espere! 
- Eu deveria agradecer? - ironizei. 
- Não... Ainda. - Scarlett se afastou de mim e acenou com a mão, passando pelo portão. Virou o corpo e me encarou com divertimento. - Feliz Natal atrasado! 
Ela sumiu de vista e eu voltei para o meu lugar. Preso, como antes. Passei a noite inteira pensando nas coisas que estavam acontecendo, perdido em meio a esperanças e desespero. Será mesmo que Bethany estava certa quando disse que eu não tinha matado a Erin? Será que a tal Scarlett poderia mesmo me ajudar? 

I wanna live, I wanna love...
But it's a long hard road out of hell.

2 comentários:

  1. Começei a ler essa fic e to amandooooooo VOCE PRECISA POSTAR LOGO POR FAVOR!

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Sem comentario, sem fic ;-)