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domingo, 29 de junho de 2014

Secretary II - Capítulo 24


A verdade



Caleb ajudou Scarlett a iluminar a escada que levava até o porão, para que pudessem descer com segurança. Quando chegaram na parte de baixo, o cheiro de mofo entrou em suas narinas, mas eles apenas ignoraram e dispararam a procurar pela câmera. 
Passava pela cabeça de Scar que poderia ser uma armadilha de Carter, mas não custava realmente procurar naquele lugar. Deveria existir alguma passagem secreta, alguma gaveta com fundo falso ou uma abertura no chão. Qualquer coisa. 
Caleb estava do outro lado do porão, tentando abrir as gavetas de um armário velho e empoeirado. Scarlett iluminou alguns quadros com imagens estranhas e depois iluminou o tapete que estava abaixo de seus pés, com os olhos atentos a tudo ao seu redor. De repente, o pensamento do que Demetria estava fazendo por Joseph veio em sua cabeça. 
- As pessoas realmente fazem isso? Se sacrificam por amor? - perguntou mais para si mesma do que para Caleb, com o tom de voz bem baixinho. - Achei que acontecia apenas nos filmes. - ele parou de procurar e se virou, olhando para ela como se a repreendesse por estar fazendo brincadeiras em uma hora como aquela. - Eu estou falando sério! - Scarlett exclamou. - É só que nunca tive a chance de sentir algo assim por ninguém, então não consigo entender com muita clareza. 
- Nem eu. - os dois se olharam por um momento e Scarlett desviou o olhar, balançando a cabeça a fim de se livrar de alguns pensamentos impróprios para o momento. Caleb deu de ombros e continuou com sua busca desajeitada, por causa do escuro. 
- Acha que foi uma boa ideia deixar a Demetria lá em cima com o Carter? - ela quebrou o silêncio. 
- Ela está armada, então... 
- Honestamente, não acho que ela tenha coragem de atirar. - Scarlett respondeu, sincera. Demetria parecia uma pessoa boa demais para acabar com a vida de alguém. 
- Mas as pessoas nos surpreendem, Scarlett. - a voz de Caleb pareceu mais segura e grossa quando soltou aquelas palavras, por isso Scar preferiu não voltar a olhar para ele e ficou em silêncio, revirando alguns livros grossos e cobertos de pó que estavam colocados sobre uma cadeira de madeira, que fazia um barulho desconfortável toda vez que era empurrada para trás. Percebendo que não encontraria nada por alí, mudou de direção e foi até algumas gavetas de um outro armário na mesma parede onde uma pequena janela com o vidro embaçado revelava a noite do lado de fora. Despreocupadamente, Scarlett puxou uma das gavetas, bufando ao perceber que ela não se abriu. Tentou mais uma vez, duas, três... Nada. 
- Merda! Abre logo, abre logo! - ela tentava não falar alto, irritada. - Rápido, vamos, rápido! - ao dizer as últimas três palavras, seu corpo congelou. Ela virou o pescoço e Caleb a encarava com uma sobrancelha erguida e um ponto de interrogação na face, prestes a rir. - Não estou falando com você, e sim com o armário!. - deu um soco na madeira do mesmo, que rangeu em resposta. 
- Eu não disse nada. - ele deu de ombros mais uma vez. 
- Mas pensou muita coisa. 
- Você não sabe o que eu pensei, Scarlett. 
- Mas sei que vai levar um soco se não calar a boca e voltar a procurar... - ela puxou a gaveta com ainda mais força, soltando um grunhido quando finalmente conseguiu abri-la. Porém, o impulso foi tanto que a mesma caiu no chão, derrubando tudo que estava dentro. Ela arregalou os olhos quando viu os vários pacotes jogados sobre o tapete. Preservativos. - Mas que diabos... Ah, então, eu vou procurar por alí... - Scarlett engoliu em seco e iluminou a outra parede com a lanterna, tentando esconder o estado em que estava. Caleb se segurou para não rir, mas não conseguiu. A risada dele penetrou os ouvidos dela, que respirou fundo. 
- Guardar preservativos no porão, que coisa mais... - ele não conseguiu terminar de falar. 
- Shhh! Pare de falar e comece a fazer algo mais produtivo! - Scarlett determinou, recebendo outro levantar de sobrancelhas. - Gato, pare de interpretar errado o que eu digo! - ele não disse nada, e ambos voltaram a suas buscas, permitindo que a chama de preocupação voltasse. Mas apenas por um instante... Durante a busca pela câmera, ambos decidiram mudar de rumo e se dirigir para direções contrárias, porém os dois corpos se esbarraram. 
- Ok, o que está acontecendo aqui? - ela levantou as duas mãos e iluminou o rosto dele com a lanterna. 
- Eu só ia mudar de posição e... Ah, não, eu não quis dizer posição, quis dizer que eu ia procurar embaixo da escada, porque talvez eu consiga encontrar alguma coisa enfiada dentro de algumas... Caixas. - Caleb terminou de falar, trancando os lábios em uma linha reta. Scarlett continuou a iluminá-lo com a lanterna, um pouco chocada com a maneira como interpretou a frase que ele tinha acabado de falar. 
You look at me, I look at you, neither of us know what to do... - ela cantou, soltando um risinho nervoso. Seus olhos desceram um pouco e foram parar nos preservativos no chão. Caleb imitou os movimentos dela e olhou para o mesmo ponto. 
Ambos levantaram o rosto e voltaram a se olhar de um jeito estranho e tenso. 
Não era certo o que passava por suas mentes, pois deveriam continuar a procurar a maldita câmera e acabar com aquela situação de uma vez por todas. Era um gesto totalmente inconsequente. Mas por que o contato visual tinha que ficar mais intenso? Scarlett tentava dar um passo para trás, mas tudo que conseguia fazer era o contrário, ficando mais próxima do homem, cujos olhos castanhos eram tão atrativos. Droga, ela o achava atraente! Não se importava com o fato de que o corpo de Caleb não era repleto de músculos. Na verdade, algo naquele físico um pouco magro chamava muito sua atenção. Por ter cortado os cabelos, seu rosto ficou mais aberto, revelando uma face extremamente masculina a sedutora. Apesar dele não ter a minima ideia disso, é claro. 
Já que Scarlett e Caleb estavam na chuva, por que não se molhar? 
Demetria estava segura com aquela arma e Carter demoraria para acordar. Dane-se o bom senso. 
Dez minutos. - ele disse, olhando intensamente para ela. 
Nove. - ela disse mais alto, caminhando decidida até ele e puxando sua nuca com vontade. Os lábios se grudaram e um beijo atrapalhado e apressado começou. Scarlett tomou impulso e se segurou nos ombros de Caleb, enlaçando as duas pernas nos quadris dele, que caminhou incerto até a direção onde uma mesa de madeira parecia o lugar mais confortável do recinto. Scarlett riu baixo e se sentou na mesa, ainda com as pernas em volta dele. Pararam o beijo e se olharam mais uma vez, um pouco assustados. Aquilo estava mesmo acontecendo? 
- Não fique bravo comigo, mas na primeira vez que eu te vi, achei que era virgem... - Scarlett disse, mordendo o lábio inferior. Caleb balançou a cabeça negativamente, se afastando dela e indo até a região do tapete, voltando com algo entre os dedos. 
- Como eu disse mais cedo, as pessoas nos surpreendem. E nas horas menos apropriadas! 
- Ah, cara... Vamos acabar logo com isso! 
E então, os dois aproveitaram os próximos nove minutos... Ou dez. Tensão sexual não seria mais o grande problema. 


Demetria's P.O.V

A risada pavorosa parecia cada vez mais próxima, assim como seu corpo. Continuei imóvel, prendendo a arma com meus dedos trêmulos. Um dos trechos citados naquele caderno veio sem pedir permissão em minha mente, obrigando-me a desistir de virar o corpo e atirar de uma vez em Carter. Talvez não precisasse ser daquele jeito, não era possível que Carter escrevesse tudo aquilo simplesmente por escrever. Aquelas palavras tinham que ter algum significado real, aquelas palavras precisam ser uma solução
Eu podia sentir a boca de Carter chegando perto do meu ouvido, pronta para dizer alguma coisa. 
- Só uma dica: nunca tente drogar um drogado. Digo... A menos que ele peça por isso. - sua voz ficou um pouco mais distante e voltou a ficar próxima novamente. Ele passou ao meu lado e ficou de frente para mim, fitando os meus olhos, exatamente como tinha feito na boate. Porém, o medo estava longe. Medo era uma palavra insignificante demais quando ele me encarava daquela maneira. - Você foi estúpida, Demetria. Já estava se intitulando de heroína, não? Vocês três foram tolos! - falou calmamente, se sentando na cama em minha frente e pegando seu caderno, brincando com as folhas. - É claro que o que você injetou em mim causou certa sonolência, mas só isso. Eu tive apenas que fingir estar desacordado, porque queria muito saber qual era o plano. - seus dedos arrancaram uma das páginas. - Ainda bem que você saiu do quarto por um instante, porque eu não aguentava mais ficar com os olhos fechados... Não que isso seja ruim, mas acho que me entende. - a folha foi amassada lentamente, com gosto, como se a vida de alguém odiado por Carter dependesse daquele gesto. - Sente ao meu lado, querida. - ele pediu, batendo levemente na parte livre da cama, como se eu fosse uma garotinha prestes a ouvir uma história. 
- Posso atirar em você se eu quiser. - inutilmente achei que aquela escolha de palavras surtiria algum efeito, como intimidá-lo. Mero erro. 
- Coloque a arma ali. - Carter apontou na direção de uma escrivaninha de madeira, lotada de livros. Tudo que eu fiz foi segurar o revolver com mais força e levantá-lo um pouco, apontado em sua direção. - Coloque a arma alí! - ele repetiu, elevando a voz alguns oitavos. Em um impulso se levantou da cama e quase me fez gritar, segurando a arma com força, na intenção de tomá-la de mim. Eu sentia que um dos meus dedos estava extremamente próximo do gatilho, então era só conseguir levantar um pouco meu braço e atirar... 
Mas ele conseguiu tomá-la de mim. 
É claro que me preparei para o pior, provavelmente um tiro na cabeça. Algo que me arrancasse a vida de madeira rápida. Mas não foi isso que aconteceu. Ele caminhou lentamente até a escrivaninha que tinha mencionado antes e colocou o revolver sobre ela. 
Voltou a se sentar na cama e sorriu inocentemente. 
- O que... 
- Sente logo ao meu lado, antes que eu tenha que falar mais alto e seus amiguinhos me escutem. Você não quer estragar o plano, quer? 
- Não, mas você quer. - ele bufou, depois riu. 
- Quer ouvir uma história? - olhei para o lugar disponível ao lado dele e quando dei por mim já estava sentada. Parecia um pouco arriscado, mas já que ele teve em mãos a oportunidade de me matar e não fez nada, não custava tentar ouvir o que ele tinha a dizer. Com um pouco de distância, abaixei a cabeça e esperei que ele começasse. - Mas antes, vamos deixar uma coisa bem clara por aqui... - Carter segurou meu braço e meu rosto se virou. - Eu não matei a Erin. Pelo menos não com as minhas mãos... 
- Na boate você deu a entender que uma mulher tinha feito isso. - era estranho estar conversando daquele jeito calmo com ele. Carter concordou com a cabeça e se tornou pensativo. - Mas tudo leva a crer que é mentira, porque... 
- Não fale sobre o que você não sabe. Agora, vamos para a história... - me dispus a ouvir, sem escolha. 

/Demetria's P.O.V


Flashback

18h30

Ao abrir a porta de sua casa, Margo revirou os olhos e tentou fechá-la, mas Carter foi mais esperto e a impediu com o pé, a empurrando. Assim que Margo desistiu e a soltou, a mesma correu uma curta distância e se chocou com a parede, provocando um barulho alto. Carter obervou as curvas da garota de 16 anos cobertas apenas por uma saia e um blusa justa, sorrindo abertamente. Ela apenas olhou para o lado de dentro de sua casa para ter certeza de que as empregas não estavam bisbilhotando e saiu, fechando a porta. Puxou Carter na direção dos fundos, praticamente correndo. 
- Eu te falei para não vir aqui, se meu pai descobrir... 
- Ah, o que o papai vai fazer? Proteger a filhinha e colocá-la para brincar com as bonecas? - ele provocou, recebendo um olhar furioso. Ambos sabiam que ninguém ali poderia ser considerado um santo, muito pelo contrário. - Você me deve um favor, então eu vim cobrar. 
- Eu não te devo nada, Carter. Você mesmo disse isso depois do que fizemos aquele dia na piscina da cada do Cam... - Margo tentou passar por ele, mas teve seu braço segurado. Os dois se olhavam e faíscas pareciam sair de seus olhos. Era um enigma o que se escondia por trás daqueles dois. Por trás do que sentiam um pelo outro. Amor e ódio, talvez. Margo namorava com Joseph, Carter namorava com várias. Nenhum dos dois era do tipo que se importava com alguma coisa, principalmente com sentimentos. Frios como um cruel assassino. 
- Mudei de ideia, Quick. - ele tentou beijá-la, mas recebeu um leve empurrão no peito. - Cuidado com o que você faz, não se esqueça que sua vida estaria arruinada se não fosse por mim. - segurou o queixo da garota com uma das mãos. - Esse lindo rosto estaria desfigurado agora se eu não tivesse te protegido. Aqueles traficantes não pensariam duas vezes antes de te foder por completo. Literalmente. Sem contar o que seu pai faria quando descobrisse isso, o homem é tão preocupado com a reputação... - Margo se esquivou, mandando embora as lágrimas que estavam a surgir. Ela respirou fundo e colocou sua melhor máscara de megera. 
- Você não faria nada disso, Carter. Sabe por quê? - Margo passou a ser a que estava em vantagem, imitando o gesto de Carter e segurando seu queixo. Depois que ameaçou beijá-lo, passou a língua pelos lábios. Ele observou aquele gesto, extasiado. Já estava com saudade de tê-la para si. - Porque você me ama. - sendo verdade ou não, ele não estava disposto a se entregar por uma fraqueza tão desprezível como o amor. 
- As pessoas matam por amor. As pessoas matam o próprio amor. 
- Todos sabem muito bem que eu sou a única pessoa no mundo que faz você sentir alguma coisa boa. Vai mesmo querer acabar com isso? - ela continuou com o jogo de provocações. 
- Você ainda não ouviu o que eu tenho a dizer, Margo. 
- Acha que não passa pela minha mente, não é? Não seja ridículo! - toda a aura de sedução escapou por entre as árvores do jardim dos fundos. Margo adquiriu um semblante sério e frustrado. - Eu sei que você quer ferrar o Joseph, e sei muito bem como pretende fazer isso. 
- E você vai me ajudar. 
- Não vou, não. 
- Salvei sua pele uma vez, mas posso arrancá-la na próxima. Aqueles traficantes não são nada se você se der ao trabalho de compará-los com algumas pessoas que eu conheço. - ela estava prestes a ceder. Pela primeira vez em muito tempo sentiu medo. Sentiu medo porque enxergou a verdade nos olhos verdes de Carter. Sabia que ele jamais voltava atrás quando prometia alguma coisa. Principalmente quando era algo maldoso
- Carter... - ela vacilou, colocando nervosamente os longos cabelos para trás. - Eu não posso. Nós não podemos fazer isso! 
- Ah, qual é? - Carter se exaltou. - Você odeia aquela garota, teme que o gosto dela seja melhor que o seu. - ele apontou para a região abaixo do umbigo a mostra dela e soltou uma risada maldosa.Margo apenas fingiu não ter ouvido. - Erin é a melhor amiga virgem. Qual é o cara que não quer uma virgem? - ele levantou uma sobrancelha e apontou para ela. - Você é a vadia que ele fode quando quer! É uma coisa boa a se fazer, Margo, pense comigo: Erin Fields some e o Joseph sofre as consequências. Você e eu ficamos juntos para sempre. 
- Como você tem coragem de tentar ser romântico em uma hora como essa? E, olha só, por que não vai pedia a ajuda do Cameron, ou até mesmo da Bethany? Vocês andam bem próximos esses dias.
Cameron? - ele riu com deboche. - Ele está muito ocupado se fingindo de bom moço. Mas a Beth já está me ajudando... Aliás, preciso ligar para ela daqui a pouco, aposto que está por aí cheirando umas carreiras... - ela se sentiu levemente aliviada quando o rumo da conversa pareceu mudar, mas logo a face de Carter ficou séria e ele voltou a olhá-la com o olhar instigante. A saída estavam ficando apertada demais. - Vamos, se dê logo por vencida. Você sabe que não tem escolha. 
- Essa sua vidinha de merda não vai durar, sabe disso. - alertou. 
- Nem a sua, meu amor. E no inferno você vai ser minha, só minha. - o tom possessivo da voz de Carter fez os pêlos do braço dela se arrepiarem. Estava prestes a concordar com algo que parecia doentio demais, até para os padrões daquela vida que levava. Carter não tinha uma explicação muito clara para querer fazer aquilo, mas quem poderia questioná-lo? Ele sempre se dava bem, sempre conseguia o que queria. Não era justo, mas era a realidade que ela teve que aceitar. - Pegue aquelas drogas que eu dei para você guardar e faça um bom trabalho com o seu namorado. - ela balançava a cabeça negativamente enquanto ele ditava o que deveria ser feito. Três ordens foram dadas. - Temos um acordo? - Margo sabia que a partir daquele momento nada mais seria como antes. Os dias de rebeldia sem causa da adolescência estavam partindo e dando lugar a uma obscura realidade, onde ela deveria escolher entre se tornar parte do vulcão ou permitir que as cinzas desintegrassem seu corpo. 
- Sim, nós temos. - Carter sorriu galante e se aproximou para beijá-la na testa. Depois se afastou, com um plano prestes a ser colocado em prática. 


20h48

Smoke on the water fez o coração de Margo acelerar e o estômago revirar. Ela estava jogada na cama, brincando com a tampa de uma garrafa de vodca, mas se levantou no mesmo instante em que ouviu. Era como se aquela música pertencesse a ele, como se fosse sua assinatura. Ela caminhou até a janela e afastou a cortina para olhar o que já esperava encontrar: o carro de Joseph estava estacionado em frente a sua casa e o volume da música era alto. Ele ouvia aquela música quando estava revoltado com o mundo, quando tudo que queria era se drogar e apagar. Margo nem precisava perguntar para ele o que tinha acontecido, sabia que se tratava de outra briga com seu pai. Uma rotina constante. 
No carro, Joseph jogou o cigarro pela janela e olhou na direção do quarto de Margo, conseguindo ver a sombra da garota atrás da cortina. Sorriu, acreditando que aquela era a sua única escapatória da cruel vida real. As brigas com seu pai o irritavam a ponto de querer arrancar a vida de alguém com as próprias mãos. Nem mesmo Erin parecia querer continuar com a amizade que sustentavam há alguns meses. Estavam brigados, e ele temia que não teria mais volta. 
Era doloroso desligar aquela música na metade, era uma de suas preferidas. Ficando apenas atrás de Bleeding Me do Metallica. Aquela tinha o poder de acalmá-lo de uma maneira extrema. 
Após sair do carro, caminhou com passos apressados pelo jardim e sem paciência para tocar a compainha e esperar a boa vontade de Margo para atendê-lo, correu até uma escada que se encontrava na lateral da parte de fora da casa e a subiu com determinação. Logo estava cruzando a varanda e abrindo de supetão a porta do quarto de sua namorada. 
Margo estava tensa, se assustou ao vê-lo. As veias em seu pescoço estavam alteradas, tinha olheiras críticas e os cabelos que cobriam a testa estavam bagunçados, de modo que o deixava com um tremendo ar de bad boy. Mas o garoto continuava lindo. Uma beleza tão errada, mas ao mesmo tempo tão tentadora! 
Ela estava prestes a contribuir para que a pior injustiça de todas fosse feita contra ele. Mas como evitar? Não se sacrificaria por Joseph, jamais! Ela não o amava, era egoísta. Fria. Se alguém se safaria, era ela. 
Margo sorriu maliciosa para Joseph, que não hesitou antes de olhá-la intensamente e romper a distância entre seus corpos. Parecia querer devorar os lábios volumosos e rosadas da garota, que se deixou levar e puxou os cabelos da nuca dele com força. Ambos soltaram grunhidos e se jogaram na cama, certos do que estava prestes a acontecer. 
Joseph a largou rapidamente para pegar a garrafa de vodca que estava sobre o criado mudo e a virou. Margo se levantou e voltou a se aproximar dele, puxando seu jaqueta e lambendo com vontade a gota da bebida alcóolica que tinha escapado e escorria pelo queixo de seu namorado. Aquele gesto o deixou louco o suficiente para puxá-la com força pela cintura e atacar sua boca mais uma vez. Ele poderia descontar sua raiva nela, se quisesse. Afinal, ela merecia. 
Ao sentia sua blusa ser praticamente rasgada e arrancada de seu corpo, deliciou-se com os lábios maravilhosos do garoto problematico. Joseph mesmo tratou de tirar sua jaqueta e sua camiseta de uma vez, apertando os seios ainda cobertos pelo sutiã de sua namorada. Pra Margo, beijar a pele de Joseph era uma perdição, o cheiro que ela exalava era melhor que qualquer droga que Margo já tinha experimentado. Era uma mistura insana de cigarro, suor e algum perfume, cujo o cheiro lhe lembrava canela. Segurou com força os cabelos do garoto e mordeu seu lábio inferior, sentindo o gosto de vodca que se misturava com sua saliva. 
- Vamos nos drogar! - ela disse, empurrando o corpo dele e indo até uma gaveta. Joseph a segurou com firmeza pelo pulso, ofegante. 
- Eu não quero drogas... Quero outra coisa, Margo. Vem aqui! - mordeu o lábio e ela soltou um risinho, escorregando sua mão até o pênis de Joseph, que ainda estava coberto pelo desconfortável jeans. Ela apenas brincou rapidamente com os dedos, sentindo o volume. 
- Mas é certeza que vai querer as que eu consegui hoje. - Margo pegou um pequeno comprimido branco de um frasquinho e o segurou com uma das mãos, voltando para perto do corpo de Joseph e apoiando os joelhos contra a cama, sustentando o peso de seu corpo com a outra mão que estava sobre a cama. Se abaixou e distribuiu alguns beijos pelo peitoral e barriga dele, levando o garoto a loucura. A raiva pulsava dentro de seu corpo, mas o tesão conseguiu combatê-la por algum tempo. E era tudo que ele queria. 
Quando parou de provocá-lo, Margo subiu com os beijos e parou para colocar o comprimido na boca, o segurando com sua língua. As duas bocas se aproximaram e o comprimido mudou de destino, indo parar na boca de Joseph. Depois de derretê-lo com sua saliva, engoliu. 
Enquanto fazia tudo aquilo, Margo não conseguia esconder a preocupação que estampava seu rosto. O barulho alto de seu telefone fez Jonas bufar, mas ela se esqueceu por um segundo que o namorado existia e saiu do quarto para atender, alegando que era apenas seu pai. 
Mas na verdade era Carter. 
Durante as várias ligações que ele fez para ela durante aquele tempo, todas tiveram o mesmo efeito sob Margo: assustá-la. 
Tentava voltar normalmente ao quarto e fingir que tudo estava bem, mas simplesmente não conseguia mais. Suas mãos tremiam, assim como seus lábios. Carter a estava pressionando para que tudo fosse feito mais rápido, ele não queria perder tempo. Joseph estava estirado na cama, mole por causa do comprimido, mas ainda assim queria ter uma noite de sexo com a garota. Ela apenas ignorou as carícias que ele tentava fazer e os beijos que tentava distribuir e abriu sua gaveta mais uma vez, retirando de lá todas as drogas que escondia. Estava fora de si. 
Em tempo recorde, ela preparou uma seringa com algo que gostava de usar para dormir por horas. Fingiu que ia beijar Joseph, deslizando sua língua pelo queixo e pescoço do garoto, que voltou a se animar. Mas seus olhos se arregalaram quando sentiu algo perfurar a pele de seu braço. 
Margo... - ele tentou dizer. 
- Não diga nada, apenas sinta. - sussurrou em seu ouvido. Com um Joseph se apagando aos poucos em sua frente, ela deixou que um leve choro começasse. - Desculpe, Joe, mas é a sua vida ou a minha. 

Margo voltou a colocar sua blusa e, com um pouco de dificuldade, vestiu a camiseta e a jaqueta em Joseph, que parecia morto. Não olhava para o rosto dele em momento algum, porque se sentia culpada. Tirou o celular do bolso da calça dele e respirou fundo, se lembrando das instruções de Carter. Não demorou para encontrar o número de Erin na agenda. 
Uma mensagem foi enviada, um pedido desesperado para um encontro. Com um endereço bem conhecido pelos dois amigos. 

Bastaram poucos minutos para que Carter chegasse com uma Bethany - levemente alterada pelas drogas - à casa de Margo. Carter estacionou seu carro ao lado do de Jonas, observando o mesmo e sorrindo abertamente. Eles desceram do carro e entraram, subindo até o quarto e tirando o corpo de Joseph da cama, o arrastando até o andar de baixo sem cuidado, sujando a roupa do garoto e deixando que seu corpo batesse no que estava pela frente, coisa que lhe causaria hematomas mais tarde. Enquanto Carter segurava o garoto dopado, Bethany entrou em sua frente e correu até o carro, abrindo a porta e ajudando a colocar o corpo de Joseph no banco traseiro. 
Carter estava com os cabelos arrepiados como sempre, vestindo uma camisa vermelha e uma calça jeans. Daquele jeito, até parecia um garoto normal. Bethany estava com a franja na testa, maquiada como se fosse uma prostituta. No corpo, um vestido rosa um pouco justo e saltos altos. 
Carter deixou Bethany de lado e foi para perto de Margo, que tinha decido descer também e assistia tudo aquilo com lágrimas nos olhos. Ele segurou a mão dela fortemente, a deixando desconfortável com o olhar intenso que recebeu. Estava se arrependendo amargamente. 
- Parabéns, você se saiu perfeitamente bem. Como sempre! Leve o carro dele até a casa dos Jonas e deixe na entrada, mas cuidado para que ninguém te veja, ok? - Carter tentou beijá-la, masMargo colocou sua mão na boca dele, impedindo. 
- O que vocês vão fazer com ele? - Bethany riu escandalosamente e Carter a mandou calar a boca, voltando-se para Quick. - O resto é comigo. Você não precisa se meter, Quick. Aliás, você não deve se meter. Ou vai receber visitas indesejadas ainda hoje. 
Ela ficou em silêncio, deixando a consciência pesar, se sentindo como se escombros de um acidente estivessem sobre seu corpo. 
- Espera! - Carter colocou o braço na parte de cima do carro, com o corpo parado em frente a porta. - Prove que me ama, não faça nada disso... Por favor, prove. 
- Quem disse que eu estou afim de provar alguma coisa? 
As portas do carro se fecharam, escondendo o corpo de Joseph. Bethany se segurou na porta do veículo para não cair e deu um tchauzinho exagerado para Margo. Carter entrou também. 
Quick ainda poderia chamar a polícia ou procurar por alguma ajuda, mas só foi capaz de fitar o carro se afastar, levando Joseph para o caminho que arruinaria sua vida anos mais tarde. Sentiu um arrepio correr pelo seu corpo, como se a loucura entrasse lentamente pelos poros. Nunca se esqueceria do que tinha feito, não conseguiria superar e seguir em frente. Já conseguia se prever usando drogas e mais drogas, na tentativa inútil de apagar as imagens que viriam em sua mente. Precisava ir embora daquela cidade, fugir. Mesmo que a mente atormentada continuasse a acompanhá-la como uma sombra. 


21h32

Erin estava sentada na penteadeira, olhando fixamente para sua imagem no espelho. Segurava uma escova prateada, a deslizando por seus cabelos curtos e loiros, tentando deixá-los mais arrumados. Assim que terminou de escovar, pegou um prendedor de borboleta e arrumou um coque, o prendendo de um jeito que permitia que alguns fios caíssem. 
- Cresça mais rápido, cabelo, cresça. - ela falava sozinha, imaginando como seria se aqueles fios dourados fossem mais compridos. Sua mãe sempre cortava seu cabelo em um corte chanel quando era pequena, o que acabou se tornando um hábito em sua adolescência. Mas ela queria mudar, queria ficar mais bonita. Olhou para os óculos que estavam sobre a penteadeira e bufou, tendo que pegá-los e colocá-los, mas não antes de passar uma leve maquiagem nos olhos. Pegou o celular que estava próximo e ficou olhando para aquela mensagem durante alguns segundos. 

"Preciso muito falar com você, por favor, vá ao lugar de sempre. Pela nossa amizade."

Por que Joseph não poderia ir até a casa dela? Muito mais rápido e seguro, afinal, Erin nem tinha certeza se seus pais permitiriam que ela saísse de cada àquela hora. Mas como negar aquele pedido? Sim, ela e Joe estavam brigados há dias, mas não dava para mudar o que ela sentia a respeito dele. Acreditava nele, não descansaria até torná-lo alguém melhor. Não gostava de admitir para si mesma, mas sentimentos pelo garoto começavam a surgir... E não se tratava de um simples sentimento de amizade, fraternidade. 
Erin se levantou da cadeira e abaixou o rosto para olhar o vestido branco em seu corpo. Estava quente naquela noite, então ela optou por um tecido leve, mas nada que chamasse a atenção. Na verdade, ela não tinha roupas para chamar atenção. Nunca havia andado com botas de salto alto como as de Margo, muito menos com o umbigo e boa parte das pernas a mostra. Afinal, o que existia de atraente em ser fácil? Ela pensava que existia um caminho muito melhor para ganhar alguém. Em sua cabeça, as coisas funcionavam de um jeito diferente, mais puro. Às vezes tinha certeza de que aquele mundo não era um lugar bom para ela. Jamais conseguiria se acostumar com certas coisas. 
Saiu de seu quarto e desceu as escadas, indo até a sala, onde seus pais estavam no sofá assistindo algum filme de terror. Ela disse que precisava resolver alguns assuntos para um trabalho de matemática, se sentindo mal por mentir. Mas quando percebeu, já tinha cruzado a porta e caminhava rapidamente pelas ruas iluminadas. 
Ela e Joseph se encontravam em uma casa abandonada que ficava em uma rua próxima, gostavam de conversar sem que ninguém estivesse por perto. Muitos poderiam pensar que coisas mais intensas aconteciam, já que o lugar estava vazio e sem movimento, mas se tratava apenas de trocas de palavras. Ele ia para lá quando não aguentava mais conviver em um mundo de pessoas ricas e perdidas. A chamava, e, sem pensar duas vezes, Erin ia para aquele lugar, pronta para ouvir e ajudá-lo no que fosse necessário. Estava se sentindo feliz, pois sabia que estavam prestes a fazer as pazes. 
Erin atravessou a rua e logo estava caminhando na calçada da casa que estava, como sempre, sem iluminação. A rua pouco movimentada lhe recebeu com silêncio, e então Erin passou pelo portão que estava aberto e caminhou pelo jardim mal cuidado, olhando ao redor. Joseph deveria estar do lado de dentro, provavelmente fumando alguma coisa. Ela estava sentindo cheiro de cigarro e de alguma outra droga qualquer. Puxou a porta que estava entreaberta e se deparou com o escuro, levantando o rosto para encarar a escada. Joe deveria ter subido, pois gostava de fumar na varanda. Ela cruzou a sala de estar e colocou o pé esquerdo no primeiro degrau, calmamente. 
Joseph? Estou subindo, sei que está aí em cima! - ela disse seriamente, mas com um leve tom de alegria na voz. Subiu mais alguns degraus, ouvindo passos no corredor vindo em sua direção. Seu peito se encheu de algum sentimento bom, tinha certeza que seria recebida com um abraço e um pedido de desculpas. Em seguida, identificou que os passos que estavam ainda mais próximos eram de uma mulher, por causa do barulho que os saltos altos faziam ao se chocar com o chão de madeira que rangia. Ela engoliu em seco, mas continuou a subir. Pensou que Joseph deveria estar comMargo por alí, o que lhe cansou uma súbita vontade de chorar. Mas ela não tiraria conclusões precipitadas. - Joe? - chamou mais uma vez, recebendo uma resposta inesperada. 
- Pensei que você sabia meu nome, Fields. - Erin parou de subir os degraus no mesmo instante em que Bethany Walsh apareceu no topo da escada, segurando a ponta do corrimão com uma mão e a cintura com outra. Os cabelos ruivos da garota brilhavam conforme e luz vinda de alguma janela da parte de cima passava por eles. Bethany começou a descer a escada, obrigando Erin a olhar para trás e se segurar no corrimão para descer também. 
Joseph está com você? - a loira perguntou ingenuamente, quase tropeçando nos próprios pés, segurando o corrimão com mais força. Bethany apertou o passo, totalmente confiante em seu andar, mesmo estando de saltos altos em uma escada. A ruiva olhou para o lado, indicando algo com a cabeça. Erin olhou naquela direção e seus olhos se arregalaram. 

(n/a: Coloque para tocar)

- Não, mas eu estou! - a voz de Carter surgiu no ambiente e ele foi caminhando calmamente, chegando até a sala de estar. - Vou ficar magoado se disser que não aceita uma pequena substituição, Erin. - o coração de Erin acelerou e ela deixou que um som de pavor escapasse de sua garganta, pisando no penúltimo degrau. Carter parou também, cruzando os braços. Quando Erin colocou o pé para trás, percebeu que outro degrau a esperava, sendo pega de surpresa e tropeçando, caindo sentada no chão. Bethany soltou uma risada e também terminou de descer, só que com um pouco mais se classe. Erin se recuperou e apoiou as mãos no chão para levantar, limpando a poeira de suas mãos no vestido. 
- Isso é algum tipo de brincadeira? O Joseph está com vocês? JOE! - ela chamou alto, na esperança de que seu amigo aparecesse e fizesse com que aqueles dois fossem embora. 
- Não adianta chamar, querida. - Bethany se aproximou dela, fazendo um falso afago nos cabelos loiros da garota. - Ele está aqui, mas não vai te ouvir. 
- Porra, Bethany, você não deveria ter estragado a surpresa desse jeito... - Carter disse baixo, balançando a cabeça negativamente. Se afastou brevemente, indo na direção de outro cômodo vazio. Erin ouviu o barulho de algo sendo arrastado pelo chão e colocou a mão na boca para segurar um grito quando assistiu o corpo de Josephsendo arrastado até onde estavam. 
- O QUE VOCÊ FEZ COM ELE? - Fields gritou, indo na direção do corpo do amigo, prestes a chorar. Quando ela ia se abaixar e tocar em Joseph, Carter a segurou pelo braço, depositando força no pulso fino de Erin. Depois de olhá-la com intensidade, abaixou o rosto para fitar Jonas desacordado, levantando uma sobrancelha e dizendo para Bethany voltar a subir as escadas e trazer o que estava no primeiro andar. - Por favor, Carter, não faça nada conosco. - as lágrimas já escorriam pelas bochechas rosadas de Erin, que estava totalmente frágil, amedrontada. 
- Não vou fazer nada, querida. - ela sentiu um carinho em sua bochecha, livrando-lhe das lágrimas. - Não com ele, é claro. - a expressão calma e inocente de Carter desapareceu, dando lugar a uma que ela se lembrava de já ter visto enquanto assistia algum filme de suspense ou terror com seus pais. Em um impulso, puxou sua mão para trás e tentou correr até a porta, mas sentiu o desespero crescer em seu peito quando Carter já tinha passado dela e batido a porta com força, girando uma pequena chave e a jogando do lado de fora, por um burado de vidro quebrado em uma janela próxima. Erin olhou ao redor, pensando em um jeito de fugir, deparando-se com o corpo de Joseph mais uma vez. 
- Acorde! Joe, acorde! 
- Deixe o garoto dormir, quatro olhos! Ele precisa descansar e ficar pronto para o que o espera. - saltos contra o chão foram identificados novamente e Bethany surgiu segurando uma arma e uma câmera. Desceu totalmente da escada e entregou a câmera para Carter, que sorriu para ela e depois voltou a olhar para sua vítima. Erin avistou um espelho encostado em uma das paredes, que refletia o lado de fora da casa, talvez alguém pudesse passar na rua e conseguir ver ou ouvir o que estava acontecendo. 
Desesperadamente, ela começou a gritar, sendo agarrada por trás por Carter, tendo a boca tampada com a mão do garoto. Ele usou de sua violência para fazê-la dobrar as pernas e deitar no chão. Mesmo relutante, a garota não teve escolha, deixou seu corpo mole e sentiu suas costas se encontrarem com uma superfície fria. Olhou para a escada, vendo que Bethany estava sentada no meio, olhando com tédio para um revolver prateado. 
- Carter... - ela começou, engolindo o choro ao perceber que Carter estava se colocando por cima dela, brincando com a barra de seu vestido. - Carter, por favor... Não precisa ser assim, não acabe com a sua vida por isso! - Erin o olhou nos olhos, tentando encontrar alguma misecórdia por trás de toda aquela maldade. Ela nunca tinha feito nada para ele, e nunca pensaria em fazer. Por que aquilo estava acontecendo? Ela pensou em seus pais em casa, em seu quarto quentinho e livre de qualquer intenção ruim que as pessoas do lado de fora possuiam. Carter pegou a câmera e a ligou, a segurando na direção do rosto de Fields, descendo pelo seu corpo coberto pelo vestido, que tremia. 
- Agora você fica quietinha e eu te ajudo com esse pequeno... Problema. - ele tombou a cabeça para o lado, deslizando a mão que estava livre pelas canelas da garota, sentindo que a pele era macia. Aos poucos, foi levantando o vestindo e revelando mais e mais da pele branca de uma inocente. - Afinal, ninguém quer morrer virgem, não é? - uma risada masculina tomou conta de todo o recinto. Bethany, ainda na escada, revirou os olhos e cruzou os braços, bocejando e se perguntando onde poderia encontrar algo para beber. Toda aquela cena estava lhe dando sono. 
- Carter, para, por favor! Não precisa ser assim! Não precisa... - ela voltou a repetir aquelas palavras, sentindo seu corpo inteiro gelar de uma maneira ruim quando percebeu que o corpo de Carter se inclinou e ficou próximo ao seu. Soltou um som de agonia com a boca quando os lábios frios do garoto se encostaram em seu pescoço, até que ele foi subindo com alguns beijos e tentou beijá-la na boca. Um grito de horror saiu a garganta de Erin, que sentiu sua perna ser apertada com força pela mão dele, sem piedade. 
- Não precisa? Ah, precisa sim, minha doce Fields... Olhe para o seu amiguinho... - ele levantou o tronco, filmando o corpo de Joseph que estava próximo. - Ele tem algo que me pertence, algo que eu não consigo recuperar... Mas sou persistente, não se preocupe, luto pelo que eu quero. 
Os olhares dos dois se encontraram mais uma vez, mas Carter desviou. Algo nos olhos azulados da garota loira lhe causaram uma estranha sensação de fraqueza, como se ela conseguisse expor o que ele realmente sentia por dentro. Ninguém jamais poderia saber, aquele era um fardo que ele carregaria sozinho. E ao pensar em tudo aquilo, ele sentiu a raiva borbulhar dentro de si, segurando com força na parte de baixo do vestido de Fields, provocando um rasgo. A garota chorava descontroladamente, desejando poder acordar do que deveria ser um pesadelo. Ela lutava contra Carter, virava o rosto porque não queria sentir aqueles lábios frios e asquerosos contra os seus. Continuava a procurar desesperadamente por algum movimento no corpo de seu amigo Joseph, repetindo diversas e diversas vezes a palavra "Ajuda". 
De repente, Carter pareceu perder o foco de tudo que estava fazendo e adotou um olhar perdido, deixando que a câmera ficasse frouxa em suas mãos, registrando apenas o chão velho. Erin observou tudo aquilo, encontrando uma oportunidade uma oportunidade... 
Ela fez força com as pernas e levantou os dois braços, empurrando o corpo de Carter para trás, com toda a força que conseguiu juntar. Impulsionou-se para trás, obrigando as pernas a se levantarem. Talvez existisse uma saída nos fundos e ela pudesse fugir, para então buscar ajuda e salvar Joseph também. Tudo passava rapidamente em sua visão, transformando-se em borrões escuros, porém coloridos. Seus ouvidos identificaram o barulho da câmera caindo no chão, misturando-se com o som assustador que saiu pela garganta de Carter, como um monstro. Ela tentou correr para o outro lado, quase tropeçando no corpo de Joseph. Viu seu reflexo apavorado no espelho e então voltou a gritar de dor, tendo os cabelos puxados por um mão. Carter a puxou para mais perto, colocando o corpo dela na frente do seu, não soltando seu cabelo. O aperto era poderoso e cruel, seria capaz de arrancar vários fios claros de uma vez. Fields sentiu mais lágrimas cairem e tentou se soltar novamente, balançando o corpo de uma madeira frenética, se retorcendo e soltando gritos agudos. Arfou, já sentindo o ar chegar com dificuldade aos pulmões e se surpreendeu quando, em uma de suas tentativas inúteis, conseguiu acertar o rosto de Carter com o cotovelo. Pronta para correr novamente, a sola de sua sapato escorregou em uma parte desgastada do chão e seu corpo tombou na direção do pequeno espelho na parede, chocando-se com o mesmo. Um barulho de algo sendo quebrado atingiu os ouvidos de Bethany, que assistia tudo aquilo como se estivesse contemplando o último lançamento do cinema. Erin gemeu de dor, enxergando o sangue em seu braço e vestido. O espelho tinha se quebrado e cortado algumas regiões de seu corpo. Mas ela ainda estava acordada, consciente. Sem que Carter percebesse, pegou um dos pedaços cortantes e o escondeu, virando o corpo e fingindo se entregar. 
- Veja só o que aconteceu com você... - o garoto voltou a se aproximar, rindo da situação da garota. O sangue de um corte profundo escorria de um de seus braços, mas ela engoliu as lágrimas e mentalizou que aquela dor não existia. Quando Carter se aproximou para puxá-la mais uma vez, Fields fez um movimento rápido e enfiou o pedaço de espelho no braço do garoto, que grunhiu e gritou de cor, caindo no chão. Então, os olhos de Erin focaram a porta a sua frente. Se esquecendo de Bethany e de todo o resto, ela correu, correu com toda a força que ainda tinha... Daria um jeito de abrir aquela porta, quebraria a maçaneta ou daria um jeito de ferir Carter novamente, tudo para conseguir se safar. 
Jogado no chão, assistindo o sangue jorrar de seu braço, Carter soltou as palavras de maneira calma, como se fosse algo trivial: 
- Bethany. A arma. - Bethany segurou a arma com força, levantando o corpo. Se Erin escapasse, sua vida e a de Carter estariam arruinadas. A garota contaria a seus familiares e eles chamariam a polícia. Não, Bethany era jovem demais para permitir que uma garota sem graça como aquela arruinasse tudo que ela planejava fazer. - BETHANY, A ARMA! - Carter berrou. 
No instante seguinte, Erin parou de correr. Seus olhos se arregalaram e foi como se ela soubesse que seu tempo tinha se esgotado. 
O gatilho foi puxado, o barulho ecoou pela casa. Carter fitou tudo aquilo com um misto de emoções. Bethany deixou a arma cair no chão, embasbacada. 
O pedaço de vidro caiu da mão de Erin, chegando ao chão junto com várias gotas de sangue e os óculos da garota, que se quebraram. O corpo dela caiu de bruços. Seus olhos continuavam abertos, assustados. Seu cabelo variava entre o loiro natural e os fios tingidos com o sangue que ainda escorria pelo buraco na parte de trás de seu crânio, assim como um buraco em sua testa. A bala havia escapado por ali e atingido a parede a sua frente. Joseph permanecia apagado, como se nada ao seu redor estivesse acontecendo. 
Dos três seres ainda vivos no recinto, um deles se perguntou se realmente estava enxergando a realidade e o outro apenas começou a chorar desesperadamente, descendo as escadas abruptamente e caindo de joelhos ao lado do corpo sem vida de Erin Fields. A pobre garota que tentou enxergar bondade nas pessoas mesmo quando sabia que a dita cuja não existia. Mesmo sabendo que não adiantava mais lutar, ela lutou. Seus olhos vidrados estavam na direção do corpo de Joseph, como se a última visão que ela teve em vida fora a daquele ser que vivia de maneira tão errada, mas mesmo assim tentava seguir em frente. 
O choro de Bethany se transformou em uma lamentação baixa, ela ficava balançando o corpo de um jeito perdido e perguntando a si mesma, inúmeras vezes, por que tinha atirado. Carter se irritou com a cena que estava presenciando e mandou a dor em seu braço para o inferno, se levantando e caminhando com passos firmes até Bethany, a puxando pelo braço e obrigando a ruiva a se levantar. Suas duas mãos seguraram os braços brancos dela com força. Carter chacoalhou o corpo dela, ordenando que parasse de ser fraca. 
- Está feito, pare de ser fraca! Pare de chorar! Agora anda, me ajude a limpar a bagunça que você fez. AGORA, BETHANY! - ela fechou os olhos, se soltando dele e abaixando o corpo para pegar a câmera. Voltou a subir as escadas e trouxe uma pequena bolsa, sentando-se na escada e vestindo luvas. Retirou um pedaço de pano de dentro da bolsa e limpou toda a arma, a livrando de qualquer digital. Suas estruturas estavam mais do que abaladas. Ela tinha matado uma pessoa. 
Ao receber mais uma ordem clara de Carter, desceu as escadas novamente e, usando o pedaço de pano que limpou a arma, se ajoelhou na região em que o sangue de Carter tinha sujado o chão, limpando rapidamente. Verificou se algum outro vestígio de sangue estava por perto e levantou o rosto para observar o ferimento do adolescente ao seu lado. Já não sangrava mais, mas sua camiseta estava toda suja. 
Carter puxou o corpo de Joseph para que ficasse mais próximo de Erin, deixando os dois lado a lado. Se agaichou e olhou todo aquela estrago mais uma vez, vestindo uma luva também e puxando sem dó alguns fios de cabelo da morta. Os colocou por entre os dedos de Joseph, assim como a arma em sua outra mão. Tomou um pequeno frasco das mãos de Bethany e o abriu, jogando o objeto de plástico no chão, derrubando vários dos comprimidos. 
Belo casal, não acha? - ele comentou, sombriamente. 


23h52

Carter e Bethany foram para os fundos da casa e ele tirou um celular de dentro da pequena bolsa que ela tinha levado, o estendeu para que Bethany o pegasse e completasse a última parte do plano. Ela estava com medo que ele voltasse a gritar, ainda conseguia ouvir as ordens altas e claras dele ecoando em sua mente. As imagens do assassinato passavam como um filme de horror por seus olhos, quando ela levantava o rosto para soltar a fumaça do cigarro que fumava. Como se aquilo fosse capaz de acalmá-la. 
- Agora seja uma boa atriz e ligue para o Austin. Aliás, como conseguiu o número de um policial? - ele levantou uma sobrancelha e riu maliciosamente. 
- T-tenho uma amiga que conhece o f-filho dele, o Caleb... P-pedi para essa amiga ir até o restaurante que o Caleb trabalha e dar um j-jeito de conseguir o n-numero. 
- Sabe o que dizer, não sabe? - vendo que a garota estava abalada demais, ele tomou o celular de suas mãos e discou os números, entregando novamente o aparelho para ela. Bethany levou o celular até o ouvido e mordeu o lábio, fechando os olhos e batendo o pé impacientemente contra o chão. Precisava se livrar daquele pensamento, precisava esquecer o que tinha feito. Precisava agir friamente, exatamente como Carter estava fazendo. 
Kyle Austin atendeu. 
- Alô? Policial Austin? Por favor, faça alguma coisa! Escutei um tiro e gritos próximos da minha casa... - Carter sorriu ao ouvir tudo aquilo. - Estou assustada! Não sei o que aconteceu... 
Ela passou o endereço para Kyle e desligou. Carter pegou o aparelho e o jogou na grama, pisando em cima até deixá-lo em pedaços. Segurou o queixo de Bethany. 
- Sorria para mim, Beth. Sorria agora! - ela fingiu sorrir, sendo forçada a beijá-lo nos lábios. Os dois olharam ao redor e correram até o muro da parte de trás da casa, passando por uma pequena abertura e indo até o carro estacionando em uma distância segura. 
Dentro do veículo, Carter acelerou e saiu cantando pneus. Bethany encostou a cabeça na janela e olhou para a casa mais uma vez. 

Fim do flashback.


Demetria's P.O.V

Se eu tivesse que definir tudo que estava sentindo em palavras, precisaria escrever durante muito tempo. E, provavelmente, minhas lágrimas caíriam sobre a folha, me obrigando a arrancá-la e começar tudo de novo em outra. Mas talvez eu nunca encontrasse as palavras certas. O sentimento de impotência era tão cruel, que me fazia querer deitar meu corpo naquela cama, fechar os olhos e tentar esquecer de tudo, me livrar daquele mundo. Não sabia explicar por que toda aquela história me tocou de um jeito tão forte, mas sabia que respirar dentro daquele quarto estava se tornando cada vez mais difícil. Eu sentia como se meus olhos fossem explodir a qualquer momento, tamanha era a ardência que se instalava pelo local, formando várias e várias lágrimas que eu deixava cair naturalmente. O que fizeram com Erin foi totalmente desumano... A garota parecia inofensiva, eu me lembrava de quando Joseph tinha me contato alguns fatos sobre ela. Como era boa, gentil, pura. 
Eu sentia como se garras envolvessem meu coração e o esmagassem aos poucos, só para prolongar a dor no peito. Tudo que meu Joseph teve que passar, tudo que ainda estava passando... Eu queria sentir raiva e descontar em Carter, matá-lo com as minhas próprias mãos, mas estava fraca demais. Desolada e perdida demais. 
- Você... - comecei, sem coragem de terminar. - Você mandou a Bethany atirar. - conclui, abaixando meu rosto para não ter de olhá-lo. Eu sabia que ele estava me olhando enquanto contava aquela história, mas em momento algum me permiti levantar o rosto e encará-lo nos olhos. Quem disse que a verdade doía, não estava mentindo. 
- O que você queria que eu fizesse? Deixasse ela fugir e nos entregar? Eu sou maluco, não estúpido! 
- Vocês eram adolescentes. Tudo poderia ter sido resolvido de um jeito mais fácil... A garota não tinha lhe feito nada, Carter! - limpei uma lágrima com as costas da mão, respirando fundo. - Como pôde ser esse monstro? 
- Eu não fiz o que pretendia fazer com ela, Demetria. - seu tom de voz deveria ser intimidador, mas não era. Ele soltava as palavras de forma calma, como se aquela fosse uma leve confissão. Uma conversa pacífica entre dois amigos. - Eu não violentei a garota, ela lutou contra isso. Conseguiu fugir de mim. 
- Não importa... Ela está morta! 
- E Bethany também... Não é o que dizem? Tudo vai que vai, volta. - me levantei da cama, virando o corpo e ficando de frente para Carter. Ele não se moveu, apenas mudou o olhar de direção e acompanhou meus movimentos incertos e assustados. 
- A Bethany morreu? - arregalei os olhos. 
- Ah, você não sabia? Ela virou churrasquinho em um acidente de carro um dia desses. Lamentável. - ele desviou a atenção de nossa conversa por um instante e se afastou um pouco de mim, se livrando de sua jaqueta e erguendo a manga da blusa que usava por baixo. Quando toda a extensão tatuada do braço direito entrou em foco, ele o levantou um pouco e procurou por alguma coisa entre todos aqueles desenhos estranhos. Carter aproximou o braço, insinuando que queria que eu olhasse alguma coisa. A princípio, não vi nada identificável, mas depois de olhar um pouco melhor, constatei que o rosto de Erin estava tatuado naquela região. - Foi exatamente nesse local que ela me feriu com o pedaço do espelho. 
- Como uma pessoa tão jovem pôde ser capaz de tal ato? Por quê? Só me diga por quê. - praticamente implorei, aflita por uma explicação melhor. 
- Você não faz ideia de como são as coisas dentro da minha cabeça... Joseph roubou a minha única chance de ter uma vida melhor. - Carter levantou o rosto, deixando que os primeiros vislumbres de raiva surgissem em sua face. - Joseph roubou a Margo de mim! Eu precisava me vingar, precisava tornar a vida dele um inferno... Mas tudo foi por água abaixo quando fiquei sabendo que Jonas não estava preso, e que, com certeza, Austin estava envolvido no sumiço do corpo da garota, porque cartazes e mais cartazes de "procura-se" surgiram. E então, vários anos mais tarde, eu tive a chance de reacender a chama daquela vingança, Demetria. - lentamente, o corpo de Carter se levantou, me fazendo recuar e olhar para trás, procurando alguma saída. - Eu pensava comigo mesmo: se Joseph tirou o que mais era importante para mim, eu poderia tirar o que mais era importante para ele. - como se fosse algo extremamente frívolo, ele deu de ombros e deu um passo em minha direção. 
- Por que você matou o Jared? Nem o conhecia... - só a possibilidade de ter todas as memórias de meu amigo já faziam minhas pernas fraquejarem. Eu era totalmente fraca quando se tratava do sofrimento de quem eu amava. Imaginar que um corpo apodrecendo estava em baixo da terra, ao invés de um homem vivo e feliz porque seria pai, fazia com que eu me sentisse simplesmente nada. 
- Eu não sei por que matei aquele homem. Nem sequer sei o que ainda faço vivo, então... - eu o cortei. 
- Eu li o que está escrito naquele caderno, sei que foi você que escreveu todas aquelas palavras. Você provou que ainda tem sua humanidade, eu imploro que tente usá-la por pelo menos um segundo e entenda que essa situação não pode continuar assim. - tinha consciência de que meu estado era deplorável, digno de condolência. Não me importava em parecer uma fraca desesperada na frente dele, porque era exatamente daquele jeito que eu me sentia. 
- Espero que tenha lido a parte em que eu deixo bem claro que já tentei me matar. Mas nem isso eu consegui fazer, nem isso! Demetria, esse é o meu jeito de expulsar toda a mágoa que eu carrego por dentro. Eu não sou uma pessoa boa e nunca vou ser, não tente encontrar algo bom em mim, porque você não vai conseguir. Para algumas pessoas, uma segunda chance simplesmente não existe. Elas não merecem, mesmo que tentem provar o contrário. 
Não sabia o por que de ter começado a dizer aquelas palavras, mas fui até o fim: 
- Uma vez eu levei um tiro e quase morri. Meu coração parou de bater por um pequeno espaço de tempo... E até hoje eu me pergunto se as coisas estariam melhores se ele não tivesse voltado a bater. 
- Por favor, pare de ser patética... Você não arruinou a própria vida! - ele replicou, as veias de seu pescoço estavam alteradas. Seu rosto ficando vermelho aos poucos. - Não aja como se entendesse o que acontece comigo, porque você não entende. Você tem pessoas que a amam, que fariam tudo por você... Tem a opção de seguir em frente. - me assustei quando suas duas mãos seguraram meus ombros com força, forçando-me a encará-lo de frente. - Sabe o que eu tenho? Tormento, trevas... 
- Minha cabeça está uma bagunça, eu machuquei pessoas que amo, olho para você e não posso fazer nada para ajudar... 
- PARE DE TENTAR ME AJUDAR, PORRA! - ele gritou, me assustando, se transformando em outra pessoa subitamente. - Ainda não ficou claro? Por que você acha que eu te contei tudo isso? Eu voumatar você, Demetria... Eu vou tentar não fazer isso, mas eu vou fazer, porque foi exatamente assim que as coisas aconteceram com o seu amigo Jared. Eu tento controlar, eu me torno um desgraçado masoquista e tento segurar a dor por dentro, mas ela escapa... - eu sentia que seus dedos poderiam perfurar a pele dos meus ombros a qualquer momento. Seu olhar era evasivo, como se ele tentasse esconder o que realmente estava se passando em seu interior. - Não é assim que acontece nos filmes? O assassino conta tudo para sua última vítima, e depois se livra dela. 

(n/a: Coloque para tocar)

De repente, toda a capacidade que ele tinha de demonstrar algum tipo de humanidade desvaneceu, se tornando novamente o monstro que eu estava acostumada a ver. Então, ele me mataria... E eu não duvidava de sua capacidade. Como poderia correr com aquelas mãos fortes me segurando? 
Era como se os olhos verdes soltassem faíscas que poderiam me ferir a qualquer momento. Suas mãos largaram meus ombros, apenas para que ele tomasse fôlego e se colocasse atrás de mim, tapando minha boca com força. Meu corpo foi puxado por trás e eu segurava em seu braço, tentando fazê-lo parar de qualquer maneira. Meu corpo foi praticamente arrastado para fora do quarto e meus olhos se fecharam em reflexo quando a porta bateu violentamente. Carter caminhava comigo pelo corredor escuro, até que eu mordi sua mão, arrancando um grunhido do homem, que me largou na hora. Ele olhou para a própria mão e voltou a se aproximar, chocando meu corpo contra a parede. Compartilhámos um olhar de ódio, que escondia um pedido de socorro mútuo. Ele trincou os dentes e com a mão que estava livre, apertou minha mão e em seguida segurou meu pulso, o torcendo para o lado. Senti a dor no local aparecer e tentei gritar, tendo a boca impedida novamente por sua mão. Agonizei por dentro, tendo a certeza de que ele estava prestes a quebrar aquele osso. 
- Diga que eu sou bom agora... DIGA QUE EU SOU BOM AGORA! - ele retirou a mão que tapava minha boca e soltou meu pulso, puxando meu cabelo, prestes a voltar a caminhar pelo corredor. Segurei em seu rosto, tentando obrigá-lo a me soltar, trincando os dentes do mesmo jeito que ele tinha feito antes. Era como se nossos rostos adquirissem expressões parecidas, raiva e sentimentos semelhantes. 
- Você não quer fazer isso! - ignorei a dor que estava sentindo por meu cabelo estar sendo puxado e fiz ele parar de andar mais uma vez, tendo o corpo jogado na parede de novo. - VOCÊ NÃO QUER FAZER ISSO! - gritei, soltando as palavras de um jeito pausado, olhando fundo em seus olhos. Carter abriu uma porta e nos colocou para dentro, jogando meu corpo no chão. Gemi de dor, levantando a cabeça e tentando arrastar me arrastar até a direção de uma banheira, mas ele foi mais rápido e, após trancar a porta, veio até mim e me obrigou a levantar, fazendo pressão na região do meu pulso, onde tinha feito questão de torcer. Voltei a gritar de dor, sendo praticamente carregada nos braços. 
- Me diga, por que acha que vai conseguir escapar de mim? Você é apenas uma fraca que tenta enganar os outros, se fazendo de forte. Onde está sua força agora, Demetria? - ele colocou um pé dentro da banheira e colocou meu corpo de qualquer jeito alí, se levantando e ligando o chuveiro que estava em cima. Fechei os olhos ao sentir a água cair justamente em meu rosto e tentei mover os braços e as pernas, sentindo o peso do corpo dele ficar sobre o meu. 
Duas mãos seguraram meu pescoço. 
- Eu... Eu não sou fraca... - eu tentava falar, mesmo sabendo que minha voz sairia sufocada demais. A água fria do chuveiro caia sobre nossos corpos. Os cabelos de Carter não estavam mais arrepiados, caiam por sua testa. Eu engasguei, virando o rosto na intenção de protegê-lo dos gatos de água que tentavam me afogar. Ele fez força e empurrou minha cabeça para baixo, quase a cobrindo com a água que já enchia a banheira. Tentei pedir por socorro, fazer força ou simplesmente convencê-lo com o olhar de que não tinha que fazer nada daquilo comigo. 
Eu faria tudo aquilo se o ar não estivesse começando a faltar. 
- Eu vou te matar, olharei em seus olhos enquanto estiver perdendo a vida... Sabe por quê? Porque é isso que as pessoas esperam que eu faça! - Carter cuspia as palavras, com o corpo totalmente ensopado. No mesmo isntante, eu comecei a me sentir entorpecida. Carter voltou a afundar minha cabeça na água, soltando um poucos as mãos de meu pescoço e em seguida voltando a me puxar para cima. 
- Decida se vai me enforcar ou me afogar... - arrisquei as palavras, me conformando que não conseguiria escapar do que ele fazia comigo. Mas o que realmente importava era que Scarlett e Caleb conseguiriam encontrar a câmera e Joseph ficaria livre. Eu era a distração de Carter, o ser humano que ele não se importaria em matar. Talvez eu estivesse errada todo aquele tempo por realmente procurar algo de bom em todas as pessoas. A cruel e escura realidade já envolvia meu corpo, enquanto meu pescoço era apertado como se fosse uma folha de papel sendo amassada. Joseph não se conformaria com a minha morte, mas era o preço que eu precisava pagar. 
- As duas coisas, sweetheart. - já com os olhos fechados, apenas esperando, ouvi a voz de Carter bem baixa e distante. Minha cabeça se chocou com alguma coisa e uma tontura descontrolada me atingiu, amolecendo todo o meu corpo. 

/Demetria's P.O.V

O corpo de Demetria parou de se mover e seus músculos relaxaram. Carter estranhou quando os olhos dela não se abriram mais e a pressão que ela fazia com os dedos em seu braço desapareceu. Ainda sentindo a água fria lavar seu corpo, ele soltou o pescoço da mulher e a segurou pelos braços, enrugando a testa e estreitando os olhos. Ao segurá-la e puxá-la para cima, levou sua mão até a parte da trás da cabeça dela. Assim que seus dedos abandonaram o local e ele os fitou, sentiu como se seu corpo sofresse um impacto ao ver o sangue. Estava sendo tão violento e descontrolado que fez com que a cabeça de Demetria batesse na beirada dura da banheira. O sangue dela já sujava minimamente a água. 
Demetria... - Carter chamou, olhando intensamente para seu rosto, jogando o corpo do outro lado da banheira e puxando o corpo de Demetria na mesma direção. Enquanto a segurava com veemência, passou a mão pela região ferida da cabeça dela mais uma vez, balançando a própria cabeça negativamente inúmeras e inúmeras vezes, inconformado. - Demetria, não... ACORDE, AGORA! - ele gritava para ela, como se Demetria pudesse ouvir. Tratou de abraçar o corpo frágil dela com mais força, achando que assim a faria se libertar da escuridão em que estava. - Não, por favor, você não pode morrer... - pegou um pouco da água que estava na banheira e passou no rosto dela, fritando seus neurônios para conseguir pensar em um jeito de trazê-la de volta. - Eu não queria te matar, eu não queria... - a cabeça de Carter latejou e as vozes altas e confusas começaram a gritar dentro de sua mente. - ACORDE! - Carter começou a chorar descontroladamente, pressionando o corpo de Demetria contra o seu, querendo aquecê-la. Se lembrou de todas as coisas pecaminosas que se permitiu pensar daquele ser, de todo o mal que planejou fazer com ela. De como queria ouvi-la gritar e ter a certeza de que estava sentindo dor. Mas nenhum daqueles desejos obscuros teve importância naquele momento, porque ele simplesmente não podia aceitar que a única pessoa que poderia ajudá-lo estava morta. 
Demetria, abra os olhos, abra os olhos. - ele voltou a dizer, desesperado. Balançava o corpo de Demetria como se ela fosse uma boneca de pano, livre de sentir qualquer tipo de dor. - PORRA, NÃO FAZ ISSO COMIGO! - ele teve que segurar a cabeça com uma das mãos, não suportando mais a forma como latejava. - Será que você não entende que eu fiz tudo isso para que você tentasse me parar? - ele fungou. Não tinha como definir o que era água e o que eram lágrimas em seu rosto. Estava em um total estado de loucura, impossibilitado de soltar o corpo de Demetria. Tudo era uma grande bagunça, um grande erro. - Eu provoco as pessoas e as ameaço, na esperança inútil de que eles se irritem o suficiente para acabar comigo. Eu preciso disso! - Carter confessava para o corpo em seu braços, aproximando os lábios da testa da mulher, os grudando na pele molhada. Sentia algo nela, algo que lhe trazia uma estranha paz. Não o amor que um homem sente por uma mulher, mas talvez um sentimento de irmão para irmã. - DEMETRIA! - gritou o nome por uma última vez, não aguentando mais e soltando o corpo, deixando que ele voltasse para a água. Demetria ficou com todo o corpo submerso, apenas com a cabeça encostada na perna de Carter, de maneira que, se ainda estivesse viva, não se afogaria. Ele chorava em alto e bom som, com um desespero que destroçaria o coração de qualquer pessoa com sentimentos bons que o visse. 
Demetria era como Erin, ela insistia em lutar pelo lado bom das pessoas. Carter queria que ela encontrasse um lado bom nele também, ou que simplesmente tirasse sua vida. Se alguma pessoa deveria matá-lo, era ela. Mas ao pensar que a mulher estava morta, as esperanças sumiram novamente. Nada escrito naquele caderno importava mais, o estranho sonho que teve de como deveria ser sua vida não importava mais. Ele acreditava que tudo estava perdido de vez, porque teve a coragem de matar a única pessoa que ainda poderia fazer alguma coisa. Ele matou suas próprias chances, seu recomeço. Acabou com a própria vida antes mesmo de morrer. 
Olhou para o lado, enxergando uma prateleira branca com alguns objetos. Em meio a todos eles, avistou uma estilete de tamanho médio. Após olhar para o rosto calmo de Demetria mais uma vez, ele ergueu o corpo em direção a prateleira. O segurou com firmeza e voltou a se jogar na água, trazendo Demetria para perto outra vez. A deixou com a cabeça apoiada em seu peito e acariciou levemente a região que já havia parado de sangrar de seu crânio. Quanto mal tinha feito àquela inocente. Matou seu amigo, tratou de transformar a vida de seu marido em um inferno. E como ela era corajosa por estar fazendo tudo aquilo por ele, para livrá-lo. Ela entregou sua vida nas mãos de um monstro por amor. Ah, ele era capaz de entendê-la, porque faria qualquer coisa para ter uma chance como aquela. Chance de manter um amor tão forte e arrebatador... Se pelo menos Margo ainda estivesse viva. 
Em mente, teve a cena em que cortava a garganta de Jared, olhando para o estilete e o levando até a região de seu pescoço. Merecia morrer do mesmo jeito que Jared, e também merecia pagar por todas as coisas ruins que causou na vida de todas aquelas pessoas. Se Demetria não podia fazer mais nada para impedi-lo, ele mesmo se impediria de continuar a viver. De um jeito desajeitado ele ergueu a manga de sua camiseta e levou o estilete até seu braço, praticamente socando a lâmina contra sua pele, perfurando e fazendo um corte fundo. Não gritou de dor, queria senti-la, precisava senti-la. 
O sangue escorreu por seu braço, caindo na banheira e se misturando com a água avermelhada. O sangue de meio-irmãos entrou em contato, tornando-se um só. 
Satisfeito com a dor que tinha provado em si mesmo, ele levou a lâmina até a parte superior de seu corpo, sentindo o material gelado entrar em contato com a pele de seu pescoço. Carter respirou fundo, se preparando para aprofundar o contato, passando o dedo da outra mão pelo rosto de Demetria. 


- Espera! Espera! Só um segundo... - Scarlett espalmou as mãos no peito de Caleb. Fechou os olhos e em seguida soltou um longo suspiro, subindo as mãos e envolvendo os ombros dele na forma de um abraço. Quando percebeu que os dois corpos não estavam mais únidos, ela soltou um risinho baixo e beijou a orelha dele, que ainda continuava imóvel, apenas com as mãos segurando sua cintura. Eles se afastaram um pouco para que um olhar coberto de cumplicidade fosse trocado. Não fazia muito sentido o que tinha acabado de acontecer, mas os dois não se importaram. 
Onze minutos. - ele disse de maneira baixa, franzindo o cenho. As respirações já se regularizavam. Depois que se ajeitaram, vestiram totalmente suas roupas um pouco amassadas e se recuperaram, Scarlett parou para pensar no que ele tinha dito. Voltou a se colocar em sua frente e cruzou os braços, com a típica pose de durona. 
- Você cronometrou? - ela perguntou, se fingindo de aborrecida. 
- Não, mas sou bom com o tempo... - Caleb concluiu, mordendo o lábio inferior. A mulher a sua frente balançou a cabeça e deu as costas para ele, voltando a procurar. Ah, é claro que ela não comentaria nada do que havia acabado de acontecer. E ele também não diria mais nada, seria melhor se ficasse apenas em pensamento. 
- Pois é, meu amigo, certas pessoas têm a sorte de serem boas em mais de uma coisa. - a voz determinada dela o pegou de surpresa. Caleb parou de fazer qualquer outra coisa que estava fazendo e observou o balanço do cabelo de Scarlett enquanto ela se movia rapidamente. - Mas, olha só, nem pensar nessa babaquice de desviar olhares e desconversar sobre isso que acabou de acontecer, ok? Somos adultos, não precisa ser algo complexo ou sei lá. 
- Usando a palavra "isso" - ele fez aspas com os dedos. - Você quis dizer sexo, não? - Scarlett mordeu a língua e se xingou baixinho. 
- É, exatamente... Sexo! - exclamou, pisando no tapete e sentindo que um revelo - que não deveria estar ali - esbarrar em seu pé. Estranhando, ela se abaixou e fez um gesto com a mão para que Caleb também se aproximasse. Eles afastaram o tapete e o empurraram para o canto do porão, descobrindo algo exageradamente útil: um compartimento de formato retangular no chão de madeira, que estava protegido com um cadeado com segredo. - Então, nerd, como se abre um cofre? - ela olhou para Caleb, que encarava o cadeado com uma expressão indecifrável. Se lembrou de quando tinha abrido o cofre no escritório de seu pai e encontrado o endereço onde o corpo de Erin estava enterrado. Ele segurou o pequeno objeto de material dourado e resistente, imaginando que, do mesmo jeito que encontrou a primeira pista para a solução de um crime, encontraria a última. Rapidamente começou a tentar algumas combinação que vinham em sua cabeça, números simples como 1, 2, 3, 4 ou de maneira invertida, não obtendo sucesso. 
- Você é uma agente, vou ficar pasmo se me disser que não sabe. 
- Talvez sim, talvez não... Mas eu quero que você faça isso. - ela olhou para as unhas. 
- Não é tão fácil assim, e eu não trouxe nada para me ajudar. - Caleb disse, desanimado. 
- Obrigada por me chamar de inútil, Caleb Austin! - Scarlett se levantou e pegou uma das gavetas do armário, voltando ao lugar de antes e se preparando para acertá-la bem na direção do cadeado. - Você me trouxe... Isso é tudo que vai precisar. - acertou o local em cheio, fazendo um barulho alto. Os dois olharam para a porta, se perguntando como Demetria deveria estar. Não identificaram nenhum barulho, então supostamente ela estava bem. 
- Você sabe que eu não quis dizer isso, Karlie Russell. - ele tomou a gaveta das mãos dela. Scarlett arregalou os olhos, sentindo calafrios ao ouvir aquele nome. Não suportava ouvi-lo, não gostava que a chamassem daquele jeito, mas não conseguiu sentir raiva quando a voz de Caleb o pronunciou. Tinha contado seu passado de uma maneira resumida para ele, porque simplesmente confiava no homem. Um pouco aérea, ela se assustou um pouco quando ouviu o barulho da gaveta se chocando contra o cadeado. Várias e várias vezes. A força que Caleb utilizada para tentar quebrá-lo era surpreendente. 
- Hey, super homem disfarçado... Calma, você vai se machucar! - ele não prestou atenção no que ela estava dizendo, apenas continuou a acertar a gaveta naquela mesma direção. Sua respiração já estava acelerada e os músculos de seus braços estranhavam todo o esforço, mas finalmente o plano improvisado pareceu dar certo. Um pedaço do cadeado foi jogado para longe e o restante escorregou da trava do compartimento, possibilitando que eles o abrissem. Caleb olhou para Scarlett com um olhar presunçoso e depois sorriu levemente. Os dois fizeram um breve high five em comemoração e riram. - Então, é agora que descobrimos se tudo isso valeu a pena... - ela disse, puxando a trava e abrindo o pequeno pedaço da madeira, enxergando um espaço escuro e um pouco fundo, que guardava algo enrolado em um pedaço de tecido escuro. O segurou com determinação e trouxe para cima, puxando o pano. - Conseguimos! - ela disse alto, olhando surpresa para a câmera. A entregou para Caleb e percebeu que um pedaço de papel dobrado estava no canto do compartimento, escondido. O pegou e esperou que Caleb conseguisse ligar a câmera e verificar se a tal fita estava lá dentro. Scarlett quase pulou de alegria quando se deu conta de que o vídeo que se iniciava era o mesmo que Carter tinha lhe mostrado. 
- O que é isso? - Caleb apontou para o papel que ela estava segurando, enquanto a gravação com as cenas que devolveriam a liberdade de Joseph era exibida na pequena tela empoeirada. Scar abriu o papel e percebeu que se tratava de uma espécie de carta. O homem ao seu lado esperou pacientemente enquanto ela lia cuidadosamente cada linha, mudando de expressão com o passar do tempo. A satisfação por ter encontrado a câmera desapareceu e ela sentiu um nó na garganta, olhando tristemente para Caleb, que pegou o papel de suas mãos e começou a ler. Os dois se fitaram novamente. 
- Eu... Eu não sabia. - Scarlett tentou esconder quando uma lágrima ameaçou escorrer por seu rosto. 


Demetria's P.O.V

Reconheci aquele corredor. Quanto mais andava, mais me dava conta de que não poderia ser algo real, mas será que eu estava morta ou sonhando? Abaixei o rosto para olhar meu corpo e percebi que estava usando uma roupa da época em que eu era simplesmente a secretária de Joseph Jonas. O lugar por onde eu caminhava era o hotel em Los Angels. Mas eu sabia de tudo que tinha acontecido, me lembrava de estar perdendo a vida aos poucos em uma banheira... Me lembrava também de ouvir o choro de Carter, mesmo não conseguindo enxergar a cena.
O corredor do hotel era bem iluminado e silencioso, parecia vazio. Continuei a andar, como se alguma coisa impulsionasse meu corpo, até que cheguei ao final do corredor, perto de um elevador. Virei o rosto para checar se estava mesmo sozinha, porém, quando olhei para baixo, percebi que não estava.
Jared estava sentado no chão, com uma perna dobrada e a outra estendida, olhando para o nada. Pensativo. Senti um leve receio em me aproximar, até que ele levantou o rosto e me olhou. Após um largo sorriso, Jared apontou para o espaço vago ao seu lado. Era exatamente naquele lugar em que nós dois ficávamos conversando, quando eu ainda era a mulher sequestrada pelo chefe e ele fingia ser uma pessoa ruim.
Fui para mais perto de Jared e me sentei, esticando as pernas. Ele desencostou o corpo da parede e sugeriu que queria um abraço, e é claro que eu não recusei. Passei meus braços pelo ombros cobertos pela camisa branca, não sentindo calor algum em seu corpo. Mas não tive tempo para me sentir triste, porque, apesar de frio, seu abraço ainda era como antes.
Aquele abraço me lembrou uma brisa gélida que faz cócegas no rosto quando você abre a janela de manhã, depois de uma tempestade durante a noite.
- Jared, você faz tanta falta! - eu disse sincera, mantendo o abraço. - Sinto falta do meu amigo, aquele que sempre me chamava de maluca e ria dos meus desabafos. - Jared me soltou, voltando a se encostar à parede. Os cabelos loiros estavam do mesmo jeito de sempre, bagunçados. Ele respirou fundo, abaixando o olhar e depois voltou a me fitar.
- Por que você sente falta de algo que nunca vai deixar de estar ao seu lado, Demetria? - ele disse as palavras com um leve sorriso de canto, levando a minha vontade de chorar embora. - Não só do seu lado, mas de todos...
- Principalmente da Cassie! - ele concordou com a cabeça e parecia prestes a explodir de felicidade.
- Eu não estava muito bem... Mas quando eu soube que ela estava grávida, foi diferente. Agora eu estou bem. Mesmo.
- Cassie tem em sido muito forte, tenho orgulho dela.
- E ela tem orgulho de você, é claro. Aliás, tenho certeza que Cassie não é a única. O que você fez pelo Joe... Demetria, isso é único! - concordei com a cabeça, olhando para o corredor mais uma vez. Franzi o cenho e finalmente criei coragem para perguntar o que tanto temia.
- Jared...
- Vai me perguntar se está morta? - o loiro riu levemente, me interrompendo e negando com a cabeça. - Não, não está. Isso é só um sonho.
- Então significa que é uma ilusão, certo? Essa conversa não é real. - me entristeci.
- Não, significa que logo você vai acordar. E é claro que essa conversa é real, você não fala sozinha. Não que eu saiba. - apesar de seu jeito descontraído me contagir, a dor no peito não demorou a se apresentar.
- Sei que não é a hora mais apropriada, mas eu preciso muito de algum conselho, qualquer um... - Jared passou um braço pelo meu ombro, permitindo que eu encostasse a cabeça em seu ombro. O quão difícil era perceber que eu tinha mesmo perdido um amigo como aquele?
- Você não precisa de conselhos, sua medrosa! - o tom de voz brincalhão me tranquilizou. - Não deixe de ver as coisas do jeito que está vendo agora, faça o que tem vontade de fazer. Vai ser a coisa certa.
- Lembra quando você disse que talvez eu não tivesse nascido para levar uma vida normal? - questionei.
- Lembro... Você só não me bateu porque estávamos conversando por telefone. - dei um leve empurrão em seu braço, rindo.
- Você estava certo, infelizmente.
- Por que infelizmente? Uma vida turbulenta como a sua também pode ter suas vantagens, Demi. Ou vai ter a coragem de me dizer que no meio de tudo isso não aconteceu nenhuma coisa boa? - ele negou com a cabeça. - Não engane um morto, nós sabemos de tudo! - como ele conseguia lidar tão bem com aquilo, ao ponto de fazer piada? Aquele ato me fez sorrir mais uma vez. As portas do elevador que estava próximo de nós se abriram e Jared respirou fundo, se levantando. O acompanhei, confusa.
- Para onde ele vai me levar?
- Você sabe. - ele me abraçou mais uma vez, aproximando a boca do meu ouvido. - Vá, super heroína, você sabe o que fazer.
No instante seguinte, eu já estava dentro do elevador. Antes das portas se fecharem, Jared sorriu mais uma vez, mas sem mostrar os dentes. Fiz o mesmo e virei para o lado, descobrindo que Erin estava comigo. Seu semblante era sereno e gentil, um leve sorriso surgia nos lábios.
- Erin, eu sinto muito por tudo que aconteceu com você. - ela virou o corpo e, por ser mais baixa, levantou o rosto para me dizer as próximas palavras.
- Vocês não precisam se preocupar comigo, nem com as outras pessoas que partiram. - ela puxou minha mão, a segurança firmemente. Não entendendo muito bem aquele gesto, continuei a escutá-la. - Nós estamos bem! Vocês podem seguir em frente, porque merecem.
- O que o Carter fez foi... - ela soltou minha mão, negando com o rosto.
- Demetria, guardar mágoas não fazia parte de mim enquanto estava viva, muito menos agora. Carter errou muito e eu tenho certeza que está pagando por todos esses erros. Mas, mudando de assunto, eu estou feliz porque você entrou na vida do Joseph. Ele vivia dizendo que ninguém nunca conseguiria mudá-lo... Idiota! - ela riu. - Você conseguiu. - antes que eu pudesse agradecê-la por todas as aquelas palavras, tudo ficou escuro. Os únicos dois sons que consegui identificar foram um choro baixo e água caindo.



Abri os olhos, enxergando tudo de maneira desfocada. Todo o meu corpo estava molhado, me fazendo sentir frio. Algo na parte de trás da minha cabeça doía um pouco, mas não foi nada daquilo que me chamou a atenção. Assim que tentei mexer a cabeça, olhei para cima e percebi que Carter estava com uma mão apoiada em meu ombro e a outra segurava alguma coisa. Fechei e abri os olhos várias vezes, tentando estabilizar minha visão. Carter estava chorando, totalmente desolado. Seja lá o que ele estava segurando, era apontado para a região de seu pescoço, mas sua mão tremia tanto que ele não conseguia guiar o objeto na direção que queria. Com um pouco de esforço, ergui meu braço e escutei um leve resmungo escapar de minha garganta. Carter pareceu se assustar e me olhou com os olhos arregalados quando meus dedos tocaram o estilete. Tentei segurá-lo e tirá-lo de sua mão, balançando a cabeça negativamente, mesmo que doesse. 
- Não faça isso... - sussurrei, tendo a leve lembrança de sonho que havia tido com Jared e Erin. - Carter... - o chamei, esperando que ele tivesse outra reação a não ser ficar me olhando com aquela cara de assustado. Ele jogou o estilete do outro lado do banheiro e segurou meus ombros, os puxando para cima, querendo que eu me levantasse. Tentei ajudá-lo com aquele feito, mesmo sabendo que a tontura e as pontadas na cabeça me receberiam assim que eu ficasse sentada. 
- Eu pensei que você estava morta... - ele tirou as mãos de mim e eu tentei ficar com a cabeça erguida, segurando com um pouco de força nas bordas da banheira. Tombei a cabeça para o lado e observei um Carter totalmente encharcado se levantar da banheira e me ajudar mais uma vez a sair dalí. - Fale comigo! Me desculpe! - ele dizia afobado, enquanto eu tentava colocar uma perna para fora, já conseguindo sentir uma melhora significativa na tontura e na dor. Quando eu estava totalmente para fora da banheira, Carter continuava a me segurar pelos ombros, pra que eu não caísse. 
- Você não vai conseguir me matar, sabia? - comentei, segurança a cabeça com uma mão e tentando rir. - Porque não é isso que realmente quer. - fiz um gesto com as mãos que pedia para ele me soltar, porque já estava em condições de ficar em pé sozinha. Carter me largou e se afastou um pouco, fechando os olhos e respirando fundo. - Carter, você é mais forte do que isso. Lute, eu sei que você pode. 
- Como pode ter tanta certeza? Você nem me conhece... 
- Estou errada em achar que você não queria me matar? 
- Não. Mas eu não posso continuar assim, preciso que alguém coloque um ponto final na minha vida. - dei um passo hesitante, me aproximando dele. - Eu não quero machucar mais ninguém. - talvez aquela não fosse a decisão mais certa a se tomar, mas eu conseguia enxergar o desespero e o pesar no rosto daquele homem. Não, a raiva que eu sentia dele não tinha desaparecido, mas eu jamais poderia tentar lutar contra a minha mania de esperar o melhor das pessoas. Era um pouco tarde para deixar de ser daquele jeito... E, talvez, Carter precisasse de ajuda. Não de levar um tiro e perder a vida, mas sim de uma real ajuda. Alguém que enxergasse o que estava escondido atrás de toda aquela parede anti-sentimentos que ele construiu. Apesar de seu corpo estar relutante com a minha aproximação, seus olhos verdes pediam ajuda, estavam marejados. Desajeitadamente, eu tentei abraçá-lo, sentindo um ligeiro medo. Ele ficou imóvel, chocado. Quando consegui passar meus braços totalmente pelos ombros do homem, senti uma de suas mãos se colocar em minhas costas, estava correspondendo. 
- Me escute: eu posso te ajudar. Mas somente se você realmente quiser isso. Me responda, Carter, quer se livrar disso que se tornou? - eu ainda estava fraca, ele poderia tentar me matar por uma terceira vez se quisesse. E durante aquele abraço leve, eu realmente esperei por uma tentativa. Mas ele não fez nada, só apertou um pouco mais as mãos em minhas costas, demonstrando que estava precisando de um abraço. Quem poderia imaginar quando aquele homem foi abraçado por alguém? 
Que me julgassem, questionassem minha decisão, mas uma voz em minha cabeça dizia que aquela era a coisa certa a se fazer. 
- Quero, mais do que tudo. 
- Então vamos sair daqui... Por favor, não tenha medo do que te espera lá fora, ok? Nós vamos achar um jeito de provar que você não é apenas um cara que se diverte ao fazer mal às pessoas. Vamos provar que tem algo de errado acontecendo, que você precisa de ajuda médica. Me ouviu? - ele concordou. 
Carter abriu a porta do banheiro e passou por ela sem me esperar, tentei acompanhá-lo e nós dois caminhamos pelo corredor. Quando as escadas apareceram, ele de dispôs a me ajudar a descer. Será que Scarlett e Caleb já teriam conseguido encontrar a fita? Será que Carter pensava que tudo que eu disse para ele no banheiro não passava de uma armação? 
Na sala, ouvimos um barulho que parecia vir do outro lado da casa, provavelmente no porão. Carter se afastou de mim e correu até a janela, olhando para o lado de fora. 
- Carter, calma. - pedi, desejando ainda estar com uma lanterna. 
- NÃO! - ele gritou. - Eles não vão entender nada disso, Demetria, eles não vão me enxergar do mesmo jeito que você... - ele andava de um lado para o outro, transtornado. Eu estava certa quando cheguei a conclusão de ele precisava de ajuda. Vê-lo daquele jeito me dava pena. - Vou fugir, vou fugir e deixo você sair... - Carter tentou me segurar, mas lutei contra. 
- Pare e me escute! - segurei seu rosto com as duas mãos. - Não tenha medo, eles vão te ajudar... 
- Não, porra, não! - ele arrancou minhas mãos de seu rosto violentamente. A calma que eu sentia partiu. - Como eu vou saber se isso não se trata de uma armação? - outro barulho tomou conta da sala. Carter arregalou os olhos e correu para longe de mim. Pensei em ir a procura de Scarlett e Caleb, mas quando percebi já estava tentando correr na mesma direção de Carter, segurando nas paredes pelo caminho. Ele estava na cozinha, segurando uma faca que reluzia na escuridão. 
- Carter, o que você vai fazer com isso? - ele a colocou bem próxima de seu pescoço. 
- Não se aproxime... Acha mesmo que eu tenho algo a perder se cortar minha garganta? Não, não tenho. 
- Porra, você não me ouviu? Eu vou te ajudar! - ergui uma mão, em um sinal claro de paz. Pedindo a ele para não fazer nada inconsequente. 
- Anda, Demetria, fuja daqui e vá procurar seus amigos, peguem logo a câmera antes que seja tarde... - as duas mãos do homem tremiam de maneira frenética. Ele tentava segurar a faca com força, com o rosto molhado de lágrimas. - Eu não vou conseguir me segurar por muito tempo... SAIA DAQUI! 
- O que você está dizendo? Se segurar? - soltei um grito quando ele deu a volta na bancada e parou na minha frente, sustentando um olhar mortal. Como se tivesse a habilidade de se tornar duas pessoas diferentes, não estava mais abalado. Os cantos de seus lábios se levantaram, mas algo o fez segurar a cabeça e soltar um grunhido. Presenciei toda aquela crise com lágrimas nos olhos, perguntando aos céus quanto tempo ainda aguentaria me ver dentro de toda aquela confusão. 
Carter estendeu a faca para mim. 
- Me mate... Me mate, por favor, me mate. - ele balançava a faca, implorando para que eu a pegasse. - VOCÊ PRECISA ME MATAR ANTES QUE EU ACABE MATANDO VOCÊ! 
- EU NÃO VOU FAZER ISSO! - rebati, meu tom de voz saiu igual ao seu, alto. 
- Pegue logo essa porra dessa faca... - neguei, a empurrando para longe com cuidado. - Então não diga que eu não avisei... 
Minhas pernas automaticamente me obrigaram a correr. Eu sabia que ele estava vindo atrás de mim, pois seus passos violentos pelo chão atingiam meus ouvidos com vigor. Tentei gritar, quase escorregando ao cruzar uma das portas, me segurando com força no batente. Respirei fundo e fechei os olhos com força. Talvez eu fosse uma tola por ainda acreditar que ele tinha salvação... 

/Demetria's P.O.V


30 minutos antes...

A cela foi aberta, Joseph levantou a cabeça e franziu o cenho, se questionando mentalmente o motivo que havia trazido novamente aquele homem até sua cela. Ele não se moveu, continuou fingindo que não dava a minima para o que estava do lado de fora do lugar que vinha sendo sua casa no último mês, mantendo o semblante fechado e áspero. Arthur permaneceu com o braço encostado em uma das grades e o guarda, um pouco irritado, bateu com a chave no ferro, atraindo a atenção de Joseph novamente. Arthur ergueu uma sobrancelha e olhou para o homem de olhos verdes cansados como se algo óbvio estivesse acontecendo. 
- Não tenho todo o tempo do mundo, Jonas, saia daí de uma vez! - Arthur exclamou. Aquilo estava mesmo acontecendo ou não passava de mais um sonho louco? Talvez, se Joseph se levantasse, algo inesperado e terrível poderia acontecer. Passar pouco mais de um mês dentro daquele lugar foi algo que fez com que ele desconfiasse de tudo. Pelo menos enquanto estivesse alí. 
- Não entendo... - Joseph começou, desgrudando as costas da parede de concreto, levantando com cautela. - Por acaso eu estou... 
Livre. - o guarda terminou sua fala, batendo a chave com força mais uma vez. Joseph ignorou aquele gesto e continuou a olhar para Arthur. 
Joseph, saia da cela e nós conversaremos. - Joseph o obedeceu, mal conseguindo caminhar normalmente, um pouco tonto por estar fora da escuridão da cela depois de um bom tempo. Aquele corredor aberto e iluminado fez com que ele respirasse com vontade, se sentindo como alguém que permaneceu por muito tempo em baixo da água, sendo presenteado com uma boa dose de ar nos pulmões. 
- Descobriram que eu não matei a Erin? - ele perguntou, um tanto quanto aflito. - Isso é sério? Eu estou realmente livre? - Joseph mal conseguia acreditar. Arthur soltou um risinho, balançando a cabeça negativamente como se o fato de Joseph estar querendo demonstrar felicidade fosse algo ridículo. 
- Digamos que estão quase descobrindo, mas eu tenho poder o suficiente para conseguir tirar você daqui antes disso. - Arthur deu um tapinha no ombro de Jonas, como um cumprimento. - Mas acredito que já está mais do que óbvio para todos que você não é o assassino. Sabe por quê? - os olhos de Joseph brilharam com interesse. - O tal do Austin revelou o lugar onde encontrou o corpo da garota, uma casa que está abandonada há anos. Como as investigações foram retomadas, os peritos visitaram essa casa e encontraram pequenas gotas secas de algo que só poderia ser sangue. Mesmo depois de todo esse tempo, os vestígios continuaram lá. Encontraram também um frasco de pílulas para dormir no canto de uma escada... Eles recolheram o material e começaram uma análise. - apesar de ser informação demais para a cabeça de Jonas, ele tentou absorver tudo de uma vez e continuou a prestar atenção. - Com alguns contatos, eu consegui descobrir os resultados dos primeiros exames... As digitais no frasco de pílulas são de uma mulher. E o sangue no chão não é seu. 
Como tudo aquilo aconteceu e Joseph nem sequer sabia? 
- Como eles conseguiram provar que o sangue não é meu? Eu nunca... Claro! - repentinamente ele se lembrou de quando foi capturado pela polícia, com um ferimento na lateral de seu abdomen provocado por Carter. A polícia o levou até o hospital, onde o ferimento foi tratado. Era de se esperar que certa quantidade de seu sangue fosse recolhida para futuros exames. - Mas o fato do sangue não ser meu não prova que não sou o assassino. 
- Esse é você usando seu otimismo, Joseph? Vamos, não seja estúpido! Está claro que foi tudo uma grande emboscada para arruinar sua vida. 
- Por que só está me dizendo tudo isso agora? - ele perguntou para Arthur com raiva. 
- Não seja mal agradecido, Jonas. Você finalmente tem sua liberdade... 
- Acredito que agora possa me dizer quem é, certo? 
- Meu nome é Arthur Sheppard e... - o homem grisalho olhou para o lado, se perguntando se realmente deveria contar a Joseph. Não faria muito diferença. - Se as circunstâncias fossem mais aceitáveis, você poderia me chamar de sogro. - Joseph riu, não entendo de imediato. Quando percebeu que a face séria de Arthur não mostrou mudança, ele abriu a boca para tentar falar alguma coisa. O que diabos tinha acontecido com o mundo enquanto esteve preso? Era informação demais para sua cabeça cansada. Porém, ao olhá-lo melhor, chegou a conclusão de que vários traços do rosto de Demetria eram semelhantes aos daquele homem. 
- V-você... - ele gaguejou e Arthur levantou o dedo indicador. 
- Sim, sou o pai de sua esposa. Mas não pense que Demetria sabia disso o tempo todo, descobriu recentemente. 
- Meu Deus... - Jonas cobriu a boca com a mão e depois levou a mesma até seu cabelo, o bagunçando como sempre. - Onde ela está? Posso vê-la? - só o pensamento de que poderia ter Demetria em seus braços de novo já significava o mundo para Joseph. Finalmente teria a chance de cumprir todas as promessas que fez à ela. 
- É claro que pode... Mas só depois que fizermos um acordo
Algo no tom de voz de Arthur fez Joseph sentir que as trevas em sua vida ainda não tinham desaparecido por completo. 


Demetria se esquivou de um Carter que parecia a beira da insanidade. Ela jogou o corpo para trás ao avistar o brilho da lâmina da faca mais uma vez e soltou um grito apavorado, chamando desesperadamente por Scarlett e Caleb. Os dois já deveriam ter aparecido com a câmera, ou com pelo menos alguma pista de seu paradeiro. Demetria atravessou a sala e percebeu que a porta principal da casa estava aberta, correndo até a mesma. Quando puxou a maçaneta, sentiu a mão de Carter empurrá-la para trás, na tentativa de impedir que a porta se abrisse. Ela lutou contra ele, mesmo sabendo que poderia ser esfaqueada a qualquer momento. Quando não sentiu mais o corpo de Carter tentando impedi-la, Demetria finalmente puxou a maçaneta e colocou seu corpo para fora.
Carter, ainda do lado de dentro, bufou e olhou na direção em que ela corria, cruzando o jardim e se aproximando de algumas árvores no canto da propriedade. Colocou um pé para fora da porta e caminhou de modo devagar até a região em que a mulher estava. Observou que Demetria tinha uma mão sobre o peito e a outra sobre o tronco da árvore, com o corpo um pouco inclinado. Parecia procurar por ar, estava ofegante. 
Demetria levantou sua cabeça e choramingou ao dar de cara com Carter, que fazia questão de exibir o objeto pontiagudo em sua mão direita. Ela queria correr e fugir, mas sentia não ter mais forças. Se voltasse a obrigar suas pernas fracas a sustentaram seu corpo e levá-la para longe, certamente as duas cederiam no meio do caminho. Seu coração batia tão descompassado que ela o sentiu em sua garganta. Estava com frio, com dor, com sede. Queria lutar, mesmo quando sabia que não restava mais arma alguma. 
- Carter, eu fui sincera o tempo todo com você. Eu imploro, não faça nada que possa se arrepender depois... - ela disse, voltando a chorar. Carter se aproximou mais um pouco e se encostou à mesma árvore, virando a faca com seus dedos e fitando a parte cortante que refletia a luz da lua. 
- Pare de falar comigo do mesmo jeito que a Erin falava... Você não vê que isso só me dá mais raiva? - Demetria foi puxada pelo braço, sendo obrigada a ficar de costas para Carter. Após deixá-la sentir a frieza da faca na pele de seu pescoço. 
- Não mate sua meio-irmã, seu perturbado. - pegos de surpresa, ouviram uma voz masculina. Algo que nenhum dos dois esperava. Sem saber se era por ter ouvido aquilo, ou por ter se assustado com uma terceira presença no jardim, Carter largou a faca no chão e foi para uma distância segura de Demetria. A mulher se surpreendeu ao ver seu pai caminhar destemido pelo gramado, se aproximando dos dois. 
- Você disse meio-irmã? - ela perguntou para ele, chocada. Carter riu, irritando Arthur.
- Cale a boca, você não é o meu pai! 
- Acredite, também não é bom para mim saber disso. Saber que sou pai de uma aberração. - Arthur disse em alto e bom som. Demetria olhava de um para o outro, sentindo que iria perder a razão a qualquer momento. O nível de loucura que seu cérebro era capaz de aguentar estava chegando ao limite. No entanto, no mundo em que vivia, tudo era possível. Mesmo que fosse bizarro ao extremo. 
- Isso não faz sentido... - ela começou. 
- Na verdade, faz sim. Olhe para o Carter, os olhos dele são da mesma cor dos meus. Assim como o seu irmão Peter, Carter também tem uma expressão parecida com a minha. E olhe só para você,Demetria, como se fosse uma mistura dos três. Não pode negar que o formato dos seus olhos e do seu rosto é idêntico ao do Carter. 
- Agora vocês vão ficar aí achando semelhanças um no outro como se fôssemos uma família feliz? - Carter caminhou para perto de Arthur com raiva. - Se realmente é o meu pai, saiba que eu te odeio! - Arthur riu. 
- Por que acha que as suas palavras vão surtir algum efeito em mim? Eu não sou os idiotas que você está acostumado a lidar. Para mim, você é apenas um moleque que se esqueceu de amadurecer e tenta bancar o psicopata. Já lidei com pessoas muito, mas muito piores. E nenhuma delas me intimidou. - Demetria estava perdida no meio daquela suposta briga, só queria que acabasse logo. 
- Como sabia que estávamos aqui? - ela perguntou. 
- Você acha que eu não vigio a Scarlett? Ela trabalha para mim, preciso saber quando algo está sendo omitido por aqui. E essa foi a situação, ela arquitetou todo um plano e não me avisou. - Carter deu de ombros para tudo que ele estava falando e se sentou no chão, olhando pensativo para a grama. O jeito que balançava o próprio corpo e falava consigo mesmo fez Arthur rir mais uma vez, passando por ele rapidamente. - Vou procurar a Scarlett e chamar a polícia, vamos acabar com isso de uma vez. 
Ao ouvir a palavra polícia, os músculos de Carter ficaram tensos e tudo que ele fez foi olhar intensamente para a suporta meio-irmã. 
- Se lembre do que eu disse, se lembre do que eu disse. - ela sussurrou, correspondendo o olhar. Não sabia mais se tentar salvar Carter era a coisa certa. A descoberta de que o homem era seu meio-irmão ainda não fazia muito sentido. Ela preferiu não pensar nisso, era um assunto para ser tratado depois. Se existisse o depois

Escondido atrás de uma árvore do outro lado do jardim, Joseph observava toda aquela cena com as mãos fechadas em punhos. Nenhum músculo de seu rosto se movia e a curta barba lhe dava um ar ainda mais frio. Os olhos verdes estavam ofuscados e distantes. Por dentro, se sentia devastado. Era como se tivesse cruzado todo um deserto na esperança de encontrar um oasis, mas tudo que conseguiu foi ser coberto por uma tempestade de areia. Enquanto olhava para o corpo parado e fraco de Demetria, ele respirou fundo. Lembrou-se de todos os momentos bons que teve com aquela mulher, de todas as vezes que ela o fez se sentir no paraíso. Era com ela que ele queria ficar. Para sempre
Joseph socou o tronco da árvore, engolindo o choro. Estava derrotado, nada tinha sido capaz de interferir no que o cruel destino tinha lhe reservado. De que adiantava ter conquistado a liberdade? Estava sendo tolo demais ao acreditar que poderia mesmo ficar com ela pelo resto da vida. Algo viria para destruir o que fora construído com tanto trabalho e paciência. Com tanto amor... 
Ele desviou o olhar de sua amada e assistiu Carter se aproximar sutilmente da mulher, escondendo atrás de si a faca que tinha recuperado. O corpo de Jonas reagiu de maneira imediata e tudo que ele conseguiu pensar foi que precisava salvá-la. 

"Tem certeza que você ama a tanto assim?" 

"O que você já fez por ela, afinal? Digo, algo realmente importante, e não satisfazê-la na cama, ou comprar uma jóia cara... Eu falo de sacrifícios, Jonas." 

"Você se colocaria na frente de um tiro por ela ou simplesmente assistiria enquanto ela cai ferida no chão?" 

"Ela sofre por você... Mas e você, já sofreu por ela? Realmente por ela, e não por você, por fatalidades que acontecem na sua vida. E a vida dela?

Estava correndo, correndo na direção de tudo que ainda lhe importava naquele mundo. "Chega de vê-la sofrendo, simplesmente chega!" Ele pensava, enquando os dois ficavam cada vez mais próximos. Os músculos de suas pernas trabalhavam com velocidade, o sangue era bombeado para todo o seu corpo com afinco. O vento cortante se chocou com o seu rosto... Como pôde chegar a duvidar do que sentia por ela? Como deixou que as palavras de Cameron brotassem aquela dúvida em sua cabeça? 
Sim, a maneira que ele a amava era algo grandioso demais para ser explicado. Sim, ele faria qualquer coisa por aquele ser humano. Qualquer sacrifício. Sim, ele se colocaria na frente de um tiro por ela. Lutaria contra o mundo por ela. Sim, estava sofrendo por ela naquele momento. Mas não se importava com os seus sentimentos, o que importava era que ela ficasse bem. 
Após responder mentalmente todas as perguntas que Cameron tinha lhe feito, ele correu cada vez mais rápido. Tudo acontecia em câmera lenta ao seu redor. 

Eu te avisei... Não tirou a minha vida, a única coisa que eu posso fazer é tirar a sua. Eu sou um monstro e não vou parar de matar até que alguém me mate. Diga adeus, irmãzinha. 

A voz baixa e assustadora de Carter foi identificada pela audição de Joseph, juntamente com a de Demetria que também se virou. Jonas respirou fundo e empurrou o corpo de Carter, quando ele estava prestes a enfiar a faca nas costas de Demetria. Suas duas mãos puxaram o corpo dela com uma bravura carregada de sentimentos. O cheiro dos cabelos escuros que entraram em contato com o seu rosto foi absorvido pelo seu olfato e ele tinha a sensação de que corria por sua corrente sanguínea como uma cura poderosa para todas as dores que sentia. Estava com ela nos braços, estava com Demetria sã e salva. Viva. 

Demetria não sabia se tentava respirar ou se deixasse a falta de ar lhe consumir. Estava sentindo aquelas duas mãos envolvendo seu corpo, o protegendo como nunca antes. Virou o rosto e seus olhos se arregalaram, uma luz foi acessa na meio da escuridão. Demetria estava com ela em seus braços, olhando para um Carter jogado no chão. Era surreal demais enxergá-lo alí, na sua frente. MasJoseph não olhou para ela, mantinha os olhos verdes eletrizantes focados nos movimentos do monstro que fazia força para se levantar. 
No momento em que Carter se colocou de pé, Demetria sentiu que Joseph poderia esmagar seu corpo a qualquer momento. Mas não se importava. Se sentindo protegida, ela pedia em um tom de voz bem baixinho para que Carter parasse com tudo aquilo. Joseph estava disposto a se colocar na frente do que fosse por ela, não importavam as consequências. 
- Ora, ora... Veja só quem conseguiu a liberdade. É uma pena que não vai desfutrar dela em vida... - Demetria se assustou, tentando puxar o corpo de seu marido para trás, mas ele apenas a segurou como a única coisa que faria em vida e fechou os olhos, esperando pela dor e em seguida pela morte. Na posição em que estava, era uma certeza de que seria atingido. Não restava tempo para correr, só para se conformar. 

CARTER

Uma voz grave berrou o nome do assassino que estava prestes a arrancar outra vida. Ele olhou na direção da voz, ouvindo um riso angelical dentro de sua cabeça. Era a risada de Margo, como gostava de ouvir. Seu corpo se congelou e ele pensou vê-la passar correndo, indo até a direção em que Arthur estava parado, em fúria, com uma arma na mão. 

Demetria gritou. Joseph fechou os olhos. Arthur puxou o gatilho. Carter foi atingido. 

A faca caiu de maneira reta, perfurando a terra coberta por grama. A brisa daquela cruel noite contornou todos os seres que tinham os olhos arregalados e os corpos estáticos. Como se a natureza mandasse um sinal para tudo que estava acontecendo. 
Demetria escondeu o rosto no peito de Joseph, se afogando nas mais doloridas lágrimas. Joseph apenas olhava para o que estava diante de seus olhos sem demonstrar emoções em seu rosto. Arthur não vacilou em momento algum, tinha feito um favor a seu filho.

Carter caiu de joelhos no chão, levando lentamente os dedos até a região de seu abdomen. Assim que o tocou, identificou o sangue quente que escapava por uma ferida aberta. Seu estômago se revirou e ele sentiu um incontrolável enjoo, uma ânsia que já atravessava a garganta. Sua boca se abriu e mais sangue foi jogado no chão, ele tossia dolorosamente enquanto vomitava aquele sangue. E então, o monstro tinha perdido sua fúria. A loucura atingiu o nível máximo, que só dava direito a um destino: morte 
Ele levantou o rosto, já entorpecido, como se a dor não fizesse mais diferente. Estava livre dela pela primeira vez. Margo estava parado no gramado, com os braços cruzados atrás de seu corpo e a cabeça tombada para um lado, com um sorriso brincalhão nos lábios. Da maneira que sempre ficava quando estava feliz. Os lábios pintados com um batom rubro se movimentaram e ele escutou a voz dentro de sua cabeça:

"Está tudo bem agora. Enfim, poderemos ficar juntos."

Sua última visão não precisava ser algo doentio, apenas a pessoa que sempre amou, que sempre amaria. Algo que estava muito além da morte. Ele não temia a morte, muito pelo contrário, a recebeu de braços abertos. 
Carter juntou ainda mais um pouco de forças e olhou para seu suposto pai, erguendo o canto dos lábios. Depois, virou o pescoço lentamente para olhar Demetria e Joseph. Arthur deu um passo a frente, se perguntando o que tinha acabado de fazer. Carter percebeu que estava sendo fitado pelo pai e o olhou novamente. Pela última vez em vida, ele pronunciou a palavra que demonstrava o quanto estava feliz por finalmente ter conseguido o que queria: 
Obrigado. - os olhos verdes brilharam por uma última vez e as pernas amolereceram. Tudo escureceu e seu corpo encontrou o chão. Sucumbiu. Sua alma estava livre de todo o tormento. Livre. 

Because days come and go, but my feelings for you are forever.


Enquanto saiam do porão, Scarlett e Caleb escutaram o barulho do tiro disparado por Arthur, e então correram até a parte de fora da casa, pensando no pior. Ele segurava a câmera e ela a carta, com lágrimas ainda presas nos olhos. Quando chegaram ao jardim, diminuiram os passos até que pararam completamente. Caleb arregalou os olhos ao dar de cara com o corpo de Carter jogado no chão. Scarlett olhou para o casal abraçado no canto e se perguntou como Arthur tinha conseguido libertar o homem sem aquela maldita fita. 
Arthur notou a presença dos dois e se aproximou de Caleb, lançando um olhar que repreendia Scarlett. Ela teria muita a explicar mais tarde. Mas Scarlett não se importou com isso, só queria saber seDemetria estava bem, afinal, algo de muito grave deveria ter acontecido para que Carter fosse morto daquele jeito. 
- A câmera, rapaz! - Arthur parou na frente de Caleb com sua pose superior, estendendo uma das mãos. Caleb olhou para ela em suas mãos e hesitou um pouco antes de entregá-la para o outro, que a puxou com força. 
Scarlett já tinha se afastado dos dois e parou quando estava ao lado do corpo de Carter, se abaixando para olhá-lo por uma última vez. Sendo ruins ou boas, ela teve diversas histórias com aquele ser, jamais poderia negar. Era estranho perceber que ele estava morto, afinal, Carter era visto como alguém invencível. Até que ela se deu conta de que ninguém era invencível, principalmente os que mais tentavam passar aquela ideia. Com o papel amassado em mãos, ela olhou nos olhos abertos de Carter e soltou um suspiro. 
- Não somos apenas nós que teremos paz agora... Você também. - ela sussurrou para ele. Levantou o rosto e encarou um Joseph prostrado a sua frente. Se levantou e sorriu levemente para ele.Joseph sentiu Demetria se mexer e tirou as mãos de sua cintura, evitando olhar para Arthur, sabia que a raiva seria tanta que ele não poderia controlar. 
- Você está bem? - Scarlett perguntou para Demetria, que apenas concordou com a cabeça. - E você, garotão, está finalmente livre! Mas como? 
- Arthur disse que tinha poder o suficiente para me tirar de lá antes que essa câmera fosse encontrada. - ele respondeu ríspido. O que foi notado por Demetria, que se soltou totalmente dele e ficou parado contemplando as expressões em seu rosto cansado. 
- Foi ele que atirou no Carter, não foi? - após receber uma confirmação, ela mostrou a carta que estava segurando. - Achei isso junto com a câmera. 
- Posso ler? - Scarlett concordou e Demetria pegou o papel de suas mãos, o abrindo e passando os olhos pela mesma letra que tinha visto naquele caderno velho e enigmático de Carter. 

"Se alguém finalmente está lendo isso, é porque o que eu mais desejei aconteceu. Significa que, provavelmente, consegui me livrar de um maldito impasse e agora estou morto. Independente da maneira pela qual morri, sendo homicidio ou suicidio, quero deixar claro que não tenho a intenção de dizer asneiras que comovam quem estiver lendo. Poderia explicar a maneira como me sinto a respeito do mundo e do meu próprio eu, exatamente como Kurt Cobain fez quando escreveu algo semelhante a isso. Mas, não, eu não quero ocupar o seu tempo, quero apenas ser direto: Não passo de um homem enclausurado em uma esquizofrenia profunda. Quando eu tinha 15 anos, o diagnóstico foi feito, ficando provado que eu não era normal. Com o passar do tempo, e influenciado pela falta de preocupação das pessoas ao redor, também fui abençoado com um transtorno bipolar que só piorou tudo. Mas quem disse que eu tomava os remédios? Aliás, eu os tomava, mas em excesso. Eu não queria tratamento, não queria que sentissem pena de mim. "Oh, pobre Carter!" Chega até a ser uma coisa grotesca. Então, me transformei em duas pessoas; na frente dos outros, eu deixava claro que era apenas alguém frio, sem sentimentos, capaz de qualquer coisa pelo que era almejado; mas, sozinho, era justamente quem eu realmente era: um doente deprimido. Não, ninguém poderia suspeitar que eu agia do jeito que agia por causa da doença. Jamais!
Até que comecei a fazer coisas que ultrapassaram o limite do usual. O grande problema não estava mais nas drogas ou no jeito violento de ser, estava nas vozes que berravam dentro da minha mente. E nas visões que comecei a ter mais tarde. Incontrolável, era exatamente assim que eu me sentia. Como alguém poderia impedir um monstro que não tirava sua armadura de ferro? Que não queria revelar a fragilidade do que estava por baixo?
Eu tinha que esfregar na cara das pessoas o que estava acontecendo, para que alguém me parasse. Como um serial killer descuidado, que deixa partes desmembradas de suas vítimas caídas pelo chão, eu comecei a espalhar pistas de tudo que tinha feito. O assassinato de Erin Fields, quando deixei que Scarlett visse a gravação que fiz naquela noite. Quando escrevi a palavra "porão" na parede, procurando uma forma de entregar o que tanto queriam. E, provavelmente, quando eu implorar para Demetria me matar. Eu realmente espero que ela faça isso, que não sinta misericórdia por mim.
Me desculpem por tudo que eu lhes causei. Especialmente a Joseph e Demetria... Eu tenho inveja do que vocês dois conseguem ser juntos. Scarlett, eu não estava mentindo quando disse que você era uma das poucas pessoas que ainda conseguia despertar minha simpatia. Cameron, você foi um amigo de verdade, mesmo que eu nunca tenha deixado isso claro. Mãe, sinto muito por ser um empecilho em sua vida.
Margo, eu sempre vou te amar. E espero me encontrar com você em breve."



Os minutos se passaram, o sol poderia nascer a qualquer momento, o frio ainda estava presente. Arthur já tinha entrado em contato com a polícia e todos os procedimentos necessários para que o corpo de Carter fosse levado e a a fita da câmera fosse analisada começaram. Demetria assistiu com os olhos marejados a maca passando por ela, sabendo que o corpo de seu meio-irmão estava dentro daquela espécie de capa preto de couro. Quando as portas de veículo se fecharam, ela pensou estar sonhando. Era inacreditável demais que Carter Stone estivesse mesmo morto. 
Colocou uma mecha de cabelo molhado atrás da orelha, se encolhendo mais onde estava sentada. Sua roupa ainda estava molhada, sentia frio. Scarlett e Caleb estava sentados perto de uma outra árvore, exaustos, sem expressões no rosto. Arthur estava com Joseph e um detetive, provavelmente contando tudo que tinha acontecido. Pelo menos algo bom tinha acontecido: seu marido estava solto. 
Demetria abraçou as pernas que estavam dobradas e apoiou sua testa nos joelhos, fechando os olhos. Depois de um pequeno cochilo, ela levantou o rosto assustada e percebeu que Joe estava de pé a sua frente. Ela sorriu abertamente e tomou impulso para se levantar, pronta para começar a matar toda a saudade que sentia. Arthur não estava mais por perto e Scarlett conversava com Caleb do outro lado. Ela não esperou para envolver seu marido em um abraço apertado, esperando que ele a correspondesse. Mas não foi isso que aconteceu. Demetria percebeu que Joseph estava estranho, distante. Evitava olhá-la nos olhos. 
- Qual é o problema? - disse baixinho, segurando o rosto dele com as mãos. Céus, como era bom poder tocá-lo novamente! As mãos de Joseph se ergueram e seguraram as dela, que foram obrigadas a quebrar o contato com o rosto do homem. Joseph as apertou um pouco, olhando fundo nos olhos vermelhos e inchados de Demetria. 
- O problema, Demetria, é que eu estou livre. 

(n/a: Coloque para tocar)

- O quê? - ela franziu o cenho. - Isso nunca seria um problema, meu amor, nunca! - quanto tentou tocá-lo de novo, foi impedida. 
Demetria, pare. 
Joe, qual é o problema? - ela pediu mais uma vez, ficando desesperada. Seu psicólogico estava abalado, não sabia se aguentaria passar por mais algum momento complicado. - Tudo está bem agora, nós... Nós podemos finalmente ficar juntos. Exatamente como prometemos um ao outro, se lembra? 
- Não, nós não podemos. - as palavras saíram afiadas pelos lábios do homem. Algo no interior de Demetria reagiu imediatamente. Ela procurava pela verdade em seus olhos tão lindos. 
- Olha... - espalmou as mãos no peito dele, que deu um passo para trás. - Nós estamos cansados, vai levar um tempo para que tudo que aconteceu seja esquecido, mas tudo bem. Já passou, então não me diga essas coisas. 
- Eu estou dizendo a verdade. - Joseph voltou a impedir que Demetria o tocasse e afastou as mãos dela com grosseria. Se preparando para dizer o que partiria seu coração, talvez para sempre. Scarlett virou o rosto, percebendo a tensão que se instalava ao redor. - Antes de ser preso, eu realmente acreditei que isso poderia ser bom, mas na cadeia, eu parei para pensar e percebi o quão tolo eu venho sendo todo esse tempo. Eu sempre quis muitas coisas nessa vida, Demetria, muitas! Sempre almejei ter tudo, ser alguém importante, realizar os meus sonhos de infância. Mas como eu posso conquistar tudo isso preso a você? 
Ela não acreditava no que estava ouvindo. 
Joseph... - tentou dizer, com os olhos levemente arregalados e o rosto ficando pálido, mas foi interrompida. 
- O que acha que vamos ter juntos a partir de agora? Momentos felizes, sexo, filhos... Uma velhice calma em uma casa na praia. Só isso! E eu não quero só isso, eu... - a voz de Joseph fraquejou e ele fechou os olhos com força, lutando contra o próprio corpo, as próprias vontades e sentimentos. - Eu quero mais. Agora eu tenho minha liberdade de volta, eu possoo correr atrás do poder e de várias outras coisas. Você sempre vai ficar tentando me dizer o que fazer e como agir, tentando mudar quem eu sou... Cansei disso, cansei de você. - foi como se milhares de facas perfurassem o corpo de Jonas quando ele assistiu uma única lágrima cair pela bochecha de Demetria. Ela estava prestes a se beliscar para provar que tudo aquilo não era real. 
- M-mas... - ela gaguejou. - Você me salvou do Carter e... 
- Do mesmo jeito que eu poderia salvar qualquer uma
Qualquer uma.
- Mas e tudo que nós prometemos um ao outro? E tudo que construiríamos juntos? Por favor, diz que isso é uma brincadeira... Joseph, você me prometeu que nós... 
- Promessas são perda de tempo. E eu mudei de ideia. - ele mal conseguia respirar direito, doía sentir o ar chegando aos seus pulmões. Demetria olhou para o lado, abrindo a boca para dizer alguma coisa. Seu corpo inteiro estava tremendo. 
- Mudou de ideia? - ela trincou os dentes. Sua testa se enrugou e as mãos se fecharam em punhos. Não era justo, simplesmente não era justo ter que ouvir tudo aquilo depois do que ela tinha feito por ele. Explodiria a qualquer momento, e pouco estava se importando com isso. - Eu não mudei de ideia quando acreditei que o homem que me sequestrou era alguém bom. Eu não mudei de ideia quando decidi que faria qualquer coisa por ele. Eu não mudei de ideia quando disse a mim mesma que levaria um tiro novamente para ficar com aquele homem. - a respiração de Demetria estava descompassada. Totalmente descontrolada, ela ia avançando em Joseph enquanto falava, elevando seu tom de voz. Scarlett e Caleb já tinham se aproximado, abismados com o que seus olhos enxergavam. - Eu não mudei de ideia quando engoli todas as minhas vontades e fiz apenas as dele. Não mudei de ideia quando fiquei me torturando por dentro para tentar acreditar que ele não era um assassino. Eu não mudei de ideia quando estava disposta a largar tudo e deixar de ser quem eu era, para fugir com o homem que dizia me amar... - o choro estava travado em sua garganta, as lágrimas caiam, ela não aguentaria por muito tempo. - EU NÃO MUDEI DE IDEIA QUANDO ABRI MÃO DA MINHA VIDA PARA QUE VOCÊ PUDESSE TER A SUA DE VOLTA! - Demetria o empurrou pelo peito com força. Joseph apenas deixava que ela fizesse tudo aqulo. - AQUELE CORPO QUE ESTAVA AQUI? ERA PARA SER O MEUJOSEPH, O MEU! Tudo por você, todo esse maldito plano suicida que eu fiz foi por você. Porque eu faço tudo por você, não me interessa viver se você não estiver vivendo... Arrisquei tudo, abri mão de tudo por você... Lutei até o fim... - o próximo olhar que Joseph recebeu, foi carregado de um ódio forçado, sufocante. - ENTÃO POR QUE VOCÊ NÃO PODE FAZER O MESMO POR MIM, PORRA? - Demetria estava se sentindo humilhada depois de ouvir tudo aquilo. Sentia-se um ser insignificante. - Por que, Joseph, por quê? - ela tentou aproximar seu rosto dele, na busca desesperada pelo olhar que diria que tudo aquilo era mentira. Joseph não aguentou mais e, querendo se livrar dela, segurou seu corpo pela cintura com determinação, o jogando para trás. Tudo que ele pensava era: Me perdoe, me perdoe, por favor. Eu te amo. Me perdoe.
- QUE PORRA É ESSA? JOSEPH, EU VOU QUEBRAR A SUA CARA AGORA! - uma Scarlett em fúria surgiu, pronta para cumprir o que tinha dito. Mas Caleb a segurou, mesmo que a mulher lutasse contra aquele impedimento. 
No chão, sem forças para levantar, Demetria fez a única coisa que ainda conseguia: chorar. Cobriu o rosto com as duas mãos e desabou. 
- Fique fora disso. - Joseph rosnou para Scarlett. 
- Você é um homem morto. - ela devolveu no mesmo tom de voz. - Só me explique, porque eu acho que não estou entendendo o que se passa aqui. Faça o favor de me explicar o que foi toda essa porcaria que eu ouvi. Você é algum tipo de palhaço, Jonas? - Scarlett se livrou de Caleb, o atingindo com um soco que se arrependeria depois por ter dado e ficou frente a frente com Joseph. - Tem ideia do que essa mulher fez por você? POR VOCÊ, SEU MERDA! - ele não tentou se defender. 
Joseph, pare, você não quer dizer essas coisas. Não faça isso com ela. - Caleb se mostrou comovido com o estado da mulher chorosa no chão. 
- Não sejam ridículos! Não é como se ela não tivesse uma segunda opção, não é, Demetria? - como estava sendo capaz de magoá-la daquela forma? - Quer um conselho? Isso nunca vai dar certo, nós nunca seremos felizes juntos. Eu acabaria destruindo sua vida, você destruiria a minha. Vá atrás do Wolfe, afinal, ele realmente está disposto a tudo por você. Ele é o homem que te merece! -Jonas falou de uma vez, exaltado, olhando firme para Demetria. - E ele te consola muito bem, não é? - não queria jogar aquelas coisas na cara dela. Foi sincero quando escolher perdoá-la, mas precisava usar aquelas palavras para feri-la. 
A mulher que sentia o corpo massacrado se levantou, parecendo uma morta viva. Puxou a aliança que custou para sair de seu dedo e a jogou em Joseph, não se importando se poderia feri-lo. 
- Aproveite sua liberdade. 
- Eu vou aproveitar. - antes que pudesse procurar por uma maneira de se matar, Joseph saiu de perto dos três. Enquanto segurava o choro e tentava andar rápido com as pernas fracas, escutou Scarlett gritar mais uma vez: 
- VAI PAGAR CARO POR ISSO, SEU CRETINO, PODE TER CERTEZA! 
- Não, não... Joseph, não... Não faz isso comigo, volte... Não me deixe, por favor... - Scar e Caleb se aproximaram de Demetria, a segurando pelos braços. Ela encarava o nada, com os lábios trêmulos, falando sozinha... Como se estivesse louca igual ao falecido Carter.
Demetria, fale comigo! - Caleb tentou chamar sua atenção, não deixando que ela caísse. O choro era tanto, que seu corpo poderia secar se continuasse daquele jeito. Scarlett reconhecia o desespero de Demetria e até conseguia senti-lo também, sabia o que era ser enganada e tratada daquela maneira pela pessoa que pensava amar. 
Demetria, você está bem? - Scarlett apertou a mão dela, percebendo que a mulher não demonstrava nenhuma reação. A tremura em seu corpo ainda não tinha se esgotado, estava gelada. -Demetria! - os dois se apavoraram quando as pernas dela cederam e seus olhos se reviraram. Um desmaio. 
- Ela desmaiou e está ferida, vou chamar uma ambulância! - Caleb ajudou Scarlett a deitá-la no chão e procurou por seu celular, pedindo imediatamente por socorro. 


Após conseguir sair da casa de Carter, Joseph olhou para o céu, percebendo que o sol já estava nascendo. Na saída do jardim, atrás de uma árvore, ele deu de cara com Arthur, que estava observando tudo que tinha acabado de acontecer em uma distância segura. Ele não poderia permitir que aquele homem o visse do jeito que estava, então respirou fundo e fingiu estar bem. 
- Tenho que confessar, Jonas, foi bem convincente

Flashback

- Um acordo? - Joseph perguntou, receoso. 
- Sim, um pequeno acordo. Vou ser direto: eu não quero que você fique com a Demetria. Então, se dispensá-la, eu garanto que nunca mais vai estar envolvido em problemas como esse que acabou de se livrar. Caso contrário, serei obrigado a procurar uma maneira de deixá-lo apodrecendo atrás de uma cela pelo resto da vida. 
- Com quem você acha que está falando? - Joseph não estava sentindo medo, confrontaria aquele cretino. Como tinha a coragem de chantageá-lo daquela maneira? 
- Com um garoto mimado. Acredite, Joseph, eu sei o tipo de homem que você é. 
- Você não me conhece! - eles já estavam do lado de fora da prisão, passando pelo portão de saída. Joseph elevou a voz, olhando nos olhos de Arthur. 
- Mas eu conheci o seu pai. - aquela revelação pegou Jonas de surpresa. - Sei que é igual a ele, e eu não quero que minha filha passe a vida inteira com alguém como você. Ela pode ser muito mais, ela merece ser mais do que a esposa de um problemático. 
- Eu não vou fazer o que você quer. Nunca. 
Joseph, eu não me importo se você matou ou deixou de matar alguém... Continue próximo de Demetria e eu acabo com a sua vida. Eu posso fazer isso. - a respiração de Joseph estava acelerada, ele ergueu o punho e se preparou para dar uma lição em Arthur, mas o homem era mais rápido e segurou sua mão, a apertando com força, o fazendo sentir dor. - Quer voltar para a prisão? Acha que a minha filha vai ficar dependendo de um presidiário a vida inteira? Não, ela não vai. Então, você tem duas escolhas: Fique livre, sem a Demetria. Fique preso, sem a Demetria. Posso conceder alguns minutos para que pense a respeito. - Jonas ficou mudo. - Você não tem escolha, meu caro. Nunca vai poder ter uma vida tranquila com ela, eu não vou deixar. 
- Por que está fazendo isso? - o semblante era duro, mas os olhos verdes explicitavam tristeza. 
- Porque eu posso. - na verdade, quem parecia o garoto mimado da história era Arthur. Tão seguro de si, deslumbrado com todo o poder que pensava ter. - Vou entender seu silêncio como um acordo feito. Te levarei até Demetria e seja um bom ator, faça com que ela comece a te odiar... A coloque no chão, se é que me entende. Mas seja convincente, porque eu vou estar te observando. Não brinque comigo, Jonas. 

Fim do flashback.

Sim, ele foi fraco. Totalmente fraco. Fraco ao ponto de ceder e fazer o que lhe foi mandado. Por que desistir daquela maneira, sem lutar? Ele não sabia dizer, só conseguia se culpar por tudo que tinha dito a Demetria. Não era digno do amor daquela mulher, finalmente estava conseguindo perceber. Ter se rendido a ameaças foi a prova chave, o que o fez acordar para a realidade e se colocar em seu lugar. Como poderia ser diferente? 
- Agora vá, aproveite sua liberdade... Não foi isso que a Demetria pediu? Atenda a vontade dela. E fique longe! 
Joseph estava em fúria. Concentrou raiva, arrependimento, tristeza, impotência, desilusão e ódio em seu interior, mandando toda aquela mistura para seu punho, que se ergueu lentamente, sem que Arthur pudesse perceber. Um grito - como o de guerra - encheu seu peito, passando por sua garganta e saindo por seus lábios. As lágrimas permaneceram dentro de seus olhos e a violência o possuiu. O impacto foi certeiro, provocando um barulho alto. Arthur virou o rosto para o lado, com a mão sobre o nariz. Ao ver o sangue, Joseph sentiu uma satisfação vingativa correndo por suas veias. Torcia para que o nariz do homem estivesse quebrado. 
- Vai me prender por isso? - ele disse, empurrando o corpo de Arthur e saindo de perto. Com a mão latejando, ele caminhou sem rumo. Talvez em algum momento encontrasse conforto, mesmo que fosse praticamente impossível. 


(n/a: Coloque para tocar)

O ambiente branco e limpo parecia facilitar sua respiração. A leve movimentação que ouvia atrás da porta lhe trazia um pouco de calma. Estava sonolenta, mal se lembrava de quais eram as partes de seu corpo que estavam doendo. Observou a tala que imobilizava seu pulso e abriu bem a mão, sentindo um leve incomodo na região. Radiografias foram tiradas de seu crânio, mão e punho, para certificar de que as lesões não eram graves. Ela engoliu em seco e com a mão que não doía pegou um copo de plástico com água, deixando o líquido descer pela garganta. Demetria estava sentada em uma maca no ambulatório de um hospital próximo, assistindo as enfermeiras transitando por todos os lados. Não conseguia pensar em nada, não queria voltar a ter aqueles pensamentos em sua mente debilitada. Não queria ter o som daquelas palavra sendo reproduzidos. Machucava demais. Quieta, como um fantasma, ela se mexeu desconfortável e procurou por algum rosto conhecido. Ficar sentada naquele lugar era a última coisa que queria. 
- Hey, gata, como se sente? - Scarlett adentrou o lugar, recebendo o olhar feio de uma enfermeira. Ela ignorou e se aproximou de Demetria, lançando-lhe um olhar preocupado. As roupas de Demetria ainda estavam úmidas, seu cabelo tinha secado apenas parcialmente, se mantendo solto. Scar não recebeu resposta, o que a obrigou a balançar a mão na frente do rosto fechado de Demetria. Assim que ela levantou o olhar, procurou por algum tipo de consolo, qualquer coisa. - Você sabe que ele não quis dizer nada daquilo, não sabe? 
- Não, Scarlett... - a voz de Demetria estava irreconhecível. - Eu vi que era verdade, eu vi nos olhos dele que era tudo real. 
- E eu vejo alguém ficando sem dentes. - Scarlett sorriu sem mostrar os dentes, sentindo uma raiva imensa de Joseph. Desconfiava de algumas coisas, mas manteria em segredo por um tempo. Pelo menos até que Demetria se recuperasse. 
- O homem que supostamente seria meu meio-irmão, está morto. O homem que eu amo me mandou para o inferno... O que eu devo fazer agora? - Demetria abaixou a cabeça novamente, passando os dedos sobre a tala. - Eu não quero seguir em frente, não tenho mais forças para isso. 
Demetria, olhe para mim! - Scarlett segurou a mão dela, procurando por contato visual. - Tudo que você passou hoje só prova o contrário. Se nos sentimentos fracos, é porque lutamos. Se lutamos, é porque temos coragem. Gata, coragem é tudo. Eu sei que parece insuportável agora, mas você é forte. Cara, eu me achava a mulher maravilha, mas depois de hoje? Você me humilhou! - Scarlett sorriu, recebendo um sorriso fraco de volta. 
- Cadê o Caleb? 
- Ah, ele foi comprar café. - Scar revirou os olhos. - Mas, falando sério, Demetria... Recentemente alguém me disse que as pessoas nos supreendem. E amanhã é um novo dia... Ok, no caso hoje, porque já amanheceu. Você entendeu o que eu quis dizer. 


O barulho alto de coisas sendo quebradas preenchia o cômodo. Joseph estava surtando, jogando tudo que aparecia em sua frente para longe. Precisava descontar em alguma coisa, pouco se importava que aquela era a sua casa. Tinha conseguido encontrar uma chave reserva escondida no jardim, entrando e se sentindo um lixo ao perceber que o cheiro dela estava por toda a parte. Os abajures da sala voaram longe, assim como um porta retrato de vidro que se quebrou ao meio. Joseph se abaixou para pegá-lo, fitando a foto: ele e Demetria. Sorrindo. 
- Que piada! - o jogou longe, escorrendo o corpo pela parede e terminando largado no chão. Chorou, chorou até que sua cabeça estivesse a ponto de explodir. Não satisfeito por estar destruindo o que vinha em seu caminho, pensou em beber. Beber até que vomitasse feito um louco, até que estivesse bêbado o suficiente para não conseguir diferenciar o preto do branco. Olhando para o estrago que tinha causado, ele se deixou queimar com o pensamento de que era o que sabia fazer de melhor: destruir as coisas. 
Demetria jamais o perdoaria. Não importaria se Arthur mudasse de ideia, se pensasse em fugir e ficar com ela em um lugar bem distante. Não importava. As palavras que usou, o jeito que a olhou, a forma como segurou seu corpo e o jogou no chão. Nunca mereceria um perdão, nunca. Precisava sair daquela casa, daquela vida. Já pensava em um jeito de colocar todo o legado de seu pai a venda, não suportaria continuar com aquele inferno. 


Demetria se sentiu aliviada quando pôde, finalmente, sair daquele ambulatório e caminhar livremente pelos corredores do hospital. Não estava movimentado, poucas pessoas circulavam por alí, em sua maioria médicos. Ela cruzou os braços e continuou sem rumo, olhando para tudo que via, procurando se distrair. Só precisava esperar que o resultado de outra radiografia saísse e poderia ir embora. Mesmo que ela não soubesse para onde ir. 
Será que tudo tinha mesmo sido uma mentira? Algo dentro daquele coração fraco e esperançoso tentava acreditar que existia uma explicação plausível para o que Joseph tinha feito. É, ela jamais mudaria. Sempre esperando o melhor, sempre acreditando que algo mais forte obrigava as pessoas a comenterem grandes erros. 
Ela forçou a vista para provar a si mesma que não estava enxergando aquela mulher. Seu coração acelerou ao descobrir que Elizabeth estava sentada em uma sala de espera vazia, olhando distraidamente para uma revista. Ela, a mãe de Joseph, naquele hospital... 
Demetria assimilou tudo que tinha acontecido, tudo que poderia acontecer... O pânico tomou conta de seus sentimentos. Não, nada poderia ter acontecido com Joseph. Não! 
- Elizabeth! - ela chamou a jovem senhora, sendo recebida com um olhar surpreso. 
Demetria? O que faz aqui essa hora? - Elizabeth olhou para o pulso da mulher. - Aconteceu alguma coisa? 
- Hm... Não, nada demais. - mentiu para Elizabeth e para si mesma. - O que você faz aqui? Aconteceu alguma coisa com o Joseph? - mas então, Demetria se lembrou que não era com Joseph que Elizabeth vivia. Um outro nome veio em sua mente, o homem que ela não se pegou pensando durante toda a noite anterior. Elizabeth era casada com o pai de... Cameron. 
- Não, querida, eu estou aqui por causa do Cameron. - tudo que Demetria conseguiu pensar foi: Porra, quando toda essa merda vai ter fim? 
- O que aconteceu com o Cam? - quis saber, preocupada. Elizabeth respirou fundo e deixou sua revista de lado. 
- Ele sofreu um acidente de carro ontem, quando estava indo para o aeroporto. O rapaz estava determinado a ir para a Austrália. 
- E qual é o estado dele? - a mãe de Joseph sorriu amargamente, Demetria não teria o alívio de ouvir uma boa notícia tão cedo. 
- Nada bom. Ele teve um ferimento grave no abdomen e perdeu muito sangue. O grande problema, é que o sangue de Cameron é raro. O estoque do hospital acabou. Estão tentando conseguir uma doação, mas... 
- Qual é o tipo sanguíneo dele? - Demetria perguntou esperançossa. Talvez pudesse fazer alguma coisa para ajudar. 
- É "O negativo". - a chama de esperança se esvaiu, aquele não era o seu tipo de sangue. - O médico disse que existe a chance de que ele melhore repentinamente, mas a expressão pessimista no rosto dele entregou a verdade. 
- Posso vê-lo? 
- Só através da janela de vidro do quarto. - Demetria concordou com a cabeça. - Venha comigo. 
As duas entraram em um elevador e caminharam por um extenso corredor branco, com diversas portas. Pararam de andar quando Elizabeth apontou para um quarto ao final do corredor, com uma larga janela retangular ao seu lado. O barulho repetitivo do monitor cardíaco podia ser ouvido mesmo através daquela janela. Demetria encostou a mão na mesma e ficou com os olhos fixos em Cameron. Ele estava com uma máscara de oxigênio, várias escoriações pelo rosto. Seu braço direito estava bastante machucado. Uma larga atadura envolvia seu andomen, que estava nu. Mesmo sabendo que ele estava respirando, a angústia que sentiu ao vê-lo daquele jeito foi terrível. Queria poder fazer algo para ajudá-lo, mas o quê? Se pelo menos não estivesse se sentindo tão fora de curso para procurar uma saída. 
- Elizabeth, existe a chance de... - ela não conseguiu terminar. Sempre seria grata pelo que aquele homem fez por ela. Se lembrou do que o fez prometer no dia anterior quando foi visitá-la com aquele belo quadro. O fez prometer que ficaria bem... Como o destino era sacana. 
- Espero que não, Demetria, espero que não. 
Infortunadamente, Demetria se lembrou de Joseph ao olhar para Elizabeth. Desviou e o deixou em Cam, pensando em muitas coisas. E a que mais lhe incomodava era: o que aconteceria com sua vida a partir daquele dia que estava apenas começando? 

Don't wanna think about it, don't wanna talk about it
I'm just so sick about it
I can't believe it's ending this way
Just so confused about it, feeling the blues about it
I just can't do without ya
Tell me is this fair.

Is this the way it's really going down?
Is this how we say goodbye?

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