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segunda-feira, 13 de abril de 2015

Secretary III - Capítulo 17

Fabricando memórias
(Músicas do capítulo: More Than Anyone do Gavin DeGraw e Exotique do Soul Ballet. Se possível, deixe ambas carregando e as coloque para tocar quando cada aviso surgir.)




7 meses depois...

Meus olhos esperavam pelo movimento certo, o momento perfeito que seria capturado com todo o orgulho. Mantive-me escondida atrás de uma das paredes de cor branca segurando a filmadora firmemente, tendo a certeza de que os olhos daqueles dois meninos sentados em um dos sofás vermelhos de uma das salas da casa não conseguiriam me alcançar de onde eu estava. Eu mal conseguia reprimir o sorriso involuntário e espontaneamente aberto que se formava em meus lábios todas as vezes em que o mais velho conversava com o mais novo, motivado a fazê-lo participar o quanto pudesse daquilo que faziam. Recebendo apenas sons de palavras não identificadas do bebê, Jamie sorriu outra vez e acariciou a cabeça cheia de cabelos lisinhos e brilhantes de Matthew. Os dois estavam vestidos com roupas simples de ficar em casa. Jamie com uma camisa branca de botões, um casaco de frio e uma calça de tecido escuro, juntamente com um all star. Seus cabelos negros estavam minimamente mais cumpridos, o deixando com um ar de mais velho, por mais que ainda tivesse apenas seus onze anos. Matthew usava um conjuntinho azul claro de blusa e calça em um tecido fofo, com um casaquinho azul mais escuro de tricô por cima, para então protegê-lo do frio. Alguns fios de seu cabelo brilhante e fininho cobriam áreas de sua pequena testa, e isso me lembrava o pai do mesmo. Assim como alguns traços do rosto e a cor dos olhos, visivelmente iguais aos de Joseph. 
Provavelmente distraídos demais com o que faziam, eles continuavam sem me notar. Fitei a expressão de Jamie com a filmadora trabalhando a todo o vapor, observando seu jeito tão atencioso de tratar Matthew. Como considerei muito arriscado permitir deixar que meu bebê ficasse com Jamie na larga banqueta do piano, ofereci a eles um teclado antigo que eu costumava tocar quando era mais nova, para que pudessem se divertir sem perigo algum. Era sexta feira, um dia frio e úmido, aqueles dias em que pequeninhas gotinhas de água só param de cair do céu quando a noite fria se alastra por todos os locais, o vento cortante as secando antes que possam tocar o chão. 
Como Jamie já tinha certa experiência com música graças a mim, era possível notar que ele não tinha trabalho algum ao tentar produzir uma bela melodia. Ao deslizar os dedos pelas teclas, notando que Matt olhava para as mesmas sem entender nada e ao mesmo tempo totalmente interessado, Jamie riu baixinho e moveu o teclado para o lado, possibilitando que o bebê conseguisse alcançá-lo com seus bracinhos curtos. Matthew olhou para seu irmão como se duvidasse ser capaz o que ele queria. 
- O que foi, Matt? Eu sei que você consegue! - Jamie o encorajou, apesar de saber que não seria compreendido como queria. Mas não custava tentar, Matthew se mostrava cada dia mais inteligente, sempre prestando atenção a tudo ao seu redor, absorvendo detalhes que para um adulto seriam insignificantes, mas para ele fariam toda a diferença, principalmente em seu desenvolvimento. - Vamos, é fácil! É só me imitar e pronto. - em silêncio, continuei registrando a cena, torcendo mentalmente para que Matt fizesse o que o irmão pedia. Ver aquele pedacinho de gente pelo menos tentando fazer uma das coisas que eu mais gostava na vida enchia meu peito de orgulho. Matthew olhou para o teclado e em um impulso ergueu seus bracinhos, os balançando agilmente até que seus dedos tocaram as teclas, uma a uma, produzindo um som desafinado e engraçado, rindo de seu feito em seguida. Jamie tentou puxar o instrumento em sua direção novamente, mas o menor pareceu realmente empolgado e tentou repetir o ato mais duas ou três vezes, empolgado. Ele resmungou quando o teclado se afastou. - Não foi desse jeito que te ensinei. - Jamie fingia repreendê-lo com um olhar sério, no entanto, deixava claro que queria apenas rir. Matt prestava atenção nas feições sérias do irmão, como se estivesse percebendo que se tratava de uma bronca. Eu seria capaz de jurar ter enxergado um adorável bico se formar em seus pequenos lábios. - Mas foi um bom trabalho mesmo assim. Toca aqui! - o mais velho ergueu sua mão e a levou levemente na direção do menor, esperando que Matt resolvesse imitar seu movimento, então os dois realizaram uma espécie de high five desajeitado em comemoração. - Mamãe, nós sabemos que você está escondida ai. - surpresa por constatar que minha presença não era tão secreta assim, me revelei para os dois e mostrei a câmera, finalizando a gravação. Abaixei o corpo para ficar de joelhos no chão, de frente para o bebê no sofá. 
- É um vídeo para o papai. Sim, o papai! - afirmei duas vezes, percebendo que Matt se agitou um pouco quando falei de seu pai. Seus lábios se abriram e tentaram fazer escapar a palavra "papa". - Você sente falta do papai, não sente, meu amor? - ele apenas me olhava com os olhinhos brilhantes e eu segurei um de seus pezinhos cobertos por meias brancas e quentinhas, adoráveis meias de bebê. - Todos nós sentimos, mas logo ele estará de volta, ok? 
- O seu cabelo ficou bonito. - Jamie elogiou, olhando para os fios visivelmente mais claros em minha cabeça. Talvez nem tão claros assim, mas totalmente longe do tom escuro de meses antes. Mudar um pouco é sempre bom, é revigorante e energizante. 
- Obrigada, Jam! Será que o pai de vocês também vai gostar? 
- Eu tenho certeza. Ele deve estar sentindo tanta falta da esposa que nem ligaria se ela estivesse careca! - me diverti com aquilo e voltei a deixar os dois brincando, ligando a televisão e deixando em algum desenho animado que Matthew gostava. Gostava só por causa das cores fortes dos personagens e cenários, é claro, já que não entendia nada. 

Sete meses se passaram, e certamente seria uma alarmante mentira se eu dissesse que foram repletos de pura - e exclusiva - felicidade. A tarefa árdua de conciliar um casamento estável e feliz como o nosso com a distância não dava trégua, e por vezes parecia algo maldoso demais para suportar. Mesmo que o simples ato de respirar parecesse mais leve e fácil depois que tantos problemas em nossas vidas evaporaram, ainda éramos confrontados pela precisão e falta de paciência dos contratempos do dia a dia. As complicações naturais de uma vida adulta. Era indubitável que não deixávamos as coisas ruins arruinarem a clareza aliviante em nossas mentes, mas lutávamos arduamente para que a vontade de jogar as obrigações para o alto e dar atenção apenas às nossas necessidades mais intensas não dominassem nossa consciência e bom senso. Mas aquela maldita distância possuía uma fórmula incisiva e poderosa para me deixar aflita. Apesar disso, eu precisava admitir que tudo parecia muito mais alcançável, mesmo que as dificuldades fossem grandes. Uma solução nunca pareceu tão acessível, um incomodo nunca fora tão frágil e ideias positivas tão organizadas e de fácil conquista. 
Joseph deveria estar em Monte Carlo naquele exato momento, acertando os últimos detalhes de um dos negócios mais valiosos e decisivos que poderia pensar em fazer em sua vida. A expansão de sua rede multinacional de hotéis trouxe juntamente à esperança de dias melhores, um enorme problema: a distância. Durante os sete meses que se passaram vagarosamente, vivemos em correria constante. E pensar que tudo começou com apenas algumas curtas semanas, e então lá estava, meu marido tendo que embarcar em um vôo atrás do outro, mais atarefado do que jamais esteve. Eu não poderia dizer que mal tínhamos tempo para aproveitar um ao outro, tendo que nos confortar por conversas através de Videoconferência, mas tudo funcionava rápido demais. Às vezes ele ficava exausto e furioso com a separação forçada, então simplesmente pegava o primeiro avião disponível e vinha para a Inglaterra nos ver, passava alguns dias fugindo das obrigações e depois ia embora novamente. Em outras ocasiões, era eu que me aventurava por aeroportos em busca de um pouquinho de contato com ele, levando sempre os meninos comigo, é claro. Era uma loucura. Viajar de um lado para o outro com duas crianças não é para qualquer um. 
Desde que decidiu todas aquelas inovações para a Empire, não houve sequer uma semana completa que pôde passar em casa conosco. Eu tentava fingir perto dos meninos e do restante das pessoas próximas que isso não apertava meu coração, principalmente quando me lembrava de como havia sido sua última despedida. De como Matthew chorou ao ter que se despedir do pai mais uma vez, mesmo já tendo o conhecimento de que o veria logo. Mas simplesmente não há meios plausíveis para explicar a um bebê de quase um ano que tempos difíceis existem, que as pessoas que amamos às vezes precisam se afastar por um tempo. É necessário. Dói, mas não mata. Era com pensamentos positivos assim que eu encarava meus dias, vezes agitados e vezes calmos demais. Criando dezenas de expectativas para o dia em que Joseph entraria pela porta de nossa casa aliviado, pois não precisaria levantar tragicamente cedo no dia seguinte e correr para não perder o avião que o levaria para possivelmente outro país. Durante nosso tempo separados, eu gostava de ficar revivendo memórias, pensando no que poderíamos fazer quando ele voltasse, organizando planos e mais planos. Tinha montado até uma lista de coisas que precisávamos fazer juntos, nem que algum dos itens fosse realizado apenas quando já estivéssemos velhinhos. Tinha de tudo, desde mudanças significativas na rotina, até viagens mirabolantes com direito a paraquedismo e outras loucuras mais. Durante tardes chuvosas, eu havia criado o hábito de me sentar de frente para a lareira com uma amigável taça de vinho e ficar assistindo vídeos nossos e vendo fotografias, fazendo pausas para assistir algum filme ou seriado. Mas os momentos com ele vinham desenfreados, a todo o instante. Eu os tinha indelevelmente guardados na memória, prontos para tomar conta dos meus devaneios quando acreditava que o momento era oportuno; por exemplo, quando eu deixava meu corpo relaxar no confortável couro do sofá após colocar meu bebê para dormir. Eu fechava meus olhos e conseguia imaginar com perfeição algum momento, capturando até mesmo os aromas e todos os aspectos físicos e emocionais do que se passava ao redor. Se Joseph me beijara durante uma dessas memórias, eu certamente seria capaz de sentir, como se fosse real, o beijo esquentar meus lábios. Podem me chamar de exagerada, dramática e insana, mas tente ficar quase quatro semanas tendo que ver o homem que você ama, o pai dos seus filhos, por uma mísera tela de um notebook e escutar a voz dele que remete saudade tanto ou mais que a sua própria. 
Nos dois primeiros meses em que as viagens de meu marido se tornaram constantes, levamos nosso bebê a praia pela primeira vez. Uma época incomparavelmente mais feliz do que quando, aos seis meses de vida, Matt sofria com o desconforto de seus primeiros dentinhos que nasciam. Lembrava-me de como o pequeno ficara choroso, querendo sempre colo e carinho, pedindo a mim com aquele chorinho sofrido e os olhos cheios de lágrimas para que fizesse o desconforto ir embora. Porém, a imagem de seus olhinhos verdes brilhantes fitando maravilhadamente a imensidão do oceano pela primeira vez sempre preenchia minha mente e fazia surgir no peito um calor reconfortante, não importava quantas vezes perseguisse a memória. Eu nunca havia tirado tantas fotos como tirei naquele agradável fim de semana em Southampton. Obviamente nós só podíamos levá-lo à praia nos horários em que os raios solares deixam de ser prejudiciais, de manhã e ao fim da tarde. E ainda assim exagerando no protetor solar infantil, deixando sempre sua cabeça coberta por um chapeuzinho e evitando que ficasse em contato direto com a areia. Como Matthew ainda era muito pequeno, não desgrudávamos um mínimo sequer. Ele, é claro, queria olhar e alcançar tudo ao mesmo tempo, até mesmo as aves que deslizavam com o vento acima do mar. Ficávamos mais tempo na piscina da casa de praia do que propriamente na praia, mas eu sabia o quanto ele tinha ficado feliz com aquela nova experiência, sabia que tinha lhe feito um bem imensurável. 
Era mesmo possível assim sentir tanto amor por alguém? Sabia que sim, porque amava Joseph daquela forma, mas o que eu sentia por Matthew chegava até a me assustar. Era um amor que só crescia, só encontrava mais e mais espaço dentro do meu coração, como um caminho interminável que percorreria para sempre. Um amor capaz de qualquer coisa no mundo. Ver meu bebê sorrindo estava no topo da minha lista de realizações, vê-lo se divertindo sozinho não tinha preço, era um sentimento grandioso, algo que custava entender perfeitamente, mas eu jamais abriria mão da sensação de bem estar. Ele era um pedaço de mim, amado antes mesmo de nascer, amado até mesmo quanto tinha o insignificante tamanho de uma sementinha; então era mais do que certo dizer que minha felicidade dependia da dele. Muito. Era assim com Jamie também, só que a sensação era diferente. Como o garoto parecia crescer mais a cada dia, eu deixava as preocupações excessivas de mãe de lado e me concentrava em aproveitar seu desenvolvimento, como conseguia rapidamente se transformar em um adulto pelo simples jeito de falar ou de pensar. Jamie era mais do que inteligente, aparentava ter muito mais idade e sempre, sempre que podíamos, conversávamos muito. Eu gostava de saber como ele enxergava o mundo, quais eram seus sonhos e expectativas com o futuro. 
Felizmente Joseph pode estar presente durante quase todos os marcos do desenvolvimento de nosso bebê. E, quando não era de forma alguma viável, eu tratava de registrar com uma câmera e enviar a ele o mais rápido possível. Fazia questão de acompanhar sua reação pelo notebook enquanto ele assistia as gravações, seu sorriso sincero e mais do que orgulhoso funcionava como uma chuva repentina no verão escaldante: era aliviante. Era como uma mensagem que dizia: aguente só mais um pouco, Demetria, ele é seu, e logo estará com você. E assim as coisas se estenderam. Um mês se passou, outro... Era difícil não tê-lo ao meu lado na cama ao acordar todas as manhãs, sendo elas quentes ou frias, mas pelo menos nós podíamos conversar sempre e apenas esperar com alegria pelo momento em que finalmente poderíamos nos ver novamente. Sem interrupções miseráveis do acaso. 
Ser esposa de um empresário tão ocupado por vezes era torturante. Principalmente porque eu não exercia profissão alguma para adquirir distração e ver a hora passar mais rápido, era uma mãe em tempo integral perdida por entre todos os cômodos daquela casa gigantesca. Foi por isso que decidi ser mais útil e aproveitei uma casinha jeitosa, espaçosa e bonitinha aos fundos do jardim, que tempos antes funcionava apenas como uma espécie de lar de coisas velhas. Era uma experiência. Assim que a limpei, organizei e decorei, decidi inaugurar um singelo estúdio de piano. Na certa não seria algo grandioso e famoso, mas eu estava para lá de orgulhosa do resultado. Não tinha interesse algum em cobrar pelas aulas, e na maioria dos casos em que exigiam me pagar, simplesmente ignorava ou recomendava que o dinheiro fosse entregue a alguém que realmente precisasse. Eu adorava lidar com música, mostrar aos outros que música é muito mais do que um som que a audição detecta com gratidão, por isso decidi me tornar, digamos assim, uma professora de piano. Era um ótimo passatempo, me livrava de pensamentos depressivos enquanto Joseph continuava enfurnado em seu trabalho. Eu estava imensamente orgulhosa de meu trabalho, pois já tinha cinco aluninhas que ensinava separadamente pela manhã ou à tarde. Uma mais adorável que a outra. Mabel, Carolyn, Abigail, Stella e Minnie eram seus nomes; tinham entre seis - a idade em que comecei a aprender a tocar piano - e onze anos. Stella era da classe de Jamie no colégio, vale ressaltar. O restante das meninas eram filhas de conhecidos. 
Certo, não podia me considerar uma renomada pianista, mas eu conhecia absolutamente tudo que envolvia um piano. E, por enquanto, aquela distração estava de bom grado. 
Era sexta. Joseph chegaria no dia seguinte, provavelmente ao fim da tarde. Finalmente. Dessa vez era para ficar. 
E sabe qual é a melhor parte em tudo isso? Domingo era aniversário de Matthew, seu primeiro aninho de vida. 


Estava perfeitamente acomodada no sofá, então parecia um absurdo ter que virar o rosto em busca de um relógio para checar as horas, mas eu poderia arriscar e dizer que já passava das nove da noite. Olhando fixamente para a tela da televisão grande enquanto ali mesmo um casal se beijava, eu desviei o olhar e observei as outras pessoas ao meu redor. Jamie sentado de qualquer jeito no tapete jogando cartas com Charlotte e Peter. Sim, a irmã de Joseph se tornou mais próxima do que eu poderia imaginar. A garota finalmente estava livre de alguns dos problemas que assolavam seus dias tempos antes, já havia completado dezoito anos e parecia bem. Eu jamais pensei que Matt e Jamie pudessem ter uma tia tão dedicada, ela realmente adorava ambos. Só não estava com o pequeno em seu colo naquele exato momento por duas razões: minha mãe brincava com ele no outro sofá e também porque não suportaria perder para os garotos no jogo. O sorriso dela era absolutamente igual ao dele. Ok, eu precisava parar de enxergar Joseph em todos os cantos. Vasculhei por pipoca no pote, percebendo que tinha acabado há algum tempo. Então voltei a prestar atenção nos mais novos. Devo dizer que era um tanto quanto surreal poder ter Peter e mamãe todo dia em casa. Eles realmente voltaram para Londres e moravam pertinho de mim. Quase sempre estavam comigo, geralmente porque aquela casa andava solitária demais, principalmente durante a noite, quando os meninos já estavam dormindo. Minha mãe vivia tranquila em sua casa, apenas trabalhando com produções de eventos que tanto gostava e Peter se dedicava a fotografia. Havia largado a faculdade de Publicidade, alegando que, definitivamente, não era para ele. Não namorava mais com a garota que eu lembrava de ter visto tanto. Ali, olhando para o meu irmão e para a irmã de Joseph, arriscava dizer que era capaz de sentir um... Clima
Era o dia de folga de Nancy, mas uma estranha agitação na cozinha me fez olhar incomodada na direção do cômodo. Logo, ninguém mais, ninguém menos do que Karlie - era complicado não chamá-la mais de Scarlett - veio praticamente correndo com vários doces e outras porcarias nas mãos. Ela se largou no sofá ao meu lado, sem se importar em oferecer nada a ninguém, mas Jamie e Peter foram mais rápidos e roubaram alguns dos doces. Olhei-a sem controlar um risinho, a impedindo de levar outro pedaço de bolo a boca e neguei com a cabeça. Não, não era mais a mulher "bruta" e sem resquícios de feminilidade como antes. Seus cabelos fugiam do tom ruivo de antes, apesar de ainda possuírem um brilho avermelhada. Eles já ultrapassavam seus ombros, completamente lisos. Os olhos dela estavam maquiados delicadamente e suas roupas eram dignas de uma madame, incluindo saltos altos e colares super caros. Tudo bem que naquele momento, estirada no sofá, nem de longe ela parecia uma moça de classe, mas eram detalhes. Rapidamente olhei para um anel brilhante em seu dedo anelar e me levantei em um pulo, a puxando para a cozinha. 
- Isso é urgente? Porque eu realmente estava com vontade de comer aqueles bolinhos, e agora provavelmente aqueles dois pestinhas já devem ter roubado tudo! - Karlie largou o corpo em um dos bancos da bancada e ficou brincando com as pulseiras em seu braço. 
- Peter já passou dos vinte anos, nem de longe é um pestinha. 
- Ele é uma gracinha, isso sim. - sorriu e por um instante parecia o sorriso de uma bêbada pervertida. A alertei com o olhar para que parasse de ter pensamentos maliciosos com meu irmãozinho, meu eterno bebê - ninguém precisava saber que já era um homem feito - e me sentei ao seu lado. Ela estava muito, muito mudada mesmo. A iluminação da cozinha não era grande coisa, mas eu preferi manter a luz daquela forma para evitar que os outros na sala notassem nossa conversa ali. Antes que pensasse em dizer qualquer coisa, ela ergueu o dedo e se preparou para enfatizar o aviso de que eu não tinha permissão para tocar em determinado assunto. Rolei os olhos e comecei a falar mesmo assim. 
- Eles voltam amanhã. 
- Eu sei que está feliz, gata, mas por que você fica repetindo isso de cinco em cinco segundos? - questionou, colocando sua melhor máscara de inocente. 
- Você sabe, e nem venha fingir que não. 
- Pelo amor de Deus! O que eu preciso fazer para você parar de me lembrar que eu dormi com aquele irlandês sem graça? - tinha urgência em sua voz, algo que claramente se transformava em desespero aos poucos. Era engraçado. - Foi há muito tempo, ok? Eu estava bêbada, nem consigo me lembrar do "tamanho". - ela fez aspas com os dedos, engolindo em seco. 
Tentei, mas foi impossível segurar a gargalhada que subiu involuntariamente pela minha garganta. 
- Scar... 
- KARLIE! 
- Ok, ok, Karlie. - estendi os braços, pedindo desculpas. - Você está bem? - então ela olhou para o anel em seu dedo, lançando um olhar evasivo para mim que logo despencou e chegou ao chão. Alcancei uma de suas mãos, a com o anel, e contemplei o mesmo. - É lindo. 
- Eu estou bem, sim, na medida do possível. Além de que não podemos exigir felicidade extrema, não é natural. - negou com a cabeça, convicta do que dizia. Pena que eu não concordava de forma alguma. 
- Mas é claro que é natural. É o que todos querem, é o que buscam durante a vida toda. - argumentei, cruzando meus braços sobre a bancada e escutando as risadas exageradas de Charlotte e Jamie vindas da sala. - Você está prestes a se casar... 
- Se vai perguntar se eu sinto falta dele, já adianto que não. - parecia irritada. - Mas sinto falta de algo no Brandon. 
Brandon Morrison era um talentoso jogador de futebol, ele e Karlie se conheceram sete meses atrás, exatamente quando ela jurou a si mesma que odiaria os homens até o dia de sua morte. Fora tudo muito repentino, eu quase não acreditei quando ela surgiu tarde da noite na porta de minha casa mostrando aquele anel em seu dedo. Estava bêbada, vale ressaltar. E então, pronto, estavam noivos. O casamento seria em breve... E como amiga de Karlie, eu tinha obrigação de investigar se aquilo era mesmo o que ela queria. Brandon era uma boa pessoa, pelo pouco que pude conhecer dele. E os dois, aparentemente, poderiam contar com um bom futuro. O homem tinha sua vida garantida, pois logo seria contratado por algum grande clube de futebol profissional, e Karlie tratava de investir a fortuna de seu falecido pai em coisas que certamente trariam um bom retorno. 
- Mas eu gosto dele, e as coisas seguirão assim. Decisões erradas do passado só trouxeram consequências ruins. 
- Sabe que pode me dizer o que quiser, não sabe? - afirmei sorrindo, recebendo apenas um aceno de cabeça. 
- Mudando de assunto, a designer do meu vestido está vindo de Nova York, mas só vai conseguir chegar no domingo. Tem problema, Demi? É o aniversário do Matt, eu sei, mas gostaria muito que você pudesse estar presente. E que essa mulher saiba o que está fazendo, porque eu me recuso a enfrentar uma loja de vestidos e provar vários. Me recuso! 
- Meu Deus, o que houve com você? - a encarei perplexa, ainda não conseguia acreditar que Karlie se portava mesmo com uma mulher delicada e educada. E prestes a se casar com um vestido branco e elegante, dentro de uma igreja. Inacreditável. - É claro que estarei presente! - confirmei empolgada. - Se quiser, diga a ela para vir aqui em casa. - um lado meu tinha aquela fascinação por coisas relacionadas a casamentos. 
A lagarta virou borboleta! - levantou-se rapidamente da bancada e sorriu angelical para mim, balançando as duas mãos como se fossem asas de uma borboleta de fato, virando-se no exato instante e caminhando com passos pesados de volta ao outro cômodo. - SEUS MONSTRINHOS, DEVOLVAM MEUS BOLINHOS, AGORA! 
Retornando, dei de cara com meu irmão pelo caminho, que ia à cozinha pegar alguma coisa. 
- Seja cavalheiro, rapaz. - disse a ele calmamente, reprimindo um risinho. Peter percebeu que me referia a Charlotte e pediu que eu parasse com as gracinhas como se ainda fôssemos crianças, tentando bagunçar meu cabelo. Que ato insolente. 
Assim que retornamos a sala, eles optaram por parar de jogar cartas. Matthew dormia despreocupado nos braços de mamãe, que prestava atenção no filme mesmo com as conversas altas. Charlotte e Peter pareciam envolvidos em algum tipo de complô contra Jamie, coisa que já começava a deixar o garoto irritado. 
- Uh, logo o Jamie vai entrar na puberdade! - Char começou a provocar. Que belo exemplo de tia, não? 
- É difícil, Jam, é bem difícil. - Peter fingiu um semblante de sofrimento que só fez a garota rir mais. - Felizmente já passamos por isso. - Jamie fitou os dois com seus olhos espertos, um sorriso se formando nos lábios. Hora da vingança. 
- Se já passou, então por que você continua se parecendo com um adolescente bobão, tio Pete? 
Touché! - Karlie disse simplesmente, sem desviar os olhos da televisão. 
- Certo, essa eu mereci. - meu irmão estendeu os braços como quem se rende e bagunçou os cabelos de Jamie. 
- Outch! - Charlotte gargalhava maldosamente de Peter. 
- E vocês dois, huh? - Karlie voltou a falar, juntando as palmas das duas mãos e olhando maliciosamente para Char e Pete. Eu continuava em silêncio, submergida em pensamentos que preferia não compartilhar com ninguém. - Namorados, amantes, amigos com benefícios... 
- Nah, jamais! Somos só bons amigos. - Charlotte a cortou, batendo com força nas costas de Peter, como um cumprimento exagero, obtendo um olhar irritado. O mesmo ergueu uma sobrancelha após isso e segurou um risinho. Jamie tinha o mesmo semblante malicioso de Karlie. 
- Nossa, que determinação para me rejeitar. - Peter comentou entristecidamente bem humorado. 
- A mistura Lovato e Jonas deu certo uma vez, pode dar novamente. - decidi me manifestar, reprimindo um sorrisinho de vitória, tendo o comentário aprovado por todos os presentes, exceto pelo casal em questão. 
Cheers! - Karlie ergueu seu corpo já vazio. 
- Pode até ser que sim, mas para nada que envolva amor. - meu irmão deixou bem claro, olhando para Charlotte que simplesmente concordou com a cabeça. Um pouco decepcionada, eu diria. 
Uma parte relativamente interessante do filme acabou fazendo com que parássemos de conversar por um instante para assistir. Notei que Karlie olhava distraidamente para seu anel, minha mãe tentava ninar Matt, Jamie olhava para mim e sorria, apontado para Peter que, "sem querer", havia deixado seu braço atravessar o ombro de Charlotte. Quando a cena interessante acabou, aquela mistura de vozes voltou a tomar conta do ambiente. 
- Amanhã alguém vai ficar muito, muito feliz. - Karlie provocou, apontando descaradamente para mim. 
- Jamie, você quer ir dormir lá em casa? E eu posso levar o Matthew também? Acho que as coisas vão esquentar por aqui. - Charlotte dizia com um brincalhão tom de preocupação. Senti minhas bochechas corarem, mas não deixei que percebessem, apenas sorri presunçosa e feliz para todos, pois era exatamente assim que eu me sentia. Feliz. 
- Como se ela não fosse aproveitar o marido, pelo amor de Deus! - até mamãe decidiu fazer parte da conversa, obrigando Peter a encará-la constrangido. 
- Você precisa de mais amigas, Demetria. - Char continuava a falar, me obrigando a franzir o cenho e buscar uma explicação para aquele conselho. Eu tinha amigas. - Mulheres completamente piradas que afastam os móveis da sala, imitam as Spice Girls e depois choram assistindo Sex And The City
- Quem diabos chora assistindo Sex And The City? - Karlie se mostrou ofendida com a hipótese daquilo acontecer de fato. A conversa era tão descontraída, era bom. 
- Eu tenho amigas. - me defendi, dando de ombros. 
- Ok, diga os nomes. - não respondi nada, olhando para a televisão. Talvez, apenas talvez, eu precisasse aumentar um pouquinho meu círculo de amizades. 
- Obrigada por me mencionar! - Karlie deu um empurrão em meu ombro, me obrigando a revidar, então rimos. 
- É sério, vão caçar preocupações para lá, eu tenho amigas. 
Logo Brandon foi buscar Karlie e os dois foram embora, concordando quando voltei a alertar que sofreriam graves consequências se não comparecessem a festa de meu bebê no domingo. Mamãe entregou um Matthew adormecido para mim e também foi embora com Peter e Charlotte, que seria entregue em casa por ambos. 
Tranquei as portas e janelas, observando atrás do vidro de uma delas o jardim escuro. Jamie ajeitava a pequena bagunça na sala e depois subiu para seu quarto, alegando que ia tomar banho. Uma hora depois, preparei um jantar básico para nós, então ficamos na sala novamente, assistindo mais filmes. Já um pouco tarde, cerca de onze da noite, pedi que Jamie fosse dormir, e assim ele fez. Despediu-se de mim com um beijo no rosto e foi para seu quarto outra vez. Matthew acordou em meus braços, levemente desconfortável, então deduzi que estava com fome ou precisava de uma troca de fraldas. Por via das duvidas, resolvi subir com ele e dar-lhe um bom banho antes de preparar um leite quentinho para que pudesse saciar o apetite. Àquela hora não era recomendável dar a ele alimentos sólidos, preferi mesmo só o leite, pois já tinha feito uma refeição mais cedo. 
Depois de um bom banho repleto de brincadeiras e água voando para todos os lados, o envolvi cuidadosamente em sua toalha fofa com capuz e o levei na segurança dos braços até meu quarto, o deitando sobre a cama e o secando totalmente. Enquanto eu colocava uma fralda limpa em Matthew, fazia questão de conversar com ele, sobre qualquer coisa. Sempre fazia isso, era bom para estimular seu aprendizado. Coloquei um conjuntinho e um macacão sem pezinho por cima, arrancando risos dele enquanto eu fazia cócegas em seus pezinhos ao colocar as meias. Totalmente protegido do frio. Jamie acordou para tomar água e eu pedi que ficasse de olho no irmão brincando no quarto por um instante, para que eu pudesse ir à cozinha preparar sua mamadeira. Logo subi novamente, liberando meu filho mais velho para voltar ao seu sono. Adentrei meu quarto e fiquei parada observando Matt, que sozinho tentava alcançar a chupeta azul - que usava apenas para dormir - do outro lado da cama, engatinhando e por vezes se arrastando pelo local. Aproximei-me e, após ajudá-lo empurrando a chupeta em sua direção sutilmente, meu filho conseguiu segurá-la e levá-la até a boca. Coloquei a mamadeira sobre a mesa de cabeceira e me afastei da cama por um segundo para guardar algumas coisas no closet, aproveitando a distração do pequeno com o brinquedo em forma de um carrinho com luzes e sons que o divertiam. Distraído e interessado no que fazia, um "mama" escapou de seus pequenos lábios, atraindo minha atenção completamente. Assim que voltei a me aproximar, batendo palmas para atrair sua atenção e vir ao meu colo, Matt me olhou e sorriu, feliz por me ter por perto novamente, erguendo os bracinhos, pedindo colo. Então notei o cansaço em seus olhinhos verdes. O peguei em meus braços, o mantendo seguro em meu colo com apenas um deles para pegar a mamadeira. Beijei o topo de sua cabeça ao me sentar na poltrona confortável e comecei a alimentá-lo, sabendo que logo adormeceria também. Precisava me lembrar de dar a ele leite materno no dia seguinte, sempre alternando entre um e outro. Havia um espelho perto de mim, e eu notava como o bebê ficava empolgado olhando seu reflexo. Ele adorava se olhar em espelhos, talvez mais do que ficar observando objetos de cores fortes. 

Já com o bebê dormindo tranquilamente em seu berço, me vi sozinha na escuridão de meu quarto. Tão vazio e solitário. Matthew tinha passado da fase de acordar durante a madrugada, então eu não tinha desculpas para ficar acordada encarando a babá eletrônica. Suspirei olhando para algumas fotos espalhadas pela decoração ao redor e decidi tomar um banho quente antes de deitar a cabeça no travesseiro e tentar controlar a ansiedade que me dominava devido ao que viria a acontecer no dia seguinte. Saí cantarolando do banheiro cerca de meia hora depois, desenrolando a toalha dos cabelos para secá-los, passando alguns cremes que eu gostava de usar pelo rosto e corpo, vestindo uma lingerie preta confortável e por fim colocando um pijama lilás com um dos meus amados casacos de lã também lilás por cima. Em meio ao turbilhão de pensamentos que me acometeu, um deles se sobressaiu: eu tinha uma surpresa maravilhosa para meu marido. Já conseguia imaginar o sorriso de Joe ao descobrir do que se tratava. 
Genuinamente feliz com o ideia do que o dia seguinte traria, me deitei na cama, ficando bem ao centro e abrindo meus braços para tomá-la por completo. Enquanto encarava o teto, cruelmente sem sono e com o corpo agitado, me virei e acariciei o lado em que Joseph dormia, como se ao invés de estar tocando o edredom, eu estivesse deslizando meus dedos pelo seu corpo. Sentindo o cheiro dele por ali, sorri outra vez. Em breve começaria a sentir dor nos cantos da boca, mas não tinha problema. Logo adormeci, desejando fervorosamente que a noite passasse como um furacão ou estrela cadente. Para falar a verdade, não importava, desde que ela fosse veloz, bem veloz. 


Sábado, cinco e trinta e sete da tarde. Joseph estava no avião naquele exato momento, voltando para a casa. Voltando para mim. A primeira coisa que disse a Matthew quando ele acordou naquele dia foi que o papai estaria em casa para colocá-lo para dormir, depois de todo aquele angustiante tempo. Eu mal sabia dizer desde quando estava me arrumando, por mais que tenha ficado cerca de meia hora apenas encarando minha imagem no espelho enquanto escovava apenas uma grossa mecha de cabelo. Perdida em devaneios, ficava andando de um lado para o outro do quarto, ainda sem os saltos, felizmente, ou já estaria com uma tremenda dor nos pés. Home do Michael Bublé se manteve fixada em meio aos meus pensamentos, me obrigando a ficar cantarolando a letra que, de certo modo, fazia algum sentido. Borrifei um pouco mais de perfume, o afastando de mim antes que acabasse com o fraco e fui novamente para frente do espelho, me posicionando de forma que meu corpo inteiro poderia ser visto. Ergui os braços e fiz meu cabelo em um rabo de cavalo, o soltando em seguida para ver o que ficava melhor. Definitivamente, solto. Sim, eu poderia ficar o esperando em casa, mas isso estava fora de cogitação, completamente inaceitável ao meu ser que já tremia de tanta saudade. Eu queria vê-lo descendo do avião, vindo até mim, me beijando ardentemente e por fim me puxando pela cintura para que pudéssemos ir para a casa. 
Saudade deixa as pessoas melosas, não é culpa minha. 
Deslizei uma das mãos pelo contorto de minha cintura, ajeitando a saia com o cinto até que ficasse certa em minhas curvas, checando o restante da roupa. Sorri satisfeita com o que admirava, percebendo que horas de yoga, pilates e aeróbica foram mais do que recompensadoras. Lá estava o corpo que eu tinha antes de engravidar, completamente como eu me lembrava. 
- Olá, cintura, é bom te rever. - comentei sozinha, rindo de mim mesma, mas minha cintura finalmente estava como eu almejava, então tinha motivos de sobra para comemorar. Peguei meus sapatos e me sentei na cama para colocá-los, olhando impaciente para o relógio delicado em meu pulso, percebendo que eu tinha sido capaz de me atrasar. Logo peguei minha bolsa e corri para fora do quarto, descendo as escadas como um furacão. A última coisa que disse aos meninos ao lhe dar um beijo na bochecha de ambos fora: estou indo buscar o papai! 

Um estranho frisson parecia circular pelo ar, arrepiando meus poros, entrando por minhas narinas e deixando meu corpo eletrizado pela ansiedade. O sangue era bombeado com vigor para o resto de meu corpo, e mesmo assim parecia que eu poderia sofrer uma síncope a qualquer momento. Esforçando-me para dissipar a ansiedade que fazia minhas mãos suarem frio, respirei lentamente e disse a mim mesma que não existiam motivos para estar daquele jeito. O problema seria explicar até mesmo para a minha própria pessoa que aquele era o efeito arrebatador que Joseph tinha sobre o meu ser; eu não era forte o suficiente para tentar bloquear a mistura de sensações que o simples fato de pensar nele despertava em meu corpo e mente. O dia estava se despedindo, um fim de tarde com clima ameno banhava o local, uma mistura de cores já escuras escondia as primeiras estrelas e parecia esconder também a aeronave que abrigava meu marido. Eu estava estagnada na área segura da vasta pista ladeada pela luzes da cidade e dos postes ao redor, que indicavam a noite que depressa ia se aproximando. Potencialmente mais elétrica do que nunca, senti meu rosto enrubescer e pinicar no exato instante em meus olhos tiveram a oportunidade de avistar, ainda longe e pequenino, o avião que começava a ser manobrado para o aeroporto. Sentindo o vento se intensificar e jogar meus cabelos para diversas direções, afastei da bochecha uma lágrima que tinha caído sem que eu percebesse e fiquei olhando para cima como se fosse a última coisa que faria em vida, não queria perder nada. Sim, eu estava me sentindo uma desesperada, mas não era possível controlar. Não queria controlar. De repente, o tamanho impressionante da aeronave já me intimidava, obrigando-me a dar dois passos mínimos para trás quando notei que estava cada vez mais próxima da pista de aterrissagem. Eu não estava mais calculando espaço e tempo, só tinha convicção de que o avião já havia aterrissado na pista e taxiava em direção ao terminal, para estacionar. As escadas foram colocadas alinhadas à enorme porta que em instantes fora aberta, revelando alguns dos passageiros que desciam com cuidado e cumprimentavam aqueles que os esperavam para um abraço. Aflita, me aproximei e procurei impaciente por algum vestígio de meu marido. Foi então que avistei um homem... Não era meu Joseph, era Dominic, o irlandês. Mas os dois decolaram juntos, então obviamente aterrissariam juntos. 
Foi então que eu o vi. 
(Coloque a primeira música para tocar!)

Meu coração podia facilmente ser comparado a um martelo martelando qualquer superfície dura, era até mesmo capaz de sentir o impacto em meu peito. Estremecia. Fechei as mãos imperceptivelmente úmidas de suor frio e engoli em seco, como se assim pudesse me livrar do enjôo ansioso. Era meu marido, pai dos meus filhos, homem que eu conhecia por completo... Então por que senti como se estivesse o vendo pela primeira vez? Me apaixonando pela primeira vez? Maldita sensação de estar vivenciando algo pela primeira vez! 
Era uma ilusão provocada pela saudade ou ele estava parecido com um Deus grego mais do nunca? 
Alternando entre sorrir e dar um passo seguido de outro, enxerguei seu rosto se iluminar quando seus olhos verdes intensos me capturaram instantaneamente. Ele descia as escadas com cautela, mas ainda assim com pressa, querendo quebrar logo a distância. O último degrau, ele estava em terra firme, ao meu alcance, finalmente. Como se Joseph fosse um soldado vitorioso retornando de uma longa guerra já encerrada, desisti de tentar parecer calma e corri em sua direção, pronta para estar em seus braços. Dominic surgiu pelo meu caminho, abrindo os braços como se esperasse que meu empenho fosse para chegar até ele e não a meu marido. Eu gargalhei e ele me imitou quando passei por seu corpo, quase o empurrando bruscamente para o lado. O deixando para trás, notei que Joseph também sustentava passos rápidos, com aquele semblante que explicitava tão claramente a vontade que ele tinha de mim. De me ter por perto. Nossos corpos se chocaram, se fixaram em um abraço que poderia até ser julgado como sufocante, mas era tudo que eu mais precisava no momento. Senti meus pés se distanciarem do chão por um curto espaço de tempo, e não sabia dizer se era felicidade extrema me dando a sensação de estar aérea ou se ele tinha mesmo erguido meu corpo. Ainda sem coragem de dizer nada, afundei meu rosto na curva de seu pescoço e inspirei aquele perfume, sendo capaz de sentir cada pequeno pedacinho do meu corpo despertar como se estivesse totalmente adormecido por muito tempo. Soltamo-nos e senti sua mão cálida tocar meu rosto, o olhar caloroso despertando uma calma imensurável. Olhei para os dedos de sua mão esquerda e sorri abertamente ao fitar a aliança. Por mais trivial que seja, mesmo depois de tanto tempo, vê-la em seu dedo anelar da mão esquerda ainda me deixa nas nuvens. Ele realmente era meu? Abri a boca para dizer algo, mas a fechei quando notei que ele me imitou. Estávamos quites, um tão deslumbrado quanto o outro. A distância fora levada embora pelo agradável vento, permitindo então que eu me permitisse examinar com precisão cada parte de seu rosto, desde os cabelos bagunçados, as sobrancelhas desarrumadas, os olhos intensos, os pontinhos de barba e os lábios convidativos. Ele também me examinava com esmero, utilizando de suas íris verdes e impressionantes. Estava escorrendo virilidade por aquele homem, seu perfume incitava a incontrolável vontade de me livrar daquelas roupas e puxá-lo para algo que não teria hora para acabar. E eu tive que rir baixinho, discretamente, ao ter esse pensamento. Pelo menos minha aparência pareceu surtir um efeito semelhante nele. E então fui abraçada novamente, contemplando a mundo que voltava a ter cor por inteiro. 
- Meu Deus, tem certeza que você é mesmo minha esposa? - ele sussurrou em meu ouvido, arrepiando-me dos pés a cabeça. - Tinha me esquecido o quão linda você é, mulher. 
- Me beije. - pedi, a voz coberta por uma súplica. Era tudo que eu mais ansiava. 
- Estou um pouco incerto quanto a isso, Demi. - ele admitiu, fitando meus lábios e mordendo o seu inferior, as mãos grandes firmes em minha cintura, provavelmente aproveitando o máximo que podia para tocá-la o quanto sentisse vontade. 
- Por quê? - pisquei os olhos algumas vezes, tentando aproximar nossos rostos. 
- Saudade demais, Demetria. Eu tenho medo de passar dos limites aqui mesmo se te beijar. - a fagulha em meu corpo havia evoluído para uma majestosa chama de fogo que dava aquela sensação poderosa em meu interior. - De ser selvagem demais... Aqui mesmo. - segurei um risinho. 
- Que bom que você tem a mim, sabe por quê? - segurei sua gravata, a puxando em minha direção, roçando nossos narizes. Ele não desviava os olhos dos meus, e não desviaria, mesmo que fosse ameaçado de morte. - Porque eu não tenho medo dessas coisas, e te ajudarei a perder o seu. 
Quando eu estava disposta a beijá-lo apaixonadamente, algo empurrou o corpo de Joseph, consequentemente me empurrando também, já que eu continuava sendo segurada por ele. Dominic se revelou atrás de nós, caminhando até que parou ao nosso lado e recebeu um olhar irritado, mais precisamente fulminante de Joe, porém eu apenas ri. O loiro deu tapinhas nas costas de meu marido e depois me fitou, balançando a cabeça de forma positiva, abrindo um sorriso. 
- Quem é o cara, quem é o cara? - começou a comerar, o que acabou fazendo com que Joseph voltasse a sorrir. - Seu marido está possivelmente mais rico do que nunca, Demetria! - ergui as sobrancelhas e olhei admirada para Joe, que deu de ombros e desviou o olhar para fitar a área vasta da pista iluminada. - E adivinhe a quem ele deve isso... - Joseph o empurrou pelo peito e o levou um pouco para longe, uma distância insignificante, já que eu pude ouvir as palavras a seguir: 
- Agora você pode tratar de calar a boca, sim? - o loiro rolou os olhos, demonstrando indiferença. - Tenho uma mulher para beijar, meu caro. É a minha Demetria! - meu marido disse todo cheio de si, se afastando de Dominic e ajeitando seu paletó antes de me tomar nos braços outra vez. Arrumando-se como se tivesse chegado a hora de viver o momento mais importante de sua vida. Não tive tempo de pensar, nem de me preparar, seus lábios se pressionaram contra os meus de forma deliciosamente violenta, beijando-me profundamente até que não restasse mais fôlego. Não queríamos nos soltar de forma alguma, e quando tivemos que fazer isso, senti o equilíbrio de meu corpo se esvair, tornando minhas pernas bambas. Ofegante, continuei segurando os cabelos de sua nuca enquanto ele continuava a me provocar. 
- Isso é uma pista de aterrissagem, pombinhos, não o quarto de vocês. - Dominic se manifestou outra vez, fazendo com que eu e meu marido olhássemos irritados para ele. Nos separamos, mas continuamos de mãos dadas. 
- Dominic, você já fez tudo que precisava fazer, agora está demitido. - o outro o olhou espantado, pronto para argumentar que aquilo era errado. Joe riu e negou com a cabeça. Suas feições pareciam relaxadas e felizes, apesar de todo o cansaço das viagens. - Por enquanto é mentira, apenas por enquanto. E você... - ele olhou maliciosamente para mim, medindo meu corpo. - Vamos para a casa agora. - era uma ordem, principalmente porque ele segurou dedicamente meu queixo ao dizer e depois selou nossos lábios. Gostei muito da iniciativa, é claro. - Nunca quis tanto ir para algum lugar como quero ir para a nossa casa. - levei meu dedo indicador até seus lábios, o obrigado a se calar. Eu era capaz de perceber que meus olhos brilharam, pois um dos momentos mais especiais daquele reencontro nos aguardava. 
- Eu tenho uma surpresa para você. - soprei quase como um sussurro, e ele pareceu gostar muito da forma como minhas palavras soaram, já que não se livrava daquele sorrisinho galante. Era crime ser tão lindo, pelo amor de Deus. 
- Ah, é? Uma surpresa? - estar mais interessado era impossível. 
E, pela terceira vez, Dominic decidiu que era oportuno se convidar para participar de nosso diálogo caloroso. 
- Não seria menos trabalhoso você dizer "Querido, quando chegarmos em casa, faremos sexo selvagem"? - ele juntou as palmas das mãos e afinou a voz, a fim de me imitar. Joseph bufou e o empurrou para o lado novamente, me puxando pela mão enquanto contornávamos o caminho até o estacionamento, local para onde as malas já estavam sendo direcionadas. Até que enfim. 

No exato instante em que girei a chave na fechadura e puxei a porta para que se abrisse, Jamie surgiu a nossa frente, mais do que animado ao ver o pai depois daquele tempo. Os dois se abraçaram e Joseph fez questão de erguê-lo no ar, mesmo que o menino já estivesse grande demais para isso. Observei abobalhada os dois, que conversavam animadamente sobre algo que meu estado de amor excessivo me impedia de detectar. Os dois entraram completamente em casa e eu fechei a porta, olhando para as escadas, já calculando um jeito de convencer Joseph a ir diretamente ao quarto de Matt, antes de qualquer outra coisa. 
- Papai, se você soubesse o tanto de fotos que tem para ver! - Jamie lhe contou, me obrigando a rir. Realmente, eu mais parecia uma maluca com aquela câmera para todos os lados da casa, querendo registrar qualquer coisa. Joseph me olhou, deixando claro que estaria disposto a ver todas as fotos. Jamie e eu nos entreolhamos cúmplices e com um gesto de cabeça ele indicou o andar de cima da casa. Meu filho tinha conhecimento daquela surpresa. 
- Podemos subir agora? - me aproximei de Joseph e segurei sua mão, para que não tivesse tempo ou força de vontade para tentar fazer outra coisa. 
- Mas já? - ele voltou a sorrir com malícia, realmente acreditando que se tratava de algo relacionado a nós dois. Bem, digamos que se tratava, e eu também mal podia esperar para ficar trancada entre quatro paredes com ele, mas isso podia esperar. Só mais um pouquinho. 
Sem responder nada, troquei mais um sorriso cúmplice com Jamie e conduzi meu marido pela escada, tentando diminuir meus passos para que ele não acabasse entrando no quarto de Matthew quando a mágica já estava de fato acontecendo. Joseph precisava ser pego de surpresa! Assim que adentramos o quarto do bebê, Nancy olhou para nós e sorriu animadamente, se levantando para cumprimentar Joseph. Enquanto os dois conversavam qualquer coisa, fui até onde meu filho brincava e me coloquei atrás de seu corpo sentadinho com vários brinquedos em volta. Sentei-me em cima de minhas pernas, acariciando os cabelos do bebê. Permiti-me visualizar toda a decoração do cômodo por um instante, ainda me sentindo como quando entrei ali pela primeira vez após o quarto ser impecavelmente decorado. As paredes eram de um tom azul bem clarinho e aconchegante, com detalhes em um papel de parede com temas infantis espalhado por locais estratégicos das quatro paredes, que davam um ar adorável ao quarto. Os diversos tons de azul se intercalavam com o branco. O berço ficava em um dos cantos, era branco. Várias prateleiras colocadas ao redor com pelúcias, brinquedos e enfeites próprios para quartos de bebês. Um mural já repleto com fotos desde seu nascimento até os dias atuais. Havia cortinas também azuis nas janelas, um espaço feito especialmente para que todas as suas roupinhas e outras coisas fossem guardadas, era um armário branco encaixado à parede. Uma poltrona branca com apoio para os pés ficava próxima ao berço, e um urso de pelúcia estava sobre ela, assim como outro enorme de cor caramelo e com um laço vermelho no pescoço que repousava no chão. Esse em questão, Matthew adorava tentar abraçar, por vezes eu até o encontrava adormecido com o corpo sendo protegido pelos braços do urso, que era bem maior que meu bebê. Matt começou a engatinhar pelo seu cantinho de brincar, que possuía um tapete colorido e fofo para que pudesse ficar em cima confortavelmente, e vários brinquedos espalhados pelo local. Com a idade que ele tinha, era impossível manter tudo devidamente organizado. Em uma porta do outro lado, ficava o banheiro com outras coisas de sua necessidade. Eu ficava orgulhosa toda vez que analisava aquele quarto, pois tinha sido a responsável por escolher tudo. Certo, quase tudo. Não podia esquecer que Joseph era um pai dedicado desde o dia em que revelei estar grávida, então ele sempre queria dar palpite. 
Quando voltei a órbita, percebi que meu marido já havia se sentado no chão exatamente como nós, na nossa frente. Ele olhava com um misto de emoções para o bebê, que balança os bracinhos mais animados do que nunca. Então seu olhar subiu e sustentou o meu. Joseph retirou algo do bolso de seu paletó. Sabia que os dois precisavam de um momento para matar a saudade, mas ele me agradeceria depois por ter de esperar um pouco. Meu marido esticou o braço e me ofereceu uma caixinha retangular e fina em veludo preto. Olhei sorridente para ele antes de pegá-la e abri-la, fazendo isso logo em seguida e olhando atentamente para o que deveria ser uma pulseira. Era tão linda! Os pingentes presos a uma corrente delicada e brilhante tinham formas variadas. Comecei a tocá-las com meus dedos, tentando descobrir do que se tratavam. 
- Eu não acreditei quando encontrei isso, Demi, e sabia que precisava trazer para você. - ele tomou a caixinha de minhas mãos e retirou a pulseira dali, pedindo que eu esticasse o braço. O segurou ternamente e colocou a pulseira em meu pulso, segurando cada um dos pingentes. - Uma lua, um golfinho... Lembra de quando você quase me deixou louco insistindo que queria nadar com golfinhos e depois ficou morrendo de medo de deixá-los te levar pela água? - recordei aos risos, continuando a segurar meu filho com a mão livre para que não saísse de perto, mas ele mal ligava para nós, se distraía muita fácil descobrindo seus brinquedos. - Um disco de vinil e... - olhou confuso para o ultimo dos pingentes. - Algo que supostamente deve ser a figura de ummenininho, o que representa perfeitamente nossos filhos. Algumas das coisas que me lembram você. 
- Eu adorei, meu amor, muito obrigada! - recolhi meu braço e contemplei minha pulseira outra vez, brincando com os pingentes. Levantei meu olhar, percebendo que Joseph tentava novamente pegar o filho em seus braços. Era o momento. 
- Nós também temos um presente para você, não temos? - olhei para Matt, que ergueu seu rostinho e bateu palminhas. 
- Trouxe mais alguns presentes, inclusive para os meninos, posso ir pegar agora e... 
- Não! - interrompi Joe severamente, o fazendo me olhar parcialmente assustado. - Você trate de ficar bem onde está, não se mova. 
- Você está começando a me deixar preocupado... - ele não concluiu seu protesto, pois notou que passei minhas mãos por baixo dos bracinhos de Matt, o impulsionando a erguer o corpo até que seus pezinhos tocaram o chão. 
Joseph ergueu uma sobrancelha, divagando sobre o que via. Balancei um pouco meu filho, que se divertia olhando para o pai. Fiquei checando se os pés de Matt estavam totalmente firmes no chão, então respirei fundo. 
- Está pronto? 
- Mulher, o que está acontecendo aqui? - ele perguntou um pouco agoniado, por vezes deixando que indícios de um sorriso surgissem em seus lábios. Já começava a decifrar o que estava prestes a acontecer. 
- Estamos prontos? - olhei novamente para Matt, que fazia de tudo para conseguir se soltar de mim. Entendi isso como um aviso para dar início ao momento mágico. - Joe, chame ele para perto de você. 
Joseph ficou imóvel por cinco segundos, depois decidiu seguir minhas instruções. Ele estendeu as duas mãos e começou a chamar o pequeno, deixando aquele perfeito sorriso impecável dominar seu rosto. 
- Venha, garotão, venha com o papai! 
Meu coração acelerou, por mais que eu já tivesse vivenciado algo parecido dias antes. O que certamente fora uma das melhores visões da minha vida. Lentamente, para não assustá-lo, fui soltando minhas mãos de meu filho, que logo estava totalmente livre das duas. SoltoJoseph arregalou os olhos, congelado por um instante, sem saber o que dizer. Será que ele iria chorar? 
- Continue chamando, continue! - não sabia como controlar minha alegria, então provavelmente acabei falando alto demais. 
- Isso, meu garoto, venha! Eu confio em você, sei que consegue. Vamos... Não vou deixá-lo cair. 
Um passinho
- Não pare de chamá-lo. - eu tentava controlar as lágrimas. 
- Onde está a câmera? Demetria... 
- Shhh, olhe para ele, está andando! - inseguro, por vezes Matt congelava seu corpo e permanecia parado, resmungando e olhando para trás para me procurar, e depois para frente, ainda recebendo os estímulos mais do que emocionados e orgulhosos de Joseph para que não desistisse. Ele poderia tentar esconder, mas eu enxerguei a lágrima que se formou um dos cantos de seus olhos. 
- Isso, isso... Ah, esse é o meu garoto! 
Mais um passinhoE outroMais um
Na junção de nosso encorajamento incansável e talvez sua vontade própria de finalmente conquistar algo tão importante como a habilidade de andar, o bebê não desistiu. Manteve-se firme no chão, soltando gritinhos empolgados. Foram cinco passinhos ao todo. Cinco. Cinco vezes em que meu coração só faltou sair pela boca. Mais do que a primeira vez em que se arriscou tentar andar, nessa foram apenas dois passinhos. Eu não sabia se olhava mais para o pai ou para o filho, então escolhi dividir minha atenção com ambos. Matthew tentou se sustentar por mais um tempinho, até que foi parar nos braços do pai ao perder o equilíbrio. Joseph jamais o deixaria cair, sendo durante seus primeiros passos ou durante toda a vida. A ligação de pai e filho dos dois era tão surpreendente e maravilhosa, totalmente invencível. Joseph o acolheu em seus braços vibrando de alegria, ainda comemorando e abraçando o filho o máximo que pode. Levantou-se com o pequeno no colo e esperou que eu fizesse o mesmo, se aproximando e juntando nossos lábios. Eu não trocaria aquele momento por nada no mundo. A alegria que preencheu meu peito era superior a qualquer coisa material, qualquer regalia de uma vida repleta de farturas. Minha existência passou a se resumir em momentos como aquele. Com os olhos marejados, ergui o rosto para segurar as lágrimas, por mais que eu soubesse que ainda choraria muito com novas alegrias e descobertas que surgiriam. 
- Pronto, agora ele não vai querer saber de dormir. - comentei limpando meus olhos, enquanto os dois continuavam naquele momento incrível. - Vai querer matar as saudades do pai. Matthew não vai te largar por um tempo, Joe. - meu marido não poderia estar mais contente com isso. 
- Esse é o melhor presente que eu ganho desde o dia em que você me disse que estava grávida, Demetria. E o dia em que ele nasceu, claro. - Joseph ainda deixava a emoção transparecer por suas feições. - Aliás, parece que foi ontem que isso aconteceu. - era verdade. Parecia que tinha sido no dia anterior quando fitei embasbacada o resultado do primeiro teste de gravidez. Parecia que tinha sido no dia anterior quando enxerguei aquele pedacinho de gente chegar ao mundo, tão frágil que mal conseguia ficar com os olhinhos abertos por muito tempo. 
- Filmei os dois primeiros passinhos dele. Aconteceu há alguns dias. - contei a meu marido, que só faltava me puxar pelo corredor e exigir assistir de uma vez. 
- Por que você não me disse antes? 
- Não queria contar sabendo que no momento você não poderia ver. - admiti, e continuava com a sensação de que tinha tomado a decisão certa. - Um momento como esse não pode ser visto pela primeira vez através de um vídeo, Joseph. Eu precisava te ver, em carne e osso, descobrindo isso, sua reação constatando que nosso pequeno já consegue andar. Não totalmente bem, mas isso é só questão de tempo, não é? - o peguei em meus braços, acolhendo sua cabecinha em meu ombro. - Estamos muito orgulhosos de você, filho. 
- Ele já disse algo? - Joe me perguntou mais do que curioso, sorrindo com a possibilidade de receber a resposta que queria. 
- Sim, vive dizendo "mama". - o homem revirou os olhos e negou com a cabeça, como se não acreditasse em mim. - E isso certamente vai se transformar em "mamãe" em um piscar de olhos. - sorri convencida. 
- Ei, garotão, diga papai! - Joseph me ignorou, tentando fazer com que o filho seguisse sua sugestão imediatamente. 
- Não, meu amor, diga mamãe! 
- Papai, Matthew. 
- Mamãe, Matt. 
Era guerra! 
Matt ria de nós dois, seus pais completamente idiotas que só faltavam babar por ele. Comecei a pensar no quão engraçadas deveriam estar nossas expressões e nossas vozes falando com ele daquela forma. 
Mama. - escapou pelos lábios de Matt, que olhou confuso para o pai quando o mesmo se mostrou frustrado, mas nada sério. 
- Viu só? Eu sabia que... 
Papa. - meu filho me interrompeu, fazendo o pai me encarar mais presunçoso do que nunca e tirá-lo dos meus braços, andando pelo quarto enquanto insistia para que a palavra fosse completada, dita corretamente. Ficaríamos naquela competição por um tempo, era uma certeza. Chamei por Joseph e Matthew, que olharam para a direção em que eu apontava. Uma câmera estrategicamente colocada sobre uma das prateleiras, escondida por uma pelúcia de panda registrava tudo que acontecia no quarto. Eu teria os cinco passinhos guardados para sempre. 
- Você é um gênio! - Joseph me fez sorrir orgulhosa com aquele elogio, então dei de ombros e retirei a câmera dali, verificando se a gravação estava completa. Sim, estava. 
- Talvez eu seja só um pouco apegada aos detalhes. 


Provavelmente Joe estava exasperado com minha demora dentro do banheiro, mas ao abrir a porta do mesmo e colocar apenas uma parte do corpo para fora, apoiei uma das mãos no batente da porta e fiquei apenas apreciando a imagem de suas costas largas e nuas. Livrando-se da camisa, Joseph a jogou em qualquer lugar do quarto e bagunçou os cabelos, ainda sem olhar para trás. Ele sentou-se na lateral da cama e parecia estar se livrando de seus sapatos e meias também. Bati minhas unhas de leve no material da porta, apenas para deixar claro que eu estava por perto, então ele começou a falar. 
- Nunca mais faremos isso. Na próxima vez, mesmo que eu tenha que ir para o outro lado do mundo, vocês três irão comigo. - eu não enxergava seu rosto, mas sabia que sua expressão certamente deveria estar descontraída, talvez até um sorriso no rosto. Ele mal sabia o que o aguardava. - Nem acredito que finalmente vou poder dormir na nossa cama, Demi! - Joe passou uma mão pelo ombro, visivelmente tenso, cansado da viagem. - Minha cama e você deitada nela com... 
(Coloque a segunda música para tocar!)
Ele não sabia o que fazer quando se virou e me encarou ali, parada a sua frente com aquela lingerieJoseph soltou o ar pesadamente, olhando fixamente em meus olhos, mas não conseguia mantê-los naquela direção por muito tempo, então desceram. O homem me devorava com o olhar, encantado com a cor da lingerie, o maravilhoso vermelho. Encantado por estar tão perto de sua mulher novamente... Encantado, pois sabia que eu o deixaria fazer comigo tudo que quisesse naquela noite. 
- Vai mesmo fazer isso comigo? - ele perguntou com sua voz rouca, desviando o olhar e fechando os olhos para respirar fundo. Continuei sem me mover, o assistindo virar o corpo e se colocar em minha direção. Mordi o lábio inferior e brinquei descaradamente com a cinta-liga, a impulsionando para baixo juntamente com a calcinha, apenas o fazendo acreditar que eu me livraria logo das peças. Eu sabia o que ele queria naquele momento. Seus instintos deveriam estar loucos e desenfreados, o desejo a flor da pele. E para que fingir que passaríamos a noite apenas matando a saudade com longas conversas empolgantes? Ah, faríamos, sim, algo empolgante, mas falar não tinha nada a ver com isso. Pelo menos falar coisas coerentes, não. 
- Ainda não fiz nada com você, Joe. - ameacei me aproximar, erguendo uma perna e encostando meu joelho no colchão, deixando livre o acesso para um de minhas coxas cobertas por meias 7/8. Ele não me tocou, mas o olhar que continuava a mirar contra mim me atiçava fervorosamente a provocá-lo o máximo que eu conseguisse. Joseph era o tipo de homem que, quanto mais provocado, mais se aproveitava depois, alegando que ele não havia pedido provocações, então eu teria que simplesmente arcar com as consequências. Brinquei com o colar de pérolas em meu pescoço, o colocando na boca enquanto ia me aproximando gradativamente. Sua libido evidente em cada mínimo piscar de olhos, respiração profunda e nas mãos inquietas que ansiavam dominar meu corpo. Provavelmente ele fantasiava algo bem proibido, já que por vezes desviava o olhar e soltava risinhos mais do que malandros. 
- Deveria ser proibido existir uma mãe tão sexy. - a mão masculina, forte e cálida segurou a minha, que foi guiada até seu peitoral, onde tratei de deslizar meus dedos e sentir seu abdômen definido. Meus olhos não pouparam as entradinhas tão convidativas que ele tinha, reveladas devido a calça que estava com o zíper aberto e totalmente frouxa em seu corpo, a um empurrãozinho de cair. 
- Deveria? - questionei erguendo sedutoramente uma sobrancelha. Sua outra mão tratou de segurar meu colar, tentando me puxar para perto através dele. Resisti, apenas esperando até que o mesmo se rompeu e provocou uma pequena explosão de pérolas que se espalharam pela cama. Sorri maravilhada, tinha uma fantasia com ele quebrando furiosamente um colar de pérolas em meu pescoço. Nem eu sabia o motivo de desejar arduamente algo assim, minha mente era complexa demais. - Deus, como eu esperei por um momento assim! 
- Tudo isso é saudade, Demetria? - seus lábios espertos começaram a beijar minha mão, subindo sem pressa, mas com determinação, enquanto eu ainda liberava risinhos ansiosos pelo feito anterior com o colar. Sua língua quente me arrepiando em excesso, de uma forma que deveria ser proibida, pois poderia afetar minha sanidade. 
- Isso não é nada, meu amor. As coisas mal começaram por aqui. - fechei os olhos quando ele ergueu o corpo a minha frente e finalmente alcançou meus ombros, brincando com as alcinhas do sutiã enquanto provocava meu colo com sua língua. Subiu um pouco a cabeça e apenas fingiu que ia me beijar, curvando um pouco o rosto para conseguir capturar meu queixo com seus lábios, distribuindo um delicioso chupão pela região. 
- Por que sua pele tem que ser tão cheirosa? - ele afundou a cabeça na curva de meu pescoço, me dando a oportunidade de abraçá-lo pelos ombros e descer minhas mãos famintas por suas costas, distribuindo leves arranhões pela região. - A gatinha está uma fera hoje... Se ela soubesse como gosto disso. - sussurrou provocante, conseguindo tornar até uma comparação idiota como aquela em algo sensual, demonstrando que queria vingança. Joseph deslizou sua mão disponível pelo contorno de meu corpo, alcançando um de meus glúteos e o segurou com força, me obrigando a fechar os olhos e roçar meu corpo ao dele de uma forma desimpedida, sem me importar em estar parecendo necessitada demais, louca demais para tê-lo. - Como será que minha mão veio parar aqui? - ele disse brincalhão ao pé de meu ouvido, segurando o lóbulo, uma rala barba fazendo cócegas em meu rosto. Tentei me afastar um pouquinho, mas ele depositou mais força no enlace em minha cintura, chocando nossos corpos ao ponto de me permitir sentir perfeitamente bem algo na região de uma das coxas. - Onde você pensa que vai? - deu um beijo solitário em meu queixo. Aquilo foi o suficiente para que uma onda de luxúria se chocasse contra o deleite ou qualquer outra coisa relacionada, qualquer coisa que deixasse nossos corpos em chamas. Nossas bocas famintas se juntaram em um beijo profundo. Ele não queria ser delicado naquele momento, mas ainda assim segurava meu rosto ternamente. Tive que romper o contato para falar o que estava preso na garganta. 
- Eu tento me controlar, mas você não deixa! Odeio o fato de que desperta essa coisa incontrolável dentro de mim... - segurei os cabelos de sua nuca com afinco, ainda ofegante pelo beijo. - Você leva toda a minha classe embora. 
- Classe? - Joseph riu com a palavra que escolhi usar, voltando a apertar meus glúteos. - Claro, meu amor, sua classe. A classe que vou arrancar juntamente com sua calcinha, certo? 
Arrepios. 
Após abrir a boca em um falso espanto que o divertiu, juntei todas as forças que era capaz e, movida pela sede ardente de provocação, o empurrei, conseguindo fazer com que caísse deitado na cama. Coloquei uma perna de cada lado de seu corpo, ainda sentindo meu rosto queimar pela forma como ele fitava minha lingerie. Acho que estava arquitetando um plano eficaz para removê-la o mais rápido possível. Desci meu tronco, voltando a unir nossos lábios em um beijo mais calmo. 
- Cama, chão, banheira... E o que mais você quiser, mas agora me deixe relaxá-lo um pouco. - voltei a me erguer e pousei minhas mãos sobre seus ombros, as descendo delicadamente pelo peitoral, sentindo o cheiro másculo que já emanava de sua pele. Ele tentou me puxar para baixo outra vez, mas fui mais esperta e travei minha pélvis acima da sua, conseguindo um contato incrível entre nossas regiões intimidas ainda escondidas por roupas. Neguei com o dedo, apenas o provocando com olhares. - Sem pressa, vamos brincar um pouquinho. 
- Você sempre faz isso comigo, Demetria. - Joseph me olhava com aquela paixão desesperada e fervorosa, aquele semblante misterioso. Eu nunca saberia o que se passava por sua mente em momentos como aquele. Certamente muita coisa. Ele mordeu o lábio, brincando com a cinta-liga enquanto eu pensava no que faria a seguir. 
- É divertido, Joseph. - concluí, sorrindo por fim. Saí de cima dele e fiquei de joelhos ao seu lado, pedindo que se virasse, pois estava a fim de presenteá-lo com uma relaxante massagem
- Deixe-me te mostrar o que realmente é divertido, Demi... - encostei o dedo indicador em sua boca assim que ele ergueu o tronco para me mostrar a tal diversão, empurrando sutilmente seu peitoral, lançando-lhe um olhar piedoso, praticamente implorando para fazer a massagem. Ele me obedeceu, então, virando-se e deitando de bruços. 
- Como gostaria de sua massagem, senhor Jonas? - voltei a ficar com uma perna de cada lado de seu corpo, tocando suas costas macias, perguntando com uma voz arrastada e sedutora, mas que nos fez rir. Essa era uma das melhores coisas em Joe, ele me fazia sentir aquela liberdade em todos os momentos. Todos mesmo. Nossa espontaneidade me fascinava. 
- Eu sei que você sabe como me agradar, então não preciso determinar nada. - então comecei a mágica com meus dedos, trabalhando nas regiões em que ele demonstrava algum desconforto quando tocadas. A fricção produzida entre sua pele e meus dedos começava a esquentar suas costas, e aos poucos eu percebia que ele ficava cada vez mais animado com os toques. A massagem continuou, vez ou outra ele soltava resmungos ou sons de satisfação, me estimulando a continuar com mais empenho. 
- E você pensava que era o único que sabia fazer um bom trabalho como esse. - o provoquei, arrastando uma das mãos até sua nuca, onde deslizei minhas unhas, causando-lhe um notável arrepio. 
- Mãos espertas, senhora Jonas, muito espertas. - ele elogiou, soltando outro resmungo quando toquei um local dolorido. Sendo mais carinhosa, apenas distribuí carinhos pela região. - Devo dizer que alguém por aqui sempre fica muito feliz com a sua presença. - ele comentou com a voz baixa, envolvida por intenções obscuras. 
- Quem? - me fiz de inocente, centrada na massagem. 
- Aproxime-se mais e eu faço questão de apresentá-los. - agora tinha um leve tom de formalidade em sua voz, me fazendo rir novamente. Inclinei meu corpo para frente e me deitei por cima de suas costas, ficando com os lábios devidamente próximos de sua orelha. Joseph encontrou uma de minhas mãos e a puxou para distribuir beijos. 
- Se é quem estou pensando, nós já somos amigos íntimos. - estiquei minha mão livre até alcançar sua coxa, infiltrando meus dedos por uma região que o forçou a fechar os olhos e xingar baixinho. - Olá, meu grande amigo. - sussurrei em seu ouvido, arrancando uma risada marota de meu marido. 
- Acha mesmo que vou ficar deitado aqui enquanto você me provoca desse jeito? - Joseph prontamente impulsionou o corpo para cima, me pegando desprevenida. Acabei caindo sentada na cama, sendo puxada por suas mãos, e dessa vez com um alerta explícito de que não seria tão fácil me livrar delas como da última vez. Em um ímpeto fui virada, ficando com as costas pressionadas em seu peitoral. Senti sua mão esquerda descer pela minha barriga em um toque sutil, mas que agitou meus poros, que ficaram mais do que erriçados. Senti também o volume interessante roçando perigosamente perto de um dos meus glúteos. Respirando profunda e lentamente, fechei os olhos e tentei evitar que um suspiro satisfeito escapasse de minha garganta ao notar seus dedos tão próximos de minha região íntima. 
- Que mãos descontroladas. - comentei, passando discretamente a língua pelos lábios, coisa que ele só veria se prestasse muita atenção em meu rosto. Impossível no momento. 
- Você tem conhecimento pleno das loucuras que minhas mãos podem causar. - atiçada por aquele alerta tão forte, segurei sua mão e a levei até minha boca, beijando e passando levemente a língua por dois de seus dedos. 
- Não consigo me lembrar... - menti, fingindo um bico entristecido. Consegui me soltar de seu abraço possessivo e voltamos a ficar um de frente para o outro. - Pode refrescar minha memória? 
Então fui jogada na cama, meu corpo fora obrigado a se deitar, depois senti o seu se colar ao meu, ambos já com finas camadas de suor. Ele me olhou seriamente, afastando uma mecha de cabelo teimosa em meu rosto. Senti como se o erotismo da ocasião realizasse uma breve pausa, sendo deixado de lado para que o romantismo entrasse em cena. O amor genuíno. Pelo menos era nisso que eu acreditava devido ao jeito como ele de repente passou a me tocar, carinhoso, e os olhos... Ah, aqueles olhos. Selvagens e gentis ao mesmo tempo. 
Demetria, você tem ideia do quanto eu senti sua falta? Falta do seu toque, seu beijo, seu gosto, seu cheiro... Você sequer já parou para imaginar o quanto me faz feliz? - a intensidade escorrendo pelas palavras fez meu estômago se agitar e o coração perder o controle dos batimentos, me obrigando a puxar o ar para os pulmões rapidamente, ofegante não apenas com atos, mas com palavras também. Palavras têm um poder arrebatador, se usadas corretamente, de acordo com cada momento. 
- Tenho, porque provavelmente senti muito mais. - toquei seu rosto, deslizando os dedos e encontrando seus lábios, depois senti seu corpo se afastar minimamente do meu e lamentei baixinho. - Mas saiba que não é hora para me fazer sentir vontade de chorar, Joseph! - protestei, ignorando a ardência nos olhos. Deixando-me cada vez mais encabulada, ele não tirava aquele sorrisinho esperto dos lábios, e o manteve até que saiu completamente de cima de mim, ficando de joelhos sobre a cama. 
- Então acho que estou autorizado a te fazer sentir outras coisas. 
Não preciso mencionar o que aconteceu após as provocações chegarem ao seu ápice, certo? Fora uma noite maravilhosa. Quando caímos exaustos na cama, depois de muitas diversões, mal esperamos nossas situações voltarem completamente ao normal e já fomos direto para a banheira cheia de espuma, onde permanecemos por grande parte da madrugada, conversando sobre suas viagens, sobre os meus planos, sobre coisas sem importância, sobre nosso bebê que crescia cada vez mais. Enfim, aquelas conversas mais do que longas que eu simplesmente adorava ter com ele. O vinho sempre ali, como um fiel companheiro. Por um momento, achei que nossas risadas acordariam os seres adormecidos na casa, mas meu marido recomendou que eu parasse de me preocupar com isso. Afinal de contas, usando suas palavras: as paredes do nosso quarto são bem espessas
E realmente deveriam ser, porque algo me dizia que tínhamos passado dos limites no quesito sons descontrolados naquela noite. 


Claridade. Agilidade. Chuva gelada. Movimentos rápidos de alguém que me acompanhava seja lá por qual caminho fosse. Alguma música do The Cure tocando... Pictures Of You se não me falhava a memória. Eu sentia as gotas de água me atingindo e deslizando por todo o corpo, encharcando meus cabelos, tornando o vestido preto simples e de comprimento mediano que eu usava um pouco justo ao corpo. Mesmo com o perceptível aviso de que a mãe natureza estava aborrecida, decidindo causar aquela chuva, um sol totalmente alheio a todo o clima continuava a brilhar no céu. Não sabia quem estava comigo, mas senti mãos firmes me abraçando por trás, então uma delas segurou a minha e a ergueu, habilidosamente fazendo meu corpo rodopiar, me soltando quando ergui o rosto para aproveitar melhor a chuva. Perdi o equilíbrio ao finalizar o rodopio, cambaleando para o lado e sussurrando baixo demais para que mais alguém, além dele, pudesse ouvir "já fui melhor nisso". Logo consegui enxergar melhor o rosto da pessoa que me acompanhava naquela diversão tão simples e que certamente nos deixava parecendo duas crianças. EraJoseph, e, sim, nós dançávamos na chuva ao som de The Cure. A sensação de que o momento era real só me fez crer que aquele se tratava de um dos vislumbres do futuro que se aproximava furiosamente. Ou algo assim.
Minhas pálpebras protestarem resistentes quando tentei me esforçar para abrir os olhos, percebendo que estava deitada de bruços, com os edredons quase cobrindo minha cabeça por completo. Involuntariamente sorri em consequência do sonho que, mesmo rápido demais, conseguia despertar a gostosa sensação de leveza no corpo. Dançar na chuva com Pictures Of You sendo a trilha sonora. Certo, mais uma coisa para colocar em minha listinha de loucuras - apesar de não se enquadrar muito aos padrões de uma clássica loucura. Listinha essa que Joseph ainda não tinha conhecimento. 
E ao pensar em meu marido, rapidamente ergui meu tronco, meio que desesperada, acreditando que tudo - e não apenas a parte da chuva - tinha se tratado de um mero sonho bom. Conformada com a ideia de que encontraria o outro lado da cama vazio e frio, arregalei os olhos e senti o frio gostoso no estômago quando todas as minhas teorias foram derrubadas. Não, não fora um sonho. Ele estava ali, acordado, me olhando com um sorriso no rosto. Uau. 
- Bom dia, senhora Jonas. - afastando o edredom para que pudéssemos ficar com os corpos mais próximos, Joseph deixou sua voz soar calma e rouca, como eu gostava. 
- Ainda bem que não foi um sonho. - comentei aliviada, provavelmente mais para mim mesma do que para ele ouvir, voltando a me deitar, só que dessa vez de barriga para cima. Joseph se aproximou mais um pouco e deu um beijo no canto dos meus lábios. 
- Se tivesse sido um sonho, eu estaria mais do que animado com a sua capacidade de ter sonhos tão devassos. - confessou. A expressão de alguém que acaba de acordar, os cabelos bagunçados e os olhos que sempre estavam mais brilhantes do que nunca pela manhã só faziam com que suas palavras não combinassem com suas feições angelicais. Parecia mais novo do que realmente era. - Senti falta desse olhar. 
- Qual deles? - perguntei distraidamente, ainda divagando sobre o sonho. 
- É o jeito que você me olha depois que nós... - olá, sorrisinho maroto. - Acordamos juntos. - rindo, escondi meu rosto com o edredom ao escutar a frase ser encerrada de forma inesperada, o ouvindo me repreender por ter pensado que diria algo mais... Impróprio para o horário. Deixei que Joe brincasse com os fios de meu cabelo enquanto continuava com a distribuição de beijos e o toque acolhedor em uma de minhas mãos. Fechei os olhos aos poucos, sem pressa, a fim de procurar por mais um pouco de descanso. Mas tive que abri-los rápido ao ter um estalo, praticamente pulando para fora da cama quando lembrei que dia era aquele. 
Joe, é hoje! - exclamei de forma escandalosamente audível. 
Encarei o relógio na mesa de cabeceira e cacei meu robe pelo chão, o colocando de qualquer jeito e fazendo um rabo de cavalo no cabelo. Eu e meu marido trocamos sorrisos largos e ele também se levantou. Saímos de nosso quarto e fomos de mansinho até uma porta próxima, a abrindo sorrateiramente e nos deparando com o silêncio do quarto de um Matthew que viajava pelo mundo dos sonhos. O aniversariante do dia. 
Nossas tentativas de evitar qualquer barulho para não interromper seu sono foram em vão, já que o pequeno abriu os olhinhos no exato instante em que dei um passo a frente para ficar próxima do berço o suficiente para poder admirá-lo. Um ano de vida. Era mais do que inacreditável, era como arquitetar toda uma vida e vê-la sendo construída com cada mínimo detalhe bem diante dos meus olhos. O bebê me olhava, aos poucos se livrando dos resquícios de preguiça e já começando a balançar as pernas, um pedido claro para sair dali. 
- Aqui está o meu garoto aniversariante! - sem cerimônias, o peguei em meus braços e grudei meus lábios em sua testa. Antes que eu começasse a enchê-lo de beijos, Joe também se aproximou para também beijar o topo da cabeça de Matt, que deveria estar se perguntando o motivo de receber tanto amor. - Feliz primeiro ano de vida, meu anjinho. Hoje será um grande dia! 

You're a carousel, you're a wishing well. And you light me up, when you ring my bell. You're a mystery, you're from outerspace. You're every minute of my everyday... - eu cantarolava loucamente pela cozinha, mantendo os olhos atentos a várias coisas ao mesmo tempo. Provavelmente era cedo para pensar no preparo de alguma refeição, mas eu sabia que logo os responsáveis pela organização e decoração da festa de Matthew chegariam, e então eu teria que estar disponível para ajudá-los com algo caso fosse necessário. Nancy estava na casa, mas eu disse a ela que não precisava se preocupar com almoço naquele dia. Enquanto eu verificava o molho ao fogo e acrescentava mais algumas pitadas de sal, girei o corpo rapidamente e voltei para a bancada, picando o restante dos tomates e separando os ingredientes para fazer uma papinha mais do que especial para meu filho. Mesmo que já estivesse começando a introduzir alimentos mais consistentes em suas refeições, a pediatra recomendou para ir com calma, afirmando que as papinhas ainda eram necessárias. E, como Matt gostava das papinhas caprichadas que eu preparava, ficava ainda mais fácil seguir a recomendação da médica. Coloquei o peito de frango para cozinhar e depois selecionei os legumes e verduras para complementar. Simplesmente me recusava a comprar essas papinhas industrializadas, queria prepará-las naturalmente para meu filho. Tanto as de carne e legumes, como a que eu fazia no momento, como as doces. E sopinhas também, ele gostava. Cortando os legumes em cubinhos, continuei a cantarolar. Percebendo que alguém atrás de mim parecia tentar chamar minha atenção, virei o rosto e encarei Matthew, sentado em seu cadeirão já com um babador. Por estar vendo sua mãe bancar uma maluca enquanto cozinhava, ele tombou sua cabecinha para o lado e me encarou de uma força confusa. A expressão que ele fazia quando não entendia algo era assustadoramente semelhante a de Joseph. Brincando com uma colher azul, que ele já sabia segurar adequadamente, por mais que às vezes acabasse se sujando todo enquanto comia, ele voltou a se esquecer de mim e olhou animado para o outro lado, batendo a colherzinha contra o apoio do cadeirão ao notar que seu pai se aproximava. Continuei cuidando de meu almoço, focada no corte dos legumes. 
- Venha, meu garoto, vamos colocar a conversa em dia! - então os dois - digo, só Joseph - começaram a conversar. A risada alta e contagiante do bebê ecoava pela cozinha enquanto o pai fazia de tudo para diverti-lo. Algum tempo depois, quando terminei de cortar algumas ervas verdes para enriquecer o sabor da refeição de Matt, finalizei a papinha e a levei até os dois estavam. Joe se ofereceu para alimentá-lo, então sorri agradecida e voltei a me afastar. Matthew parecia estar com fome, já que não rejeitou comer virando o rosto nenhuma das vezes em que Joseph levou a colher até sua boca. Aquele homem, além de tudo que sabia fazer de bom, ainda tinha a qualidade de saber cuidar devidamente de uma criança. Suspirei pensando nisso, vendo o pequeno virar o rostinho e passar a me procurar. O "mama" foi detectado por minha audição. A companhia do pai o deixava feliz a ponto de balançar os bracinhos e se sujar minimamente, mas não era o suficiente, ele me queria por perto também. E ao me avistar, Matthew comemorou. Assim que conseguiu fazer o bebê comer tudo, Joseph limpou o rosto do pequeno, verificou se ele ficaria bem sozinho por um instante e veio até mim, abrindo uma das panelas para verificar o que eu estava fazendo. Pegou uma colher e mexeu o molho quase pronto, o degustando em seguida. 
- Isso está ótimo, Demi! - ele disse vindo para mais perto, determinado a me ajudar com o que ainda faltava. 
- Eu morei sozinha por um tempo enquanto estudava, e só a ideia de comer pizza ou pedir comida pronta todos os dias me dava nos nervos. - entortei a boca, incomodada com a simples hipótese. Não tinha o direito de me intitular uma pessoa altamente prendada, mas é sempre bom saber fazer as coisas. - Então me obriguei a aprender a cozinhar, pelo menos o básico. Até que gosto de fazer isso, é relaxante. - ficamos em silêncio por um tempo, enquanto ele terminava de montar a salada e eu preparava um suco de frutas para dar a Matthew, que simplesmente olhava para nós sem parar. Provavelmente pensando "esses são os meus pais!".
- Às vezes penso em como seriam as coisas se eu tivesse te conhecido de outra forma. - Joseph cortou o silencio e eu o olhei, erguendo confusamente as sobrancelhas. Ao notar que eu pedia com o olhar para que ele se explicasse melhor, meu marido pousou os olhos em nosso filho e respirou fundo antes de continuar. - Um primeiro encontro no seu apartamento, quem sabe. Eu te ajudaria a arrumar a mesa... - nós dois rimos imaginando a provável cena. - Escolher um bom vinho. Vejamos o que mais... - pensou por um instante, olhando para cima. - Depois teríamos a primeira longa conversa sobre interesses. O primeiro beijo... E a primeira manhã acordando juntos. - revirei os olhos e cruzei os braços, querendo interferir nos detalhes de nosso primeiro encontro imaginário. 
- Acha mesmo que eu cederia aos seus encantos na primeira noite? - indaguei convencidamente, notando que ele estufou o peito e negou com a cabeça, como se duvidasse cruelmente de mim. 
- Mas não foi exatamente isso que aconteceu? - Joe encolheu os ombros como quem diz o que é óbvio. 
- E, é sério que você não seria o tipo de cara que faz o que precisa fazer e vai embora pela manhã? - soltei um risinho, lamentando mentalmente por saber que era algo que, infelizmente, acontecia com muitas mulheres por ai. O homem de seus sonhos se tornando, exatamente, ilusório como um sonho, já que, quando acordavam, eles não estavam mais por perto. Balancei a cabeça para me livrar dos pensamentos desnecessários. 
- Quem você acha que eu sou, Demi? Um tapado que mal sabe tratar uma mulher? Principalmente uma mulher potencialmente perfeita como você? Eu seria digno de morte se não soubesse cuidar do que tenho. - meu marido fez um som negativo com a boca, se engrandecendo. Discordava com a parte de ser perfeita, mas concordei com um aceno, deixando fluir a absoluta certeza de queJoseph de fato estava correto naquela afirmação, pois eu tinha diversos meios de provar que a forma como ele me tratava era sem igual. Depois preferi permanecer quieta e tentar esconder um sorrisinho de canto, evitando admitir que, sim, cederia aos encantos dele na primeira noite se o destino tivesse nos colocado frente a frente de outra maneira. 
Joseph, nós nos conhecemos. - optei por retornar àquele assunto, colocando uma mão sobre seu ombro coberto pela camiseta preta simples. - Não importa como, sabe? Nós nos conhecemos e pronto! Isso é o bastante para mim, e espero que seja para você também. - coloquei o risoto em uma travessa de vidro e a retirei da bancada, disposta a levá-la até a mesa para que pudéssemos comer tranquilamente antes de todo o processo para a festinha ser iniciado. - Porém, se você faz tanta questão de um encontro... - retornei a ficar ao seu lado, colocando uma mão na cintura e estralando os dedos como se tivesse acabado de ter uma ideia brilhante. - Aqui está: você, eu, um almoço requintado... - apontei para a comida ao nosso redor. - E temos até um bebê! - depois apontei para Matthew que, sem nem mesmo saber do que se tratava, gargalhou e eu pude jurar ter ouvido algo como o som de "yeeey" sair por seus lábios. - Somos o casal mais adiantado que existe, pois já temos um bebê no primeiro encontro! - encenei uma expressão de encanto ao juntar as mãos. 
- É bom saber que mesmo com essas malditas viagens, as coisas nem de longe mudaram entre nós. - enquanto arrumávamos a mesa de vidro, ele confessava aliviado, feliz por notar algo que para mim já era mais do que evidente. Os últimos sete meses foram repletos de idas e vindas, sustentados por instabilidade, mas nada disso nos afetou. 
- E o que você esperava? Olhe só para nós, Joe... - rompi a distância e deixei meus olhos tomarem os seus em um contato visual mais do que intenso. - Nossa relação é invencível. - ele não respondeu nada, apenas se sentou a mesa. Observei os movimentos de seu maxilar enquanto mastigava e imitei sua atitude. - Eu odeio quando você fica em silêncio após eu dizer algo tão profundo. - reclamei enquanto me servia, mas ele achou graça de meu exagero. 
- Pensei que gostasse até do meu silêncio e de como fico sedutor quando olho seriamente para você sem dizer nada. Aliás, o que eu posso dizer? Quem cala, consente! 
Aos risos, chamamos Jamie e começamos a almoçar. 


Mais uma camada de rímel não faria mal. 
O que Joseph e eu éramos naquele momento além de pais super ansiosos e orgulhosos? Estávamos ambos de frente para o espelho, arrumando os últimos detalhes de nossa aparência. O anfitrião da festa já estava arrumadinho em seu quarto, brincando com Jamie até que chegasse o momento. Fechei o rímel e o guardei, acertando os últimos detalhes de minha trança e virando o corpo para verificar a aparência de Joe. Vestia uma blusa masculina cinza de mangas longas coberta por uma jaqueta marrom, combinada com os jeans escuros e os sapatos sport. Ele queria pentear o cabelo para trás, mas fui rápida ao tomar o pente de sua mão e alegar que estava muito mais bonito com os fios desordenados. Cedendo, ele passou seu perfume enquanto eu arrumava a saia demeu vestido azul Marc by Marc Jacobs e colocava minhas sandálias Dior. A equipe responsável pela ornamentação já se encontrava espalhada por cada pedaço do jardim dos fundos. Escolhemos ele por ser bem mais amplo. Vez ou outra eu os assistia trabalhar da janela, arriscando até a descer e ir até lá caso tivessem duvidas ou simplesmente para ser só um pouquinho mandona e ditar modos que deixariam a decoração ainda melhor. Os animadores de festa logo chegaram também, e eu fiz questão de observar cada um para verificar se nenhum deles estava fantasiado de palhaço. Não que eu tivesse uma daquelas fobias estranhas, mas preferia me manter longe dos mesmos. Sem narizes vermelhos e cabelos coloridos a vista, respirei aliviada e fiquei apreciando a agitação ainda de dentro do meu quarto. 
Assim que Joe e eu estávamos prontos, ficamos um de frente para o outro e um analisou a aparência do outro. Levei minhas mãos até sua jaqueta, a ajeitando perfeitamente e depois alisei seu peitoral com as palmas das mãos. Ele se demorou em meu busto, levando as mãos até a região e tentando puxar o tecido azul do vestido para cima na tentativa de aniquilar qualquer resquício de decote. Sendo que o mesmo não era nem de longe exagerado ou vulgar. 
- Ninguém além de mim pode vê-los. - meu marido reclamou com a voz firme, repensando no instante seguinte e suavizando a expressão dura e ciumenta. - Certo, só o Matthew. 
Ainda bem que meia hora depois a decoração já estava toda feita, visto que logo minha mãe, Peter, Charlotte e Karen chegaram. Pedi a todos que esperassem confortáveis na sala enquantoJoseph e eu fomos buscar os meninos no quarto. Abri a porta e bati palminhas para que Matt viesse em meu colo, me abaixando para conseguir pegá-lo. Estava lindo. Vestia uma mini camisa social branca que o deixava parecido com um homenzinho, a mesma era coberta por uma adorável jardineira azul marinho de sarja e um pequenino par de all star nos pés. Jamie tinha os cabelos penteados para trás e também vestia uma camisa social, só que com jeans e all star. Meus filhos não poderiam ser mais lindos! 
Descemos para a sala e logo todas as mulheres no cômodo se levantaram para paparicar Matt, que se deixou levar e não reclamou minuto sequer por receber tantos mimos. Joseph me avisou que ia para o jardim ver como estavam as coisas, então concordei e fui para a cozinha, checando se o pessoal responsável pelo buffet precisava de ajuda para encontrar algo. Através das portas de vidro que davam acesso ao jardim dos fundos, eu conseguia enxergar perfeitamente a obra primeira que fora feita ali. E tive que me mover o mais rápido possível pelo gramado para contemplar tudo. Nossas expectativas foram superadas, o lugar ficou incrível, ornamentado com esmero. Esbocei um sorriso, dividindo a atenção entre todos os balões coloridos espalhados pela região e duas coisas que se sobressaíram: foram instaladas uma piscina de bolinhas e uma cama elástica aos arredores, para garantir a total diversão dos pequenos. O tema era Baby Disney, totalmente adorável ver todos aqueles personagens espalhados na decoração. Então, fui para o meio do jardim para ver os detalhes principais. Havia uma grande quantidade de mesas colocadas estrategicamente nas laterais, para permitir a locomoção das pessoas pelo meio do local. Todas elas impecavelmente já arrumadas com toalhas azuis. Avistei outras duas mesas gigantes. Uma ainda vazia para abrigar os presentes e outra que fez meu estômago roncar decididamente. Era uma obra-prima gastronômica, eu simplesmente não conseguia pensar em definição melhor. Só doces, todos os tipos de doces. Cupcakes, mini croissants, mini tortinhas, pirulitos daqueles redondos e coloridos, entre outras variedades coloridas repletas de açúcar. Fora o cardápio reforçado do buffet, que seria servido após a entrada dos diversos aperitivos doces e salgados como sanduíches personalizados e salgadinhos diversos. O majestoso bolo detalhada e impecavelmente confeitado repousava em uma mesa um pouco afastada, para que ninguém resolvesse degustá-lo antes da hora. A área da piscina fora isolada para evitar possíveis acidentes, e os animadores ainda formavam uma espécie de palco improvisado em uma das laterais. Joseph parou ao meu lado, comentando o quanto tudo estava ótimo e tudo que fiz fora concordar, já querendo chorar de emoção outra vez. Meu irmão Peter seria o fotógrafo. Ele mesmo se ofereceu, e sabia tirar fotografias perfeitas, eu já havia tido a oportunidade de conferir seu trabalho. 
Melhor seria impossível. 

A festa funcionava a todo o vapor. Crianças gritando e correndo para todas as direções, adultos circulando de um lado para o outro enquanto conversavam em dupla ou em grupo. Alguns deles até se arriscavam a dançar com os pequenos, o clima era agradável. Eu conseguia enxergar pelo menos boa parte de todas as pessoas que tinha convidado. Nossa família e amigos, é claro, assim como alguns vizinhos que gostávamos e sócios e investidores da Empire com seus filhos e filhas. Sempre acabava acontecendo de alguém levar mais pessoas consigo, mas tudo estava correndo bem. Até algumas das minhas alunas de piano estavam ali. Os organizadores foram capazes de deixar o ambiente agradável não apenas para as crianças, mas também para os adultos que as acompanhavam. Os garçons saiam pela porta de vidro com bandejas cheias de comes e bebes, contornavam todas as mesas e voltavam com as mesmas vazias, repetindo o processo diversas vezes. A mesa para os presentes já parecia uma montanha, tamanha a quantidade de embrulhos ali. Eu andava pomposa por toda a área da festa, verificando se tudo estava sob controle. Era a primeira festinha de aniversário do meu bebê, nada poderia dar errado. Tive que brecar meus movimentos quando uma quantidade generosa de crianças passou correndo por mim, indo na direção da piscina de bolinhas do outro lado. Perguntava-me o que Karlie fazia dentro da piscina de bolinhas no meio das outras crianças, interagindo com todas como se tivessem a mesma idade. Logo ela saiu dali aos risos e me observou fitá-la com aquela expressão de confusão, então apenas disse "qual é o problema? Só porque sou maior que eles não tenho direito a diversão?". Ri com a agitação e avistei Joseph, um vizinho de nome Alex, Jamie e Brandon em uma das mesas, os três conversavam animadamente. Fiquei contente por perceber que o noivo de Karlie já estava se misturando conosco. Ele tinha cabelos negros e curtos, pele morena e uma expressão amigável, um semblante de uma pessoa descontraída que sempre estava disposta a divertir quem estivesse por perto. Meu marido tinha Matthew no colo, o balançando no ritmo da música alegremente agitada que tocava. Era mais do que verossímil dizer que meu filho não poderia estar mais feliz com todas aquelas cores e com toda a atenção que recebia, ele apontava para tudo e mais do que nunca tentava proferir alguma palavra nova, provavelmente porque estava cercada por várias conversas adultas e altas ao mesmo tempo. 
Enxergando Peter ir de um lado para o outro com a câmera e Charlotte em seu encalço, fui para perto da mesa onde Joseph estava. No exato instante, Dominic chegou carregando um embrulho, pomposo como se a festa fosse sua. Era a primeira vez que eu o via sem terno, com roupas mais casuais. 
- Olha só, é o mini Joe! - o loiro estendeu os braços para poder pegar o pequeno no colo, me surpreendendo muito já que eu não sabia que o convencido irlandês gostava de crianças. Ficava imaginando o que aconteceria quando ele e Karlie se esbarrassem por ali. 
- Cuidado com o meu filho, McGuinness! - Joseph disse alto quando notou que Matt parecia desconfortável no colo do outro. 
- Não se preocupe, Joe, sei o que estou fazendo. - Olhava abobalhado para o bebê, divertindo os outros a mesa. - Eu fico inconformado com a forma como eles ficam nos encarando. - Matthew o encarou com suas feições angelicais e adoráveis no exato instante em que Dominic disse isso. - Veja só! É disso que estou falando. - mas passou a resmungar e se impulsionar para baixo, querendo descer, logo depois. - Seu problema, seu problema, seu problema! - de repente apavorado, o loiro entregou o bebê rapidamente para mim e sentou ao lado de Joseph, escolhendo o que ia comer primeiro diante de vários aperitivos que repousavam na mesa. 
Notei que os animadores já começariam algum teatrinho ou coisa parecida para entreter algumas das crianças que já tinham cansado dos outros dois brinquedos maiores, então decidi entregar Matthew para Joe novamente quando um deles me chamou para ajudar a chamá-las para que se sentassem onde alguma das atividades programadas começaria. Outro batalhão de pequenas pessoas passou correndo por mim, e tive que gargalhar quando notei que elas arrastavam Karlie para longe. A mulher teve apenas tempo de virar o rosto para me olhar e dizer: 
- Cara, eu não sabia que as crianças me amavam tanto! 
Depois que eu já tinha conseguido que as crianças fossem assistir a apresentação dos animadores, espreitei outra vez a mesa onde os homens ainda permaneciam, porém Joseph e Matt estavam sentados no gramado. Meu filho tinha ganhado um carrinho infantil, daqueles que produzem luzes coloridas e sons divertidos. Queria porque queria entrar no mesmo, então meu marido tentava ajudá-lo. 
- Continue assim, mini Joe, e logo será um Rolls Royce igual ao do seu pai. - Dominic comentava empolgado, quase mais do que o bebê. E notei que o irlandês não parava de comer os docinhos, mais faminto do que todas as crianças juntas. 
Jamie, Charlotte e Peter passaram rápido por mim com a câmera, me fotografando antes que eu pudesse protestar. Os três sumiram de minha visão logo depois, rindo de tudo que acontecia ao redor. Ainda bem que todos se divertiam, era esse o grande propósito. 
Olhei de relance para um dos cantos do jardim, de onde era possível enxergar a parte da frente da casa. Uma mulher de cabelos loiros e vestido floral se aproximava segurando um enorme embrulho azul preso por uma fita vermelha. Dois pequeninos loiros andavam em sua frente. Uma parte de mim ficou meramente triste, mas a outra ganhou e me permitir abrir um largo sorriso enquanto eu caminhava rapidamente até os três. Não resisti, completamente encantada com a garotinha loira com um lacinho rosa na cabeça que vinha andando desajeitadamente em minha direção, então dobrei minhas pernas e puxei a barra do vestido para não sujá-lo quando me ajoelhei na grama para ficar quase de sua altura. Seus cabelos loiros estavam levemente crescidos, e cachinhos se formavam nas pontas. Ela usava um vestidinho rosa rodado e com estampas de borboletas na saia, juntamente com um sapatinho branco que parecia de boneca. Dianna me olhava meio insegura, provavelmente porque fazia tempo que não nos víamos, então estava me estranhando um pouco. Foi então que outro serzinho loiro ficou ao meu lado, e esse não hesitou antes de erguer os bracinhos e pedir por um abraço. Dimitri era simplesmente idêntico a irmã, e vestia uma camisa pólo azul, calça de sarja branca e um tênis que mais parecia um sapato social. Abracei os dois, por mais que Dianna ainda estivesse incerta e olhando para a mãe toda hora. Eu estava mais do que feliz por vê-los depois de tanto tempo. 
A presença reconfortante de Jared parecia estar ali. 
Assim que soltei os gêmeos, hesitei um pouco antes de me levantar e encarar Cassie, que continuava parada segurando o presente. Ela sorriu minimamente e eu imitei seu gesto. 
- Meu Deus, como vocês estão lindos! - elogiei os pequenos, segurando uma mãozinha de cada um. Tinha certeza que meus olhos brilhavam. 
- A tia Demetria acabou de elogiar vocês, meu amores, como é que se diz? - Cassie chamou a atenção dos filhos para que me agradecessem. 
Bigadu! - Dimitri disse todo empolgado, me deixando com o coração derretido devido a pronúncia engraçada de seu agradecimento. 
Bigada! - então fora a vez de Dianna, igualmente fofa. 
- Obrigada por vir. - eu disse em um baixo tom de voz para Cass, notando que ela concordou brevemente com a cabeça e depois sorriu mais abertamente. Peguei Dianna em meu colo, feliz por ela finalmente estar começando a se familiarizar comigo outra vez. Dimitri olhou para cima como se perguntasse "e eu?", foi então que de repente Charlotte surgiu e o pegou no colo, beijando sua bochecha e fazendo o bebê rir. 
- Quem é esse príncipe, hein? Venha, vamos comer doces! - Cass concordou que a irmã de Joseph o levasse para a festa, então voltou a olhar para mim. 
- Eu não poderia perder nada disso, Demi. - disse ternamente, enquanto eu pedia que ela me seguisse para o caminho do jardim. Imaginando como quebrar aquele silêncio, pensei nas coisas que aconteceram conosco e nossa amizade tempos antes. Era evidente que coisas ainda permaneciam abaladas entre nós, mas o fato de ela ter aceitado o convite para a festa de Matthew fez uma pontinha de esperança surgir. 
- Desculpe pelo tapa. - sem pensar, deixei as palavras escaparem. Não gostava de lembrar daquilo, não fora uma atitude que me orgulhava. 
- Desculpe por arruinar nossa amizade. - ela respondeu prontamente, abaixando a cabeça. Chegando ao jardim, cessei meus movimentos e olhei em seus olhos. Não adiantava, aquela Demetria que queria encontrar sinais de arrependimento e bondade em todos continuava viva dentro de mim, por mais que aparecesse com menos frequência após tantos problemas. 
- Cassie, não se esqueça que também sou mãe, sei como é o sentimento de bravura que nossos filhos fazem crescer dentro de nós. Eu faria qualquer coisa pelos meus, e sei que faria pelos seus também. - por que eu disse aquilo? Porque sentia que seus atos desesperados e errados foram apenas para proteger seus gêmeos. E pelo semblante fechado que tomou o rosto da loira, eu estava certa. 
- A diferença entre nós, Demetria, é que não importa quantas vezes você caia, sempre consegue levantar. E eu... Bem, não necessariamente. 
- Não diga besteiras. - ela depositou seu presente sobre a pilha de tantos outros, fingindo não prestar atenção no que eu dizia. - Se o que você vem sendo esse tempo todo não pode ser definido com a palavra "forte", então eu não sei com o que será. E, quer saber? - devolvi Dianna a seu colo, visto que a bebê queria ficar com a mãe. - Aproveitem a festa, e vamos deixar esse assunto para depois, ok? Por favor, não vá embora sem me avisar, eu preciso mesmo conversar com você. - ela concordou de imediato com meu pedido, então recomendei que se misturasse ao restante dos convidados e me afastei. 

/Demetria's P.O.V


Após ficar um pouco com seu noivo na mesa, Karlie respirou aliviada quando a designer de seu vestido de noiva chegou. Parecia estranho que a mulher fosse até a festa de Matthew para que as duas tratassem de um assunto como aquele, mas como Jennifer Dawson possuía um calendário de compromissos muito extenso em Nova York, nenhuma mísera quantidade de tempo poderia ser desperdiçada. As duas se distanciaram da agitação da festa e foram para uma das salas da casa, de onde quase não era possível ouvir o que se passava do lado de fora. 
Jennifer era uma mulher alta e magra, típico corpo de modelo, usava óculos de grau elegantes, daqueles que não deixam a pessoa com aspecto de certinha, mas sim com aspecto de alguém altamente intelectual. Seus cabelos eram de um loiro acinzentado, e estavam feitos em um coque. Ela usava uma simples blusa de mangas longas na cor verde, calça jeans de lavagem clara, sapatilhas nos pés e uma fita métrica permanecia pendurada em seu pescoço. O visual era mais do que básico, mas a mágica estava em sua criatividade e habilidade na hora de produzir vestidos. Descobrira desde muito jovem a vocação e paixão por desenhar, então não parou mais. O glamour de Nova York fora apenas consequência e prêmio por seus esforços árduos durante o curso de Design de Moda. Talvez um pouco nova demais para o sucesso que já atingira. 
- Obrigada por vir, Jennifer, eu sei que sua agenda é uma loucura. - Karlie comentou sentando-se em um dos sofás, ajeitando o cabelo levemente bagunçado devido a sua pequena volta à infantil de minutos antes. Assistiu Jennifer organizar em uma mesa de vidro ao centro seus materiais e algumas pastas. 
- Não tem problema. - a designer lhe informou gentilmente. - Além do mais, Karlie, quem recusaria um aniversário infantil? - seus olhos azuis se arregalaram, mais do que animados. - Já viu quantos doces tem naquela mesa? - Jennifer apontou na direção da festa, provavelmente louca para aproveitá-la também. Mas trabalho é trabalho, e ela não conhecia ninguém ali. 
Pelo menos era o que acreditava até o momento. 
Karlie olhava minuciosamente alguns dos modelos desenvolvidos por Jennifer. Queria algo que fosse diferente, algo desenhado especificamente para ela, olhava para os desenhos apenas para ter uma base. Não conseguia se imaginar parecendo uma princesa, considerava vestidos bufantes demais algo para lá de ultrapassado. Fechou a pasta que segurava e olhou animada para a designer. 
- Você tem mais talento do que imaginei. - elogiou. 
- Quem é que precisa de Vera Wang, não é mesmo? - a loira se arrependeu no mesmo instante em que soltou as palavras, engolindo em seco e mordendo a própria língua. Ajeitou os óculos e se desculpou: - Eu sei, foi um comentário muito do antiprofissional. Não vai acontecer novamente. - Karlie deu de ombros. 
- Acredite, já fui uma patricinha de Nova York, eu sei diferenciar o bom do ruim. E seus designers são realmente invejáveis. - ninguém reconheceria Karlie falando daquela forma. Mais do que nunca se parecia com outra pessoa. 
- Olha, eu acho que posso te mostrar alguns dos trabalhos que certamente são semelhantes ao que você quer. Me espera enquanto vou até o carro buscar? - Karlie concordou e fez um gesto com a mão para que Jennifer fosse. Ficou sozinha na sala olhando para o teto, distraída em excesso. Ultimamente andava sofrendo com aquelas crises de distração que a faziam perder noção de tempo e espaço. Foi só após bocejar entediada que ouviu o som de passos cada vez mais próximos. Pensou se tratar de Jennifer, mas Jennifer não tinha o tamanho do um jogador de basquete... Nem aquele sorrisinho sacana. 
- O que diabos você quer, Dominic? - o loiro soltou um risinho com a bravura repentina da mulher, dando passos até que pôde largar o corpo no sofá ao lado dela. Karlie se encolheu desconfortável, rolando os olhos ao sentir o perfume dele. 
- Falar sobre nós.
- Não existe nós, meu caro. - exaltando-se cada vez mais, Karlie ergueu um dedo e foi para mais perto dele. Não tinha o que temer, certo? Seu noivo não apareceria ali. E, caso aparecesse, continuava não tendo nada a temer. Dominic fora um caso barato de uma noite. - O que existe é a triste certeza de que os seres humanos se embebedam e depois fazem coisas pelas quais vão se arrepender depois. - ao terminar de falar de escutá-la, Dominic deixou os lábios em linha reta e ergueu uma das sobrancelhas loiras, cruzando os braços na altura do peito. - Portanto, não me venha querendo distorcer as coisas. - em um gesto indelicado, o irlandês passou impulsivamente seu braço pelo ombro de Karlie, que inclinou o tronco para frente a fim de se livrar do suposto abraço mal intencionado. - Não me toque! Se sua vida é frustrada e nenhuma mulher te leva a sério, não venha achar que vai encontrar consolo comigo, porque não vai. 
Dominic, no instante seguinte, parecia aborrecido. Talvez até desolado, angustiado. Como se as palavras duras de Karlie funcionassem como um soco no estômago, o homem desistiu de tocá-la e se afastou um pouco, encarando as pastas colocadas sobre a mesinha. Os olhos distantes viajando por memórias agridoces. 
- Você não sabe o que diz. - foi tudo que ele escolheu proferir. 
- Ahá! Vejo que consegui murchar a florzinha. - ela continuou provocando, olhando as próprias unhas. - O que foi? Ah, já sei! Acabou de pensar naquela mulher que você mencionou amarguradamente na noite em que nós... - ela não soube como continuar, fechando firmemente os olhos. 
- Você não consegue se lembrar do sexo propriamente dito, mas lembra disso? - Dominic a fitou exasperado. 
- Tenho a habilidade de eliminar da mente coisas inúteis, gato. - explicou brilhantemente. 
- Em minha defesa, digo que você adorou aquela noite, sim, mas infelizmente não consegue se lembrar. 
- Aqui está um ultimato: saia de perto de mim antes que você grite como gritou dentro daquele banheiro. - ele a olhou frio, irritado com a falsa revelação, mas Karlie apenas riu. 
Quando Dominic se deu por vencido e forçou as pernas para levantar, uma terceira pessoa surgiu no recinto. 
- Desculpe a demora, Karlie, eu não encontrava minhas... - o olhar da designer se encontrou com o do advogado. - Pastas. - Jennifer completou com a voz totalmente trêmula, congelando o corpo enquanto sua mente tentava de todas as formas apagar aquela imagem, eliminá-la como se fosse uma ilusão. Não, não era possível, Dominic McGuinness não estava bem diante de seus olhos. Ele, por sua vez, não conseguiu se levantar, continuava com o corpo jogado sobre o sofá, olhando absurdamente espantado para Jennifer. Karlie se sentia um peixe fora d'água, olhando de um para o outro. Nunca tinha visto duas pessoas tão estupefatas ao mesmo tempo. - D-D-Dominic... - a loira gaguejou cruelmente, deixando uma de suas pastas escorregar de suas mãos e cair no chão. Trêmula, se abaixou para pegá-la na velocidade da luz. 
- Jennifer. - Dominic não demonstrava medo na voz, mas algo continuava o impedindo de se mover. 
- E-ele é o seu noivo? - a designer olhou consternada para Karlie, que negou exageradamente com a cabeça. 
- Não, ele não é meu noivo, pelo amor de Deus. Mas caso fosse... Algum problema? - Karlie ergueu as sobrancelhas ao falar. Jennifer fitou Dominic outra vez e suspirou. Não seria nem de longe tolerável chorar, ela pensou. 
- Não há problema algum... - desajeitada, ela foi até a mesinha e recolheu todas as suas pastas. - Com licença. 
- Ei, e o meu vestido? - Karlie indagou confusa. 
- Falamos sobre isso depois, não me sinto bem. Desculpe, Karlie, eu te ligo mais tarde. - não querendo lidar com qualquer situação enervante, a designer trêmula deu as costas aos dois e sumiu pelo corredor, logo encontrando o caminho até seu carro e desaparecendo dali. 
A mulher ao lado de um Dominic aéreo o olhou boquiaberta. 
- Não... - ela disse lentamente, incrédula, não acreditando que aquela era a "vítima fatal" do advogado. 
- Sim. - foi tudo que ele disse, colocando-se de pé e tentando não parecer um homem abalado. - Jennifer Dawson, importante designer de vestidos de noiva. Minha ex namorada, alguém que me odeia mais do que qualquer outra coisa no mundo. 
- McGuinness! - não se importando com o teor dramático do desabafo, Karlie chamou Dominic, o que o impediu de se afastar daquela sala. - Eu vou procurar a designer do meu vestido e, caso ela tenha misteriosamente desaparecido de Londres por sua causa... - levantou-se em um pulo com passos desengonçados devido aos saltos e ficou de frente para ele, apontando seu dedo indicador sutilmente para o loiro, apenas erguendo os cantos dos lábios em um sorriso que oscilava entre adorável e mortal. - Homem morto
Deixando-a sem entender nada, Dominic apenas concordou com a cabeça, sem pensar nas frases inapropriadas ou piadinhas de mau gosto que sempre fazia e retornou para a festa. Estranho. 


Demetria's P.O.V

Como ainda não tinha parado um segundo desde que a festa tinha sido iniciada, resolvi relaxar um pouco e caminhei até a mesa onde meu marido estava. Pelo caminho, avistei minha mãe e Karen conversando animadamente em outra mesa. Apesar de estranho, achei bom ver que as duas se deram bem. Nancy também estava com elas. Sim, naquele dia ela não era a empregada, era uma convidada. Peguei um pratinho, disposta a procurar por doces, depois fui despreocupadamente até a mesa dos homens. Vendo que Joseph tinha sumido e Pete segurava meu bebê, aproveitei uma das cadeiras vagas para me sentar ali e aproveitar um pouco. Eu também tinha direito, não tinha? 
Enquanto conversava com meu irmão e dava alguns dos doces mais leves e com menos açúcar para Matt comer, fui surpreendida com um pratinho repleto de guloseimas que surgiu em meu campo de visão. Levantei o rosto e Joseph me encarava sorridente, deixando claro que tinha ido pegar coisas calóricas para mim, justamente na hora em que eu necessitava. "Te ajudo a queimar as calorias depois, é só chamar", foi o que sussurrou em meu ouvido, causando-me um ataque de risinhos. 
- Já disse o quanto eu amo seu timing? - sorri boba para ele, que voltou a se sentar. Já tinha socializado um pouco com o pessoal da empresa, então não precisava ficar andando de um lado para o outro o tempo todo. O que ele queria mesmo era curtir tudo com a família. 
Um vulto denominado Dominic sentou-se na cadeira ao meu lado, procurando desesperadamente por algo na mesa. Todos os presentes o olharam torto. 
- Onde encontro cerveja? - ele parecia desesperado. Meu marido negou com a cabeça, deixando claro que o advogado não beberia. Pelo menos não dentro de nossa casa, não naquele dia. 
- Controle-se, é uma festa infantil. - Joseph alertou com a voz bem humorada, tentando roubar um dos doces de meu prato. 
- Mas eu não sou criança, inferno! - olhei feio para Dominic, enquanto Peter riu e tampou os ouvidos de Matthew. - Vamos, onde encontro? 
- Nervosismo mata. - Joe deu de ombros, claramente debochando do outro, que aos poucos ficava mais desesperado. 
- Eu também se não encontrar o que quero, meu caro Joe! - Dominic socou a mesa e se levantou, sumindo por entre os outros convidados. Nós prendemos o riso até que ele não fosse capaz de ouvir, depois gargalhamos daquela atitude estranha. Matthew tentava pegar um dos docinhos sozinho, se esforçando mais do que nunca para dizer palavras novas. Algo me dizia que o vocabulário de meu filho seria enriquecido graças àquele dia agitado. 
Algum tempo se passou, logo cantaríamos os parabéns, o bolo seria cortado e as lembrancinhas distribuídas. Permanecemos todos na mesa, mantendo uma conversa despretensiosa, apenas comentando fatos que aconteciam ao redor. Também posamos para algumas fotos, depois Pete sumiu com o restante do trio maravilha composto por ele, Charlotte e Jamie. Provavelmente estavam em algum lugar da casa jogando Rock Band ou Just Dance. Matt parecia sonolento, não tirava a cabecinha de um dos ombros do pai. Virando o rosto ao rir de algo que meu irmão disse, avistei um homem se aproximar. Rapidamente engoli o que mastigava e senti um estranho aperto no peito. Não me lembrava de tê-lo convidado, mas me lembrava dos momentos difíceis que passei graças a sua irmã. Era Sean
Demi, tudo bem? - Joe disse próximo de meu ouvido, ainda não sendo capaz de enxergar o que eu enxergava. Respondi com apenas um aceno. 
- Eu já volto. - coloquei meu pratinho sobre a mesa, me levantei e caminhei para longe, aos poucos rompendo a distância até Sean, que cessou seus movimentos e me esperou pacientemente. Por que ele tinha aquele sorriso no rosto? 
Quando parei a sua frente, ele mal se preocupou em me cumprimentar, foi potencialmente direto: 
- Bom, Demetria, sete meses se passaram... - sabia o que viria a seguir. - O musical do velho Rusty está 99% concluído. Falta apenas um indispensável detalhe... Você. Está pronta?
Até abri a boca para responder, mas nada coerente me veio em mente. Para falar a verdade, eu tinha me esquecido completamente daquela proposta absurda. Não tive tempo para analisar minuciosamente a possibilidade de que poderia dar um passo novo e totalmente arriscado em minha vida. E, honestamente, eu não queria dar esse passo. 
- Não, e nunca vou estar. - respondi friamente e na defensiva, mesmo que minha intenção não fora ser realmente grossa com ele. Mas eu não pude evitar a irritação que me atingiu. Talvez fosse um alerta piscando, o alerta de que algo ou alguém tentaria de novo bagunçar as coisas. Minha vida estava ótima, mais do que ótima, então por que rostos do passado que eu preferia evitar tinham que me perseguir? Paz, por favor. 
- Não seja tola... - não, ele não iria começar a me dizer o que fazer. Fui rápida ao impedi-lo de continuar. 
- Você é quem não deve ser tolo, Sean. Não perca tempo comigo. - elevei meu tom de voz, só para depositar ainda mais certeza em minha afirmação. - Eu não quero participar disso, respeite minha decisão e me deixe em paz. 
Ele ergueu os braços como se pedisse calma, visivelmente espantado com o meu nervosismo repentino. 
- Tudo bem, Demetria, não precisamos de violência por aqui. - respirei aliviada quando deu um passo para trás e ameaçou se afastar. - No entanto, eu sei que você vai repensar nisso. Mudando de assunto, é uma excelente festa. - ele olhou toda a extensão do local. - Dê parabéns ao seu filho por mim. E desculpe o inconveniente, mas logo você entenderá que foi mais do que necessário. - quando tentei protestar, Sean já tinha me dado as costas e ia embora. Engoli a vontade súbita de xingá-lo por acreditar que tinha alguma chance de me ter naquela droga de musical e tentei me acalmar antes de voltar para onde estava. 
Sean invadiu a festa do primeiro aniversário de meu filho para pedir que eu deixasse minha família de lado e participasse de algo tão incerto e sem importância se comparado com o que eu já tinha? Como se o fato de estar mais do que feliz com minha vida não fosse importante o suficiente? Poderia classificar aquele ato insolente como uma blasfêmia. 
Quando me virei bruscamente para retornar a mesa, me deparei com um Jamie que tinha o olhar baixo e era notável o desconforto que sentia. Tinha presenciado aquela conversa idiota com Sean. Aproximei-me dele, sorrindo confiante, tentando fazer com que se livrasse da provável ideia que se propagava por sua mente. 
- Mãe, você vai se afastar de nós? - arregalei os olhos com aquela questão, um pouco assombrada com o fato de que era com isso que ele se preocupava no momento. Neguei com a cabeça, colocando as mãos sobre seus ombros. 
- Claro que não, Jamie, eu não vou a lugar algum. - começamos a andar, então espalmei minha mão no centro de suas costas e o guiei na direção onde o restante de nossa família estava. - Vamos lá, meu garoto, é era do bolo.
O que pensamos ser o fim, acaba se tratando de um recomeço. 

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