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terça-feira, 5 de maio de 2015

Secretary III - Capítulo 24

Mar e Lua
(Músicas do capítulo: Beauty From Pain do Superchick, Castle Of Glass do Linkin Park, Valley Of The Dolls da Marina & The Diamonds, Ride da Lana Del Rey, Leave My Body da Florence + The Machine, Talking To The Moon do Bruno Mars e What I've Done do Linkin Park. (Se possível, deixe todas carregando e as coloque para tocar quando cada aviso surgir. Só lembrando que muitas vezes determinada música não está em determinada cena por sua letra, mas sim por sua melodia)



(Coloque a primeira música para tocar!)
Os fragmentos da luz revigorada pelo início de um novo dia me despertaram. 
Em um sobressalto, logo me vi com o tronco erguido, olhando com rapidez para ambas as direções de meu quarto, como se procurasse algo. Ou alguém. Meus olhos ardiam minimamente, havia um fraco incômodo na região que circundava meus olhos, proveniente do sono absurdamente frágil que me fez acordar assustada muitas vezes durante a fria noite. Memórias ainda palpáveis do dia anterior ecoavam em minha mente, despertando a nociva nuvem cinza de pavor que tentava impedir que eu me erguesse daquela cama e começasse a ver tudo de forma diferente, de forma ensolarada. Não que eu estivesse acostumada com a falta de Joseph ao meu lado durante todas aquelas melancólicas manhãs, mas naquela manhã em especial eu não deixei que o aperto tão lancinante no peito me asfixiasse e me tornasse apenas um ser que se move, mas não sabe para onde está indo. O medo alojado em cada canto de meu corpo, até mesmo em cada uma de minhas células, pareceu mais ameno naquele dia em seu início. Existia algo de diferente em mim, mais precisamente me envolvendo como um véu de calmaria. Era uma sensação composta por uma mescla de familiaridade com mistério, parecia que eu tinha acabado de ser abraçada ternamente por alguém, o conforto de uma demonstração tão calorosa de carinho deixou minha musculatura parcialmente entorpecida, calma. No entanto, não havia ninguém ali disponível para me abraçar. Meus meninos dormiam profundamente, ambos virados para a direção oposta de meu corpo, incapazes de qualquer outra coisa senão aproveitar o mundo dos sonhos. Então, por que continuei a me sentir protegida? Não conseguia me recordar dos possíveis sonhos tidos durante meu sono, mas me sentia emocionalmente cansada, apesar de ter tido a oportunidade de relaxar a mente um pouquinho. Emocionalmente cansada exatamente como quando sonhava a noite inteira. Era estranho, devo admitir, pois eu sempre lembrava com uma minuciosa clareza de tudo que vivenciava enquanto visitava o mundo dos sonhos. 
Inevitavelmente, pensei em meu pai. 
Voltei a encarar meu quarto, ajeitando os fios bagunçados de meus cabelos, segurando-os com meus dedos polegares e indicadores para colocar algumas mechas teimosas atrás de minhas orelhas. Após um longo suspiro, chequei se meus filhos permaneciam adormecidos e depositei um beijo na testa de cada um, deslizando para fora da cama sem emitir um ruído sequer. Vesti meu roupão branco e me encaminhei para um dos cantos do cômodo, ainda absorta demais em devaneios para pensar em fazer qualquer coisa produtiva. 
A infinidade de dados que minha mente ainda lutava arduamente para processar era a consequência de meu estado de inércia enquanto encarava um ponto ao longe através da janela, dispersa a tudo ao meu redor. Aquele era o dia em que prometi a mim mesma que iria até o fim do mundo para descobrir o paradeiro de Joseph. Joseph Jonas, segundo David, estava vivo. Não seria necessária muita divagação para ligar ambos os fatos e obter um possível desfecho para aquele mistério que há dias levara minha paz embora. Era muita coincidência. Ou melhor, não era coincidência. Mas, também, havia uma segunda descoberta que eu ainda tentava lidar. Eu teria de contar a mamãe e Peter o que Philip revelou no dia anterior. Teria que olhar nos olhos de minha mãe e lhe dizer que o homem que ela amou não era um monstro, mas existia um monstro de mesma aparência à sua espreita, que se aproveitou de um momento vulnerável para enganá-la friamente.
Após encarar minuciosamente a aliança em meu dedo anelar, saí da janela e fui a passos vagarosos até o closet, adentrando-o hesitante quando o cheiro pertencente às roupas me recebeu gentilmente, como uma carícia distinta ao meu olfato. Inalando o cheiro de meu marido, encarei suas camisas bem organizadas em um dos lados, aproximando-me para poder cheirá-las, tocá-las, examiná-las uma a uma enquanto me perguntava como teria sido sua noite longe de mim. Toquei minha barriga e reformulei mentalmente: longe de nós. Deveríamos estar no Havaí naquele exato instante. Felizes e com nossos filhos. Eles se divertindo pela praia e nós com o comportamento típico de um casal de namorados apaixonados. 
Eu ainda buscava meios para reinventar uma forma de respirar sem tê-lo por perto, viver sem tê-lo por perto. Existir em um mundo que, aos meus olhos, deveria ser vivido a dois. Deduzi que jamais seria capaz de me acostumar com sua ausência, que ele estaria sempre ocupando o cargo de maior importância em meus pensamentos. Ele era meu último pensamento ao adormecer, o primeiro ao despertar. E permanecia estagnado em minha mente, exalando coragem de forma inconsciente, distribuindo preciosos vislumbres de uma força que se preparava para atingir seu auge. Quando, enfim, eu estivesse pronta para lutar
Desisti de tentar mergulhar novamente em um mar de lamentação e passei a vasculhar por algo em minhas roupas, encontrando por fim um sweetsuit propício para uma boa caminhada. Tomei um banho rápido, vesti meu conjunto de corrida, calcei tênis confortáveis e prendi meus cabelos em um frouxo rabo de cavalo. Após forçar meu estômago a aceitar um café da manhã simples, esperei pacientemente no sofá da sala até que minha mãe chegou. Como de costume, ela aparecia todas as manhãs para me auxiliar com o que eu precisasse. Ao olhar em seus olhos, senti o característico aperto no peito juntamente com algo travando a passagem de minha garganta. Com lábios semiabertos, depositei meu olhar firme sobre o chão e respirei fundo. Não era uma hora aceitável para uma conversa tão delicada como aquela, eu precisava sair um pouco daquela casa e tentar organizar meus pensamentos de forma concreta, definitiva. Após uma troca desimportante de palavras, despedi-me dela com um leve abraço e saí pela porta, ouvindo apenas um singelo “Cuide-se”. Caminhei a passos rápidos até que me vi na rua, abaixando um pouco minha cabeça coberta pelo capuz do agasalho, para evitar chamar a atenção. Bom seria se eu pudesse me tornar invisível por um tempo. 

A quantidade de pessoas circulando pelo Hyde Park era quase nula, mas ainda assim eu tentava fugir de todos os possíveis olhares que receberia caso erguesse meu rosto. Segurei com mais firmeza a garrafa com água e tentei diminuir a frequência de meus passos. Queria correr, mas preferi evitar. A preocupação com meu bebê era instintiva, surgia a cada novo segundo em que algo possivelmente ameaçador parecia surgir ao meu redor. Com poucas semanas de gestação, o embrião se desenvolvendo em meu ventre não era capaz de me ouvir, mas mesmo assim eu conversava mentalmente com ele, sempre. Pedia que aguentasse firme, que confiasse em mim. Prometia a ele que logo não teria nada a temer. Não era capaz de negar, o medo de sofrer um aborto devastava minha alma. 
Era bom respirar aquele ar frio, sentir que aos poucos eu conseguia obter uma melhor visão de todos os ângulos de meus problemas. Só me restava vasculhar por soluções, desesperada para encontrá-las logo, pois sentia que não tinha muito tempo. Não sabia explicar, mas pressentia existir uma contagem regressiva promovida pelo destino, bem diante de mim, ordenando que eu corresse contra o tempo. Instinto, talvez. 
O conjunto cinza que cobria meu corpo era um pouco largo, ocultava minhas curvas e o capuz escondia boa parte de meu rosto livre de qualquer maquiagem. Era exatamente isso que eu queria, me esconder do mundo por um tempo. Então continuei a caminhar, prestando atenção apenas ao som do vento envolvendo os galhos frágeis das árvores castigadas pelo inverno, juntamente com o canto jubiloso de alguns passarinhos receosos a respeito de abandonar o conforto de seus ninhos. A atmosfera era carregada, triste. O mundo parecia silenciosamente triste. O meu estava. 
Presa por um momentâneo estado de distração, demorei a constatar o que produzira aquele baque que obrigou meu corpo a esquivar alguns passos para trás. Minha audição captou um tipo de grunhido surpreso, então ergui meus olhos e avistei outro par deles me encarar de forma surpresa. Os cabelos ruivos moldavam o rosto da mulher, que parecia totalmente exausta por uma corrida finalizada bruscamente graças a minha falta de atenção. Retirei meu capuz e pisquei os olhos algumas vezes, tentando sorrir. Melissa imitou meu gesto e, um pouco incerta, escolheu não se aproximar, apenas me cumprimentou com um aceno. Por um instante, eu desejei que fôssemos as melhores amigas de infância novamente. Algumas coisas eu simplesmente não me sentia à vontade para desabafar com ninguém, o que, nesse caso, seria remediado apenas com a presença de alguém que escuta seus problemas sem ousar julgá-los. Bom, eu já tinha pessoas assim por perto, então não adiantava de nada sentir aquele vazio. 
Eu não tentava expor meus sentimentos porque temia alguns deles. Porque não queria aceitar alguns deles. Principalmente o medo. 
- Como vai, Demetria? - Melissa perguntou gentilmente, ajeitando seus cabelos. Algo em seu olhar revelava que ela sabia o que se passava com minha família. E quem não saberia àquela altura do campeonato?
- Já estive bem melhor, se quer saber. - sorri com um desânimo expresso em minhas feições, vendo-a concordar sem jeito, entristecida. Não tínhamos o que conversar, seu olhar complacente revelou de uma vez por todas sua familiarização com as notícias recentes, e ela parecia disposta a não tocar em nenhuma ferida. Trocamos outro sorriso fechado e ambas retomamos nossos percursos em direções contrárias.
Até que ouvi sua voz chamar meu nome de forma decidida. Talvez até alta demais. 
- Primeiramente, eu sinto muito pelo que está acontecendo. - concordei em silêncio, sentindo o vento ficar mais forte. Melissa deu um passo em minha direção e mordeu os lábios, incerta. Parecia com medo de algo, procurava por qualquer vestígio da presença de alguém com olhos aflitos. Continuei e encará-la sem compreender. - E... Bem, eu realmente não deveria me meter nisso, mas vou carregar um peso infinito na consciência se não tentar tirar algum proveito da informação que tenho. 
- Informação? - indaguei, de repente constando um súbito avanço no volume de minha voz. A mulher concordou com a cabeça e pensou antes de retomar sua explicação.
- Cheguei a comentar com você que trabalho na redação de uma revista, certo? - apenas meneei positivamente minha cabeça, aflita devido a todo o mistério que ela escolhia fazer. - É uma revista de celebridades, sabe. Uma revista de fofoca, melhor dizendo. - Melissa torceu os lábios, não muito satisfeita com o que dissera. - Seu marido é conhecido em Londres, mesmo que não seja sempre o alvo dos paparazzi. Digamos que a humanidade fervilha quando ocorre algo assim, todos querem saber mais. Acontece que um dos paparazzi que trabalha para a nossa revista conseguiu algumas... Fotografias. - ela trancou os lábios em uma linha reta e encarou meu rosto, tentando identificar o que minhas feições murchas planejavam lhe dizer. Eu simplesmente continuei imóvel e calada. Não queria me sobressaltar antes da hora, poderia sofrer uma queda dolorida. - Demetria, você já assistiu A Volta dos Mortos Vivos? - um riso desconfortável fora identificado por minha audição. Melissa cruzou os braços na altura do peito e ergueu as sobrancelhas.
- Eu não vejo como um filme pode servir de explicação para seja lá o que você esteja tentando me dizer. - soltei as palavras rápido demais, engolindo em seco quando voltei a me calar. A ruiva bufou e largou os braços ao redor do corpo, desistente em continuar evasiva. 
- Conseguimos fotos de alguém muito parecido com Joseph Jonas, pai de seu marido. O que é um espanto, já que todos acreditavam que o homem estava morto. Não dá para saber com muita clareza se de fato é ele, mas no dia seguinte em que as fotos foram tiradas, quando pensávamos em um meio de publicá-las na próxima edição da revista, a redação recebeu uma espécie de... Ameaça. Então, por via das dúvidas e para preservar a segurança da empresa e dos funcionários, as imagens foram descartadas. Bom, pelo menos é o que pensam. - ergui uma sobrancelha e não hesitei antes de lançar-lhe um olhei sugestivo, quase pedindo impacientemente que ela me fornecesse mais detalhes. Uma ideia se fixou em minha mente. Caso fosse o que eu estava pensando... - As fotos foram tiradas enquanto ele saía de um carro. É possível enxergar o número da placa desse carro e, com um pouco de esforço, identificar até mesmo o local em que ele está.
- As fotos estão com você? - expressei minha curiosidade quase insuportável, que já me deixava inquieta a ponto de não conseguir manter a musculatura relaxava. A contagem regressiva voltou a povoar minha mente como uma cena demarcada com um alerta de desespero eminente. O gesto seguinte de Melissa deu início a uma nova esperança. Ela balançou a cabeça de forma afirmativa, em silêncio, voltando a olhar pelos arredores para se certificar de que tinha discrição. Cada mísera partícula de meu ser pareceu vibrar em ímpetos constantes de uma alegria considerada precoce. Um pouco cedo para comemorar, eu pensei. 
- Não estou com elas agora, mas... - Melissa retirou um pequeno pedaço de papel e uma caneta de sua bolsa e rabiscou algo, entregando a folha para mim. - Encontre-me nesse endereço e eu vou mostrá-las e entregá-las a você. Espero que sirvam de alguma ajuda. Mas, por favor... Finja que não sabe de nada, finja que não viu nada. - sem saber como agradecer, logo me vi abraçando-a, pois qualquer pessoa que demonstrasse algum tipo de preocupação com o desaparecimento de meu marido merecia todo o meu agradecimento. Deixando-me em um estado de dívida eterna. 
- Melissa... Obrigada. Muito obrigada! - levei uma mão trêmula até minha boca, encarando o céu com olhos marejados. Era inevitável controlar as ondas de alivio que me atingiam. - Eu nem sei como te agradecer, mas saiba que isso é muito importante para mim e...
- Shhh! - ela me cortou quando nosso abraço fora desfeito. Lágrimas já dificultavam minha visão, a mínima possibilidade de que logo eu teria Joseph ao meu alcance falou tão alto que não consegui me segurar. - Não precisa me agradecer. Se não fosse por você, eu teria perdido minha virgindade no primeiro ano do colegial, com um tremendo babaca! Mas lá estava a Demetria puritana que me trancou em casa e jogou minha chave pela janela, alegando que eu não sairia de lá até que recobrasse a sanidade! - ela concluiu sorridente, então vi-me rindo mesmo tentando conter lágrimas. 
Despedimo-nos e seguimos nossos caminhos. Enquanto eu voltava vertiginosamente para minha casa, não consegui deixar de pensar em como era bom poder ter esperança novamente, como era bom poder finalmente largar o sentimento de impotência. Em como a sensação que senti ao acordar não fora em vão. Ela teve, sim, um grande significado. 


Era ele
Mas, apesar de esperar tanto poder reconhecê-lo, não deixei de me sentir espantada, totalmente perplexa enquanto fitava o rosto desfocado do homem. A exatidão de meu raciocínio seguinte tornou-se uma luz ao fim de um túnel de aparência até então interminável. Se eu conseguisse localizar Joseph, conseguiria localizar Joseph. A sensação de seu corpo junto ao meu tornou-se extrema, de repente o toque de seus lábios pareceu alcançável novamente. Não, eu ainda não o tinha perto de mim, mas não demoraria tanto para conseguir meu paraíso de volta. Existia um fantasma da negatividade que me rodeava, tentando poluir meus pensamentos com a ideia de que nada era tão fácil como parecia. E se Joseph aparecera somente para tentar encontrar o filho, assim como eu? E se ele não soubesse de nada? Talvez nem estivesse se importando, talvez sempre esteve por perto, mas nossa distração feliz nunca permitiu que pudéssemos enxergá-lo. Talvez de fato fosse o responsável pelo desaparecimento de Joseph... E talvez não tivesse a intenção de devolvê-lo para meus braços.
Então, eu tratei de afastar aquele fantasma com a força de meu amor, o combustível capaz de me levar longe naquela estrada percorrida com uma implacável certeza. Encarei mais uma vez as fotos de Joseph Jonas e senti a determinação correr viva por minhas veias, ela era tão forte que não dei tempo ao meu ser para sentir ódio do homem. No entanto, calafrios foram indispensáveis ao momento, pois algo em seu rosto me deixava inquieta. Eu precisaria de ajuda para encontrá-lo, porque sabia que não seria capaz sozinha. E nem queria. Ele me despertava um medo de origem desconhecida, um tipo diferente de aflição. Talvez porque eu era capaz de me colocar no lugar de Joseph e imaginar o que ele deve ter sofrido tendo de ter um pai como aquele.
E a incerteza pode ser algo aterrorizante.


- A boia, mamãe! A boia! - Matt dizia animadamente enquanto dava passinhos apressados na direção em que sua mini bola de futebol corria de um lado para o outro do recinto, enquanto ele ria ao perceber que a mesma se movia quando ele tentava segurá-la. Assisti-o em silêncio, sorrindo apenas quando seu rosto se virava na direção do meu. Estávamos na casa de minha mãe para almoçar, já que não tive outra saída senão aceitar seu convite. Seria minha deixa para conversar com ela e compartilhar com dificuldade um segredo que deixaria de ser um segredo talvez um pouco tarde demais. Aproveitando que Jamie e meu irmão não estavam por perto e Matthew não compreenderia a gravidade do assunto, esperei silenciosamente até que assisti minha mãe se aproximar do sofá onde eu permanecia sentada, inquieta. Ela sentou-se ao meu lado e encarou seu neto brincalhão sobre toda a extensão do cômodo, sorrindo abertamente. Ver seu sorriso doeu em meu coração. Eu teria que desfazê-lo, mesmo contra minha vontade, mesmo que jamais fosse a intenção. Por mim, ela poderia e deveria sorrir pelo restante dos tempos. 
- Eu não me conformo com a velocidade em que ele cresce! - ela disse de repente, pegando-me surpresa. Mexi-me desconfortável e virei meu tronco em sua direção, escondendo meu rosto com as mãos ao dar um longo suspiro e me preparar para a revelação. - Logo não estará correndo atrás de um brinquedo, mas sim de uma namorada! - mamãe deduziu, toda pomposa, orgulhoso de meu bebê. Obriguei-me a rir minimamente e falsamente, por fim percebendo que não seria capaz de enganá-la. Afinal, você pode ter máscaras o suficiente para enganar o mundo inteiro, masnunca terá uma que convença sua mãe. Fiz questão de fitá-la por um instante, imaginando-a mais jovem, no ano em que conheceu Quentin. Imaginei ambos felizes, juntos. Tentei imaginá-los alguns anos mais tarde, ainda juntos. Tentei me imaginar com eles, sendo abraçada pelos dois. Imaginei a família que seríamos, as histórias que papai e mamãe contariam para mim antes de dormir. Imaginei aquele exato momento, só que de forma diferente. Imaginei um homem com cabelos grisalhos adentrando o cômodo, abrindo um sorriso totalmente paternal e feliz quando me avistasse, então, esse sorriso seria refletido em meu rosto e eu correria para abraçá-lo, sendo mimada como se ainda fosse uma garotinha. Imaginei-o sentando ao lado de Matthew, admirando-o dedicadamente, não sendo capaz de conter a felicidade extrema em seu peito enquanto observava seu neto. Imaginei meu pai presente ali. E então me vi chorando. - Filha, o que foi? - os olhos de minha mãe se arregalaram e ela aproximou-se espantada, passando uma de suas mãos por meus cabelos soltos. Limpei meus olhos antes de criar forças para encará-la, prendendo o ar até que não aguentei mais e precisei soltá-lo, repetindo essa ação outra vez quando, enfim, lancei meu olhar úmido na direção do seu. 
Contei-lhe tudo. Talvez não com a mesma riqueza de detalhes que Philip utilizou, mas o suficiente para deixá-la a par do mais importante. Esperei e acompanhei seu silêncio, analisando suas feições contraídas em uma seriedade que fazia meu coração bater de forma acelerada. O desespero crescendo em meu peito quando a imagem dela chorando diante de mim vinha certeira. Mas não foram lágrimas que enxerguei em seus olhos. Parecia estranho, até pensei estar enxergando coisas, mas suas duas íris lindamente acinzentadas e de efeito tão calmante estavam brilhando. Abri minha boca levemente para tentar dizer algo, mas não fui capaz. Mamãe piscou duas ou três vezes e abaixou um pouco o rosto, escondendo-o de mim por um instante. Apenas para erguê-lo no seguinte e revelar nada mais, nada menos, que um sorriso. 
- Mãe... - tentei, estranhando suas reações. Ela parecia... Aliviada. 
Eu sabia. - ela sussurrou de forma quase inaudível, fechando os olhos firmemente e vasculhando por uma de minhas mãos, encontrando-a e unindo-a com a sua, apertando um pouco. - Eu sabia! - repetiu mais alto, revelando então aquelas tímidas lágrimas que fizeram minha angústia crescer. Ela era uma mulher tão forte que eu seria capaz de contar em meus dedos as vezes em que tive o pesar de vê-la aos prantos. 
- Como assim você sabia? O Philip disse que nunca te contou e... - pausei minha frase quando ela negou com a cabeça e me olhou agoniada, como se pedisse permissão para falar. 
- Não foi algo imediato. Mas, quando o... - ela não queria dizer o nome. - Quando o Arthur foi embora, eu sabia que aquele não era o homem que eu amava. Demorei um pouco para tomar consciência plena disso, e até hoje eu não tinha conseguido obter uma confirmação, mas havia uma certeza profunda dentro de mim, Demetria, eu simplesmente sabia. E agora, ouvindo você dizer tudo isso, eu não consigo fazer nada a não ser me sentir aliviada. - eu tentava compreender suas palavras, apesar de não obter sucesso. Sua felicidade continuava incompreensível aos meus olhos. Afinal, Arthur brincou e pisou em cima de seus sentimentos de uma forma considerada insuportável por muitos. - O que eu posso dizer? Sim, eu odeio o Arthur, me odeio por ter acreditado em todo aquele teatro, por ser tão cega, mas existe o Peter nessa história. E eu não me arrependo dele. Foi um dos erros mais certos que cometi. Vocês dois são os erros mais certos que cometi. E, se me permite dizer, eu voltaria no tempo quantas vezes fosse necessário para cometê-los novamente.
Lidar com tal descoberta seria capaz de devastar qualquer um, mas era de Sue Lovato que estávamos falando. 
Pensei em respondê-la, ou melhor, em abraçá-la bem forte, mas o som de uma porta sendo fechada bruscamente dispersou nossa atenção voltada para aquele assunto delicado. Ambas erguemos nossos rostos para fitar a escada logo a nossa frente, constatando a razão daquele som. Encaramo-nos sem saber o que fazer, sem reação. Peter tinha escutado a conversa, é claro. E obviamente sua aceitação não seria nem de longe semelhante a de minha mãe. Ele era o inocente em uma história corrompida por um vilão, o pior deles. 
Mamãe fez menção de se levantar, mas tratei de fazer isso antes dela, lançando-lhe um olhar firme e revestido com segurança, pedindo que ficasse ali. Peter era muito jovem para compreender certas coisas, provavelmente não se encontrava em seu estado normal, sempre tão compreensivo e disposto a lidar com qualquer situação. Ele diria a nossa mãe o que ela não merecia ouvir, o que, no fundo, ele não pretendia dizer. E não seria justo com ambas as partes que uma dor assim se infiltrasse em seus corações. Voltei a olhar minha mãe com o máximo de conforto que pude, disposta a ampará-la a qualquer custo. Lentamente fui subindo as escadas, pronta para o que me esperava dentro do quarto de meu irmão. Aquele era um dia diferente, um dia em que pude finalmente sentir a força retornar ao meu interior. Caso contrário, como lidaria com tantos acontecimentos em um dia que ainda nem havia chegado a sua metade?
Inspirei e expirei antes de pensar em bater na porta do quarto de Peter, realizando o ato lentamente, de forma sutil. Não demorou para que ele puxasse a maçaneta e surgisse a minha frente, as feições indecifráveis logo se esconderam quando voltou a se virar, deixando a porta entreaberta, dando-me liberdade para entrar. Porém, quando o fiz, não gostei do que vi. Havia roupas espalhadas pelo chão e uma mala sobre a cama, onde ele fazia questão de jogar de forma desenfreada seus pertences. Eu não sabia se começava a repreender sua atitude ou se tentava entendê-la. Digo, não seria melhor buscar por uma explicação direcionada totalmente a ele antes de tomar qualquer iniciativa impulsiva?
Encarei seu rosto levemente avermelhado e dei um passo a frente, buscando por segurança o suficiente para realizar o seguinte. Logo eu estava de frente para sua cama, retirando com rapidez o que ele colocava dentro da mala. A princípio, Peter nada disse, apenas continuou o que fazia, me ignorando completamente. Persistente, continuei a pegar suas peças de roupa e tirá-las da mala, conseguindo finalmente atrair sua atenção. Lançando-me um olhar irritado, ele cessou seus movimentos e ficou ali, esperando por algo. Algo que levaria embora aquela nova realidade que ele fora obrigado a presenciar, algo que aliviaria o peso das palavras ditas. 
Não me afetava em nada saber que ele era filho de quem era. Em momento algum enxerguei aquele que sempre seria meu irmãozinho pimentinha de outra maneira. 
- O que está fazendo, Pete? - pedi baixinho, confusa.
- Tentando ir embora. - respondeu simplesmente, pronto para retomar a desorganizada organização de sua mala. Bufei e segurei sua mão com força, impedindo-o de continuar. Fitei-o firmemente e consegui fazê-lo largar a peça de roupa, afastando a mala o suficiente para que ele desviasse sua atenção dela. Sua estatura era superior a minha, mas eu era a irmã mais velha. Ele precisava me ouvir. 
- Por quê? - perguntei firme, mas sendo cuidadosa ao pronunciar as palavras.
- Porque, de acordo com o que ouvi sem querer, eu sou filho daquele... Daquele desgraçado! Você tem ideia do que estou sentindo agora? - assisti enquanto seus olhos marejavam aos poucos, logo os deixando levemente avermelhados. - Eu sou filho do homem que destruiu a nossa mãe! - sua voz grave e aturdida soou ainda mais alta, e eu tentei me controlar para não vacilar e demonstrar minha tristeza. - Vocês não merecem olhar para mim e lembrar disso. - neguei prontamente com a cabeça e ergui minhas mãos para apoiá-las em seus ombros largos, reforçando nosso contato visual. 
- Em primeiro lugar, como você pode dizer que aquela mulher foi destruída? Uma pessoa destruída aparenta aquela vontade de viver tão grande, Peter? Não! Em segundo lugar, não vale a pena agir assim. Você não pode simplesmente acreditar que o fato de ter um pai como ele torna você uma pessoa ruim. Isso não é verdade. - falei pausadamente, aliviada por notar que aos poucos ele parecia menos agressivo. - Nós três podemos conversar por horas se você quiser, podemos debater esse assunto até que não aja mais nada a ser dito, mas jamais sinta-se inferior a pessoa incrível que você sempre foi por causa daquele homem. Ele não merece a sua dor, e aquela mulher incrível lá na sala merece a sua alegria. 
Demetria... - ele tentou com a voz embargada, balançando sorrateiramente os ombros como se pedisse que eu o soltasse.
- Calado, rapaz! Sua irmã mais velha e grávida está falando! - ordenei com firmeza na voz, frisando os termos de maior importância. Teríamos rido juntos se não fosse um momento tão denso. - Não me importo com quem foi seu pai, me importo com quem você é. Você é o meu irmãozinho e nada vai mudar isso. - sorri abertamente, passando-lhe confiança. - Tem ideia de como me senti feliz e realizada quando segurei você pela primeira vez? Eu queria tanto um irmão! Lembra de quando nós acampávamos no jardim? Assistíamos filmes de terror escondidos da mamãe? Brigávamos e instantes depois já estávamos rindo um do outro? - ele riu fracamente, mas eu sabia que o gesto fora apenas para tentar me convencer de que tudo estava bem. Eu sabia que não estava. Sentei-me sobre sua cama e bati com a palma de minha mão sobre o espaço vago ao meu lado, assistindo meu irmão sentar-se ali. - Lembra de quando inventamos de fazer um bolo para a festa de aniversário surpresa da mamãe? - a lembrança não passou despercebida por ele, que logo arregalou os olhos e me olhou sorridente, incapaz de continuar a sustentar qualquer sinal de revolta. - Tinha farinha até no teto da cozinha! - divertia-me com a lembrança. 
- E você lembra de quando ela foi experimentá-lo? Ela disse “Oh, meu Deus, como isso está bom!”, mas lembra a careta que ela fazia enquanto comia? - mesmo tristes, nós ríamos sem pudor, encontrando maneiras de nos escondermos de nossa fria realidade por um instante, voltando a infância. 
- Eu nunca comi um bolo tão horrível em toda a minha vida! - torci os lábios.
- Se é que aquilo podia ser chamado de bolo. - concordei, notando o silêncio voltar a cair sobre nós. Esfreguei as palmas de minhas mãos sobre minhas pernas e suspirei, notando que ele havia voltando a ficar pensativo, os olhos tristonhos prontos para marejar novamente. - Desculpe, eu não sei o que me deu. - Peter pediu arrependido. 
- Apenas não faça isso com ela, você sabe que ela precisa de nós mais do que qualquer outra coisa. - aconselhei, abaixando meu tom de voz. - Acha que isso realmente muda algo na maneira como a mamãe te vê? Não, não muda. Não se esqueça que o amor de mãe é incondicional. 
Abraçamo-nos como apenas dois irmãos podem fazer, a cumplicidade tão presente ali. Passei meus dedos por seus cabelos e depositei um beijo em sua bochecha, aceitando de forma compreensiva quando ele afirmou que precisava de um tempo sozinho. Para pensar e para arrumar a bagunça que tinha feito, é claro. Levantei-me e saí de seu quarto, descendo as escadas e retornando à sala, torcendo para que minhas palavras despertassem realmente um efeito benéfico em meu irmão. 
Olhei incerta para minha mãe, que permanecia sobre o sofá, com os olhos fixos em um Matthew sentadinho sobre o tapete que agora prestava atenção no desenho animado transmitido em um canal infantil de televisão. Havia um pequeno baú de madeira repousando ao lado de mamãe, e eu me recordava de tê-lo visto algumas vezes, quando ainda criança, mas nunca pude descobrir o que o mesmo escondia. Percebendo minha presença, ela ajeitou-se e sorriu, fitando-me enquanto eu voltava a ficar ao seu lado. Sem hesitar, sem pensar em explicar, ela vasculhou por algo no baú e retirou dali um ursinho de pelúcia. Era de cor caramelo e havia um laço de um vermelho desgastado formando um laço em seu pescoço. Ergui meu olhar, não acreditando no que via.
Ela guardou o único presente que recebi de meu pai.
Ainda sem dizer nada, mamãe levou a pelúcia em minha direção, pedindo com o olhar para que eu a recolhesse. Reagi como teria reagido se de fato meu pai estivesse ali me presenteando, não conseguindo barrar a felicidade que tomou conta de mim. Acariciei a pelúcia, sem saber o que dizer. Não fomos capazes de mais nada a não ser sorrir uma para a outra, então meu bebê revelou-se a nossa frente, olhando com olhinhos brilhantes para o ursinho que eu segurava. Logo o entreguei a ele, que analisou o mesmo para então sorrir e voltar a se sentar sobre o tapete, rindo do que assistia. 


Pouco antes das duas da tarde, retornei a minha residência. Enquanto Jamie caminhava a minha frente para passar pelo portão, retirei Matt de sua cadeirinha e o segurei firme em meu colo, notando como apoiava a cabeça em meu ombro, demonstrando sono. Fui a passos calmos na direção de minha casa, até que algo fez com que eu congelasse meus movimentos. A princípio, tudo que fiz fora arregalar um pouco meus olhos, explicitando minha surpresa que variava entre boa e ruim. Boa porque enxerguei três rostos absolutamente conhecimentos, rostos que, de certo modo, me transmitiam confiança, mas havia um quarto rosto. Esse foi apenas capaz de me proporcionar repulsa. Ainda com Matthew em meu colo, movimentei-me com cautela para não assustá-lo, chegando cada vez mais perto dos quatro visitantes, que notaram minha presença e já se aproximavam. DominicKarlieCaleb e... Valerie. Era compreensível receber a visita dos três primeiros, afinal, eram meus amigos, mas o que aquela mulher fazia na frente de minha casa com um sorriso falsamente gentil? Engoli em seco, receosa em olhar para ela, afinal, eu tinha uma criança em meu colo e não seria ortodoxo me exaltar. Karlie veio para perto de mim, saudando-me com um abraço simples, segurando a mãozinha de Matt para cumprimentá-lo também. Dominic e Caleb apenas acenaram com a cabeça, enquanto eu correspondia incerta. Poupar apresentações arrastadas parecia o certo, não havia tempo a perder. 
- O que estão fazendo aqui? - pedi ainda surpresa, aos poucos sentindo meus músculos relaxarem, dando passos na direção da porta. Jamie já havia se enturmado com os dois homens, principalmente com Caleb. Deveria estar sentindo falta dele, era seu companheiro de vídeo game.
- Como assim o que estamos fazendo aqui? - Karlie pediu confusa, levando as mãos até a cintura ao adotar uma pose convencida. - Viemos para salvar o mundo, gata! - assegurou, olhando para trás para obter a confirmação de suas palavras por partes dos outros presentes.
- O que ela faz aqui? - apontei com o rosto para Valerie, lançando-lhe um olhar vago, recebendo outro semelhante.
- Acredite se quiser, mas ela veio para ajudar. Eu sei que você não acredita nisso, mas acredite em mim, ok? Nós vamos te ajudar! - respirei fundo e, ao trocar um olhar com eles novamente, deduzi que seria melhor compartilhar minha informação até o momento confidencial. Eles poderiam, sim, me ajudar. Era a ajuda que eu tanto esperava. Bom, eu pensava assim sobre meus amigos, mas sobre Valerie... Ainda tinha dúvidas. 
- Vocês apareceram em boa hora. - comentei amigável, caminhando pelo jardim e pedindo que me acompanhassem. Menos Valerie, que ficou para trás, apenas olhando. Menos mal. - Venham, tenho algo para mostrar. 
- O que é? - Dominic perguntou curioso.
- Não me olhem como se eu fosse maluca, certo? - pedi, deixando-os confusos, procurando entender ao que eu me referia. - Mas eu consegui fotos de Joseph Jonas, o pai de Joseph. Sim, ele está vivo e eu temo que seja o responsável pelo sequestro. Nessas fotos é possível ver a placa de seu veículo e os arredores do local onde está. Talvez seja útil. - apesar de atônitos, não ousaram proferir objeções ao fato compartilhado. Demonstraram o entendimento pleno de minhas palavras. 
- Eu posso cuidar disso, Demetria. - Caleb manifestou-se, explicando que gostaria de ser responsável pela parte da investigação e análise das fotos. Concordei, assistindo-os adentrarem minha casa. Troquei um último olhar com Valerie, que continuava na rua, olhando sem expressão para mim. Abaixei o olhar e adentrei o recinto, seguindo meus amigos. 
Passamos um bom tempo envoltos em pistas invisíveis, pistas quase nulas. Uma conversa minuciosamente cuidadosa com duração entre uma ou duas horas, enquanto tentávamos chegar a conclusões até o momento inexistentes. Pedi que Jamie ficasse cuidando de Matthew enquanto eu depositava toda a minha atenção no que os três a minha frente tinham a dizer. Ninguém era mágico, ninguém possuía super poderes, tampouco seriam capazes de prever o futuro, mas eu sabia que eles fariam o possível e o impossível para me ajudar. Cada um ficara responsável por uma parte daquele plano que arquitetamos. Caleb recolheu as fotos e iria tentar analisá-las de maneira rápida. Dominic o seguiria caso decidissem investigar o local encontrado. Karlie, apesar de reclamar ao perceber que não tinha uma função determinada, conformou-se a ser apenas uma amiga que permaneceria ao meu lado. Eu sabia que aquele dia ainda reservava muito para mim. Sentia-me pronta para o inesperado, o inevitável. Talvez até para o impossível. 
Karlie sorriu intercalando seu olhar que vagava de Caleb até o local onde eu permanecia sentada, provavelmente tendo algumas memórias. 
- É bom estarmos todos juntos novamente. Da última vez deu certo, vocês se lembram? - apenas concordei com a cabeça, esperançosa apesar de inquieta e temerosa. Da última vez em que nos unimos para salvar Joseph, os cuidados a serem tomados não foram tantos. Agora existiam meus filhos, minha gravidez. Um delicado emaranhado de preços a pagar, riscos a correr, consequências a sofrer e dores a sentir. 
Desde que o resultado final fosse a mão de Joseph sobre a minha e a segurança absoluta de nossa família, tudo bem. 


Joseph's P.O.V

Preso. Outra vez.
Não pude decretar a Joseph qual seria minha escolha. Quando ele revelou a porta aberta a sua frente, explicitando o fato de que eu poderia fugir no momento em que quisesse, não consegui proferir uma resposta imediata. Ele disse que, caso eu continuasse ali, teria a chance de descobrir o motivo de tudo aquilo, o motivo que o levou a sequestrar o próprio filho. Lembro-me apenas de encará-lo pensativo, quase cedendo a vontade de encontrar minha família de uma vez por todas. Mas existia aquela parte em meu ser que queria investigar sua conduta, a parte que queria encontrar um meio justo para provar que o homem que um dia chamei de pai ainda habitava o corpo daquele ser.
Depois disso, tudo não passou de uma lacuna. Devo ter desmaiado devido a fraqueza, já que não me lembrava de ter lhe dado resposta alguma. E visto meu estado no momento em que acordei, ele optou por fazer a escolha por mim. Qual hora o maldito objetivo em me manter preso feito um animal? Ele tinha medo de mim? Medo do que eu poderia fazer caso estivesse solto? Será que não tinha sequer a hombridade de me confrontar cara a cara? Tinha medo de ser homem o suficiente para dizer o que planejava e aguentar as consequências sem fugir? Certo, ele era um fraco. 
Ali, jogado ao marasmo, sentindo a fraqueza difundir-se por todo o corpo, ponderei sobre a forma bruta e intolerável como meus limites eram testados. Meu lado racional entrando em conflito com a impulsividade promovida pelo instinto irracional que logo me forçaria a eliminar qualquer um do meu caminho para escapar dali. Mas eu sabia, sabia que não seria capaz de buscar um arremate para aquele inferno se o resultasse final consistisse em eliminar alguém. E, mesmo com arduosidade, eu tratei de me manter convicto quanto a isso. Não queria um peso daquela proporção para ter de carregar em minhas costas pelo restante dos meus dias. A saída fora estabelecer regras em minha mente, detendo então a petulância responsável pelas ideias turbulentas. Desarmando-me quando já não havia arma alguma ao meu alcance, apenas a fé. Mas nem ela parecia o suficiente, pois ainda continuava vendo apenas sombras a minha frente. Nada, nada que pudesse explicitar caminho algum. 
Mal era capaz de saber como permanecia minha aparência física. A barba em meu rosto já havia crescido o suficiente para cobrir algumas regiões, eu podia sentir. Os hematomas e escoriações pelo meu rosto e braços já deveriam estar se curando, cicatrizando. Olheiras fundas deveriam estar circundando meus olhos cansados. Meu corpo tinha um aspecto combalido, mas ainda assim parecia pesado. Meus ossos e músculos nem de longe demonstravam sua resistência rotineira. Deixei que a ideia de que nunca mais seria capaz de me sentir completamente bem outra vez povoasse a mente. Mente aos poucos desistente de lutar contra o caos. Mas eu implorava a mim mesmo que não desistisse, pois sabia que aquele estado de espírito desistente era resultado da minha situação, que permanecia a mesma há vários dias arrastados. 
Entorpecido pela saudade, as boas lembranças já me cegavam. Eu não queria enxergar nada além delas. Era melhor do que fitar aquelas paredes velhas e tentar manter algum resquício de certeza perante a escuridão. Eu não tinha mais certezas concretas em relação a minhas circunstâncias. Ainda possuía algumas convicções inabaláveis como a certeza de que logo estaria com minha família. Essa era, sem dúvidas, a mais perdurável de todas. Mas, infelizmente, nenhuma parecia hábil a me tirar dali por enquanto. Ao mesmo tempo em que meu pai parecia sentir pena de mim, prestes a me conceder a tão almejada liberdade, seus olhos fulminavam ao me avistar e ele sustentava aquele olhar odioso, tão característico e familiar, como se eu fosse o responsável por toda a sua ruína, seu declínio eminente. Como se me odiasse o suficiente para não permitir que eu encontrasse uma solução para o meu problema, privando a minha vida de seguir seu curso. Sua dualidade me tirava do sério, atormentava minhas percepções. Estava se tornando difícil entender qual era seu real intuito. Benévolo ou malévolo.
Não existiam meios para negar, ele era um dos responsáveis pela minha vida, mas isso não parecia modificar em nada suas iniciativas tão errôneas. Será que ele não enxergava o sofrimento revestindo minha carne? Custava tanto assim desistir daquela insanidade e me deixar em paz? Eu não me importaria se tivesse que esquecer seu rosto e sua existência imediatamente, terminantemente, fingir que de fato nunca pertenceu àquele planeta. Muito pelo contrário, faria sem hesitar. Não investigaria meios para denunciá-lo, não tentaria afundá-lo, não faria nada que pudesse prejudicá-lo, só queria me ver livre de sua presença. E isso, naquele momento, pareceu não ter preço. A quantia exigida para obter liberdade pareceu totalmente exorbitante... Impossível de ser paga. 
Eu só queria Demetria para mim, ao meu alcance. Enlouquecia aos poucos enquanto percebia que os segundos passavam e eu continuava apenas desejando o que não podia ter no momento. Iria até o inferno e pagaria qualquer preço estipulado e necessário para ter um beijo seu, talvez um abraço também. Poderia me conformar até mesmo com um rápido e simples toque daquela pele cheirosa e macia. Qualquer coisa, qualquer indício seu, sendo ele generoso ou não. 
Novamente preso pelo martírio de não saber se era dia ou noite, minha audição identificou o som incômodo da porta sendo aberta em um rangido agudo. Meu olfato prontamente captou um cheiro diferente, provavelmente perfume feminino. Pensei em erguer o rosto, mas escolhi mantê-lo abaixado, apenas presenciando cegamente o que acontecia ao seu redor. Eu sabia que três pessoas adentravam o local, pude contar os três pares de passos rápidos. Uma delas era meu pai, mas as outras duas permaneciam desconhecidas, por mais que eu já tivesse uma vaga ideia de que poderiam ser. 
Podem entrar, senhoritas. - a voz rouca de Joseph soou, eu diria, cordial. Desfiz meu semblante fechado e preparei meu melhor sorriso desdenhoso, encontrando, em meio a confusão existente, um motivo para rir. Sua falta de originalidade sempre marcante, contribuindo sempre para o meu bom humor, apesar dos pesares. Então, tudo se tornou óbvio. Eu não precisei erguer meu rosto para saber o que a situação trazia. A única explicação para duas mulheres adentrarem um local como aquele só podia ser uma: o dinheiro as conduziu. 
Provavelmente movido pela ira repentina causada por tamanho infortúnio, ergui lentamente meu rosto, sem esconder a falta de surpresa em meu rosto inexpressivo. A primeira coisa que vi fora o homem encostado em uma das paredes e as duas mulheres ao seu lado, analisando-me atentamente, não se importando em esconderem os olhares furtivos, os gestos vulgares. Deixando que um silêncio sugestivo insinuasse quais eram as suas intenções.
Prostitutas em sua mais natural forma. Fáceis. 
Automaticamente fechei meus olhos firmemente, tentando conter a vontade de matar Joseph. A raiva elevando-se em um espiral constante, interminável. Como ele ainda ousava ter a miserável ideia de que eu poderia de fato vir a agir como ele? Tendo prostitutas ali, se ele fosse o homem preso, cederia sem fazer questão de colocar suas opções em uma balança. Nós não éramos iguais, e quando ele teria a decência de constatar isso sozinho?
- Como você é previsível. - tratei de comunicar friamente, mantendo meu olhar fixo ao seu. Meu comentário apenas contribuiu para que o homem trocasse um olhar sugestivo com as mulheres, fazendo com que ambas começassem a caminhar em minha direção. Permaneci imóvel, uma sobrancelha arqueada, ponderando se deveria dar liberdade ao riso debochado preso em minha garganta. Uma das prostitutas parou na metade do caminho e ergueu a blusa que vestia, tirando-a e revelando o tronco coberto apenas por um sutiã. A outra acabou por fazer o mesmo, enquanto elas continuavam a se aproximar. Por fim, eu ri, indiferente a ambas. 
- Você pode ser casado e de fato ser uma boa pessoa, mas continua sendo um homem. É fraco diante disso... - Joseph, com seu habitual olhar arrogante, fez menção as duas pessoas que pararam bem a minha frente e soltaram risos maliciosos. Uma dela deu a volta ao redor de meu corpo sentado e depositou as duas mãos firmes sobre meus ombros, iniciando uma espécie de massagem que me impulsionou a tentar recuar, enquanto a outra levou sua mão até a altura de meu peito, onde espalmou e simplesmente paralisou os movimentos, esperando uma ordem para continuar enquanto mordia seu lábio inferior. - Ou não se lembra do mulherengo incurável que era? - escolhi manter o olhar fixo a figura do homem, convicto ao demonstrar que não aprovava o contato que as duas mulheres tentavam manter, suas atitudes abusivas. Até mesmo os gestos involuntários contribuíam para que a mensagem chegasse clara às duas responsáveis pelas infinitas tentativas de conquistar minha suposta rendição. Rendição que não viria. 
- Não conseguiu pensar em nada melhor para corromper seu filho, Joseph? Não parou para pensar que você vai precisar se esforçar muito para conseguir fazer com que eu desista e passe a ceder a toda essa porcaria? Ou melhor, talvez não exista esforço o suficiente para conseguir o que você quer. Aceite isso de uma vez por todas! - despejei as palavras categoricamente, no instante em que a mulher a minha frente tomou liberdade para sentar-se em meu colo, aproximando sorrateiramente seu rosto do meu. Gesto que fez Joseph rir, pronto para sair pela porta e me deixar ali sozinho com ambas. - Saia de cima de mim! - porém, desistiu de continuar a se mover quando ouviu a gravidade categórica em minha voz. 
- Relaxe, Joseph, estamos aqui para ajudá-lo a passar por isso. - a voz aguda soou bem próxima de meu ouvido, o bastante para que eu caçoasse de seu esforço ao tentar me fazer ceder. 
- Receio ter que discordar de você, senhorita. - tratei de frisar a palavra que usei para me dirigir a ela. - Eu não quero relaxar, especialmente com você e ela. Agora se levante, por favor. Vá procurar alguém que queira os seus serviços. - olhei firme nos olhos da mulher, demonstrando minha irritação. Movimentei-me para um lado, a fim de tentar impedi-la de me tocar. Soltei o ar com força, consternado com o fato de que ela não me deu ouvidos. - Saia, agora! - vociferei, notando que o tom e a raiva impregnada em minha voz conseguiram enfim intimidá-la o suficiente para que se afastasse, levantando-se de má vontade. Também não era mais possível sentir as mãos da outra sobre meus ombros. 
- Ela é mesmo tão boa assim para fazer você se aquietar no mesmo canto por tanto tempo? - Joseph provocou, referindo-se a Demetria. A repulsa devido ao seu tom de voz ao mencioná-la me fez engolir em seco e cerrar ambos os punhos, prestes a utilizar de toda a minha energia lânguida para conseguir levantar dali. Ele não sabia com o que estava mexendo. - Está desperdiçando a vida, garoto! - ralhou ao negar com a cabeça, aproximando-se enquanto as mulheres lhe davam passagem. Meu olhar carregado atingiu o seu, e era como se pudéssemos fuzilar um ao outro apenas com aquele ato. 
- Já lhe disse que ela é a melhor coisa que me aconteceu, e vá para o quinto dos infernos com suas opiniões totalmente dispensáveis. - ri com escárnio, uma reação automática quando captava seu semblante tornar-se contrariado, aturdido. Por um momento, me permiti encarar as prostitutas, apenas para dar continuidade a minhas palavras. - Você se esforça tanto para demonstrar que tem o poder, mas peca ao apresentar planos tão mesquinhos. Se eu já não soubesse o tipo de homem que é, certamente teria esperado mais. Porém... Prostitutas? - voltei a rir, dessa vez com vontade. - Você me dá pena. - eu não estava fingindo que elas não existiam. Para mim, era como se elas realmente não existissem. Não permaneci imóvel e evasivo enquanto me tocavam apenas por respeito a Demetria, mas porque seus toques não me proporcionavam sensação alguma. Talvez apenas a vontade gradual de socar a cara de meu pai. Ambas as mulheres eram como paredes inúteis a minha frente.
- Pare de tentar resistir, Joseph, você não engana ninguém. Olhe isso... - ele aproximou-se de uma delas, explicitando todas as áreas nuas do corpo feminino. - Aproveite o que está ao seu alcance! - meneei com a cabeça, erguendo as duas sobrancelhas antes de respirar fundo e revirar os olhos, desaprovando totalmente sua sugestão. Poderia rir por muito mais tempo de suas demonstrações patéticas de poder. 
- De fato, homens são loucos pelo corpo das mulheres. Totalmente fascinados. E adivinhe só! Eu sou um homem de sorte e tenho um  para mim. E vale mencionar que não se trata apenas de um corpo... - olhei seriamente para as prostitutas. - Existe uma mulher de verdade dentro dele, uma mulher maravilhosa! - sorri abertamente enquanto citava novamente o quanto eu era agraciado por ter alguém como Demetria ao meu lado. Os outros três apenas me ouviam, com feições vazias. - Já você, meu caro, não tem isso. Então, escolha uma dessas duas, ou escolha as duas, se quiser. Divirta-se do seu jeito repulsivo e usufrua de todo o dinheiro que tem. Ele é o seu único companheiro mesmo, não é? - a quantidade de desprezo em minha voz beirava ao infinito, e era exatamente dessa forma que eu escolhi mantê-la. - Mas vá para bem longe, não quero ser obrigado a assistir. - franzi o cenho, explicitando meu desconforto com tal cena, conseguindo irritá-lo cada vez mais com meu espontâneo descaramento. 
- Garoto insolente! - ele bradou, ordenando que as mulheres se afastassem de nós. Não senti medo, pelo contrário.
- Não espere que eu trate você com qualquer resquício de respeito, pai. Você me atingiu onde mais dói, você está fazendo com que eu passe várias malditas noites longe de casa, longe das pessoas que eu amo. Não ouse barganhar ou forçar por nenhum tipo de gentileza da minha parte. Eu não sei o que se passou por essa sua cabeça desarranjada para achar que eu ainda sou aquele adolescente deplorável. - passei a estranhar um súbito aperto em meu peito que surgia toda vez que eu proferia alguma palavra a fim de atacá-lo, apesar de considerar algo totalmente contraditório. Ele merecia meu total desprezo. Mas era como se parte de mim, apesar de tudo, se recusasse a tratá-lo friamente. Como se parte de mim sentisse muito por todo o ocorrido e quisesse, de alguma forma, remediar as coisas. Talvez até resgatar a memória do pai exemplar que ele foi, para então tentar reconstruí-la e torná-la uma perceptível imagem do meu presente, não mais do passado. Impossível.
Então, tratei de silenciar aquela ideia, pronto para enfrentar o que viesse a seguir. Demonstrando-se desistente, Joseph pediu educadamente às mulheres ainda hesitantes e de olhares tensos para que se retirassem do recinto. Obedecendo-o, ambas sumiram de meu campo de visão. Aquela, sem dúvidas, fora a ideia mais decadente que ele teve. Quando se encontra a mulher que você sabe que vai amar até deixar de existir, um corpo passa a ser o de menos. É uma casca, algo que não pode manter qualquer vínculo que te prenda o suficiente se todo o conjunto responsável pela existência dessa mulher não existir. Demetria era boa demais para mim, em todos os sentidos. A minha saudade era dela, não de um corpo de mulher qualquer para poder tocar. Apenas o corpo dela poderia me saciar, caso contrário, nenhum outro seria bom o bastante. Eu não queria outro, não estava em busca de facilidades como aquela. Um homem de verdade não se deixa levar por qualquer uma, ele se deixa levar infinitas vezes pela mesma, sempre a mesma, aquela que o satisfaz e o faz plenamente feliz. No meu caso, Demetria
Joseph voltou a ficar a minha frente e emitiu um som negativo com a boca, encostando-se à uma das laterais do cativeiro, de onde era possível vê-lo fitar o chão, absorto em pensamentos. Mesmo com sede, fome, cansaço, raiva e uma dezena de sensações quase insuportáveis, mantive o queixo erguido. Eu tinha certeza de que ele percebia a elevação do grau de meu rancor, aos poucos demonstrando total aceitação. Até ele mesmo sabia que era admissível ser odiado.
- Aposto que você me mataria se pudesse. - ele quebrou o silêncio, deduzindo por si só enquanto voltava a caminhar despreocupado. 
- E desistir da ideia de vê-lo sofrendo em vida? Não, de maneira alguma. Jamais eu pensaria em conceder tal privilégio a você. Se morrer, seu sofrimento acaba, porque eu tenho certeza que conseguiria se adaptar ao inferno. E não é isso que eu quero... Eu quero que você sinta o que eu senti, aqui, vivo. - tratei de lhe assegurar, mantendo os olhos fechados. Sem se importar em responder, Joseph retirou o celular de seu bolso e começou a falar, pedindo a alguém que viesse até onde estávamos. Não demorou até que um homem surgisse, aquele que me enganou quando meu pai demonstrou sua falta de piedade ao me jogar na chuva. Cada um tratou de segurar um braço meu, puxando-me para cima. Tentei resistir e manter meu corpo ali, mas não estava em condições de competir com ambos, então apenas obriguei minhas pernas a percorreram a distância imposta pelos dois. Logo me vi em um ambiente mais claro e amplo, constatando a luz do sol. Havia uma espécie de área elevada, demarcada com cordas resistentes, formando um quadrado. Como um ringue de luta. Senti a prisão em meus pulsos ser desfeita aos poucos, enquanto meu pai cruzava a distância que o separava do ringue, conseguindo habilidosamente adentrar o mesmo, apoiando-se nas cordas enquanto esperava qualquer reação minha. Meus braços estavam soltos novamente, mas eu temia realizar qualquer movimento brusco, visto o homem ao meu lado que demonstrava estar vigiando meus passos. Logo, um par de luvas - que julguei serem de box - surgiu em meu campo de visão, então tudo que fiz fora olhar indignado na direção de meu pai, não acreditando que ele ainda não tinha desistido daquele jogo.
- Vamos, Joseph! Vamos lutar! Nunca quis quebrar a minha cara? - e lá estava o olhar composto por uma mescla de arrogância e desafio. - Você disse que deseja a minha dor, semelhante a que sentiu. Vamos, seu covarde, não é homem o suficiente para subir até aqui e me fazer engolir tudo que eu disse sobre sua mãe, sua mulher e sobre você mesmo? Vai permanecer parado, se esconder como uma garotinha? Seu covarde!
(Coloque a segunda música tocar!)
Não consegui compreender de imediato o que impulsionou meu corpo para frente de forma brusca, detendo o controle que arduamente eu tentava manter, mas logo me vi arrancando o par de luvas da mão do homem ao meu lado, colocando-as rápido o suficiente para cruzar aquela distância em tempo recorde. Meu olhar fulminante acompanhando os movimentos daquele desgraçado acima do ringue apenas desviou de foco quando tentei me apoiar naquelas cordas para enfim ficar a sua altura. Ele permanecia parado em uma das bordas, a poucos metros de distância, enquanto eu continuava a fitá-lo do outro lado, tentando imaginar o que aconteceria. Eu estava livre, possesso, poderia fazê-lo sentir dor a qualquer momento. 
Eu poderia também sair correndo, poderia mandá-lo para o inferno e procurar uma saída, mas algo me impedia. Eu faria, sim, Joseph engolir tudo o que me disse. 
Na tentativa de controlar minha respiração ruidosa, limpei o suar em minha testa com a parte inferior de meu braço e eliminei o ar de meus pulmões com empenho, deixando que todas as memórias ruins povoassem minha mente, corrompessem meu bom senso no momento em que tudo que eu precisava estava tão fácil de obter. 
Vingança. 
Um vilão não é vilão à toa. Um coração não se corrompe sozinho, não se corrompe com míseras obscuridades do dia a dia; tampouco uma mente se deixa banhar por ódio gratuito. A permissão para chegar a escuridão não é solicitada sem que lágrimas dolorosas tenham escorrido por um rosto, antes que olhos fulminando em ódio brilhem na direção da fonte de sua represália. Há sempre um motivo, há sempre uma porta que fora aberta, por mais que o aviso de “Não entre” reverbere diante dos olhos do infrator. 
Eu não era a vítima daquele vilão, era o único capaz de combatê-lo. 
- Você nunca me contou o real ocorrido com Erin Fields, esperou até que o passado viesse me buscar, quase conseguindo colocar tudo que construí a perder. - assisti o cenho de meu pai franzir durante a menção daquele fato. Um pouco surpreso, talvez. - Você sabe como é o sentimento quando pensa ter sido capaz de arrancar a vida de alguém? - fui caminhando em sua direção enquanto falava, assistindo-o permanecer inerte. - Você foi miserável o suficiente para rejeitar uma filha, alguém que deveria acolher e amar de forma incondicional. Sabe de quem estou falando, não sabe? Sim, eu sei que a Charlotte não é filha legítima da Karen, eu sei que ela é sua filha com uma prostituta. Mas essa parte não me importa... Eu até que fiquei feliz ao saber que tenho uma irmã. Ainda bem que ela não precisou presenciar o que eu presenciei. Nesse caso, é melhor crescer desconhecendo a verdade. - parei ao centro do ringue, imitando sua postura rígida. Dois oponentes. - Posso desfigurar o seu rosto se eu quiser, agora mesmo. Mas sabe por que não vou fazer isso? Porque é exatamente o que você espera que eu faça. - confiante, eu finalizei minhas palavras, parando exatamente a sua frente. Ele desencostou-se das cordas e ameaçou me atacar, mas barrou sem próprio movimento ao rir de forma debochada. Permaneci estático enquanto ele mudava seu rumo e se encaminhava para o outro lado do ringue. De costas para ele, encarei um ponto vago da extensão do local e esperei. 
- Tudo que consigo enxergar agora é um garoto assustado. - o tom zombeteiro em sua voz voltou a promover a ira que correu livre por minhas veias, tensionando meus ombros e me forçando a tentar controlar meus punhos cerrados, prontos para acertá-lo. - Não seja fraco, por favor... Isso me envergonha. 
Aquela foi a gota d’água.
Tudo passou a ocorrer de maneira vertiginosa quando assisti meu corpo virar-se abruptamente em sua direção. Sem pensar, contornei a distância entre nós e tentei atingi-lo, vendo-o buscar alguma defesa e se esquivar para um dos lados, grunhindo quando percebeu que por pouco não foi marcado por um soco meu. 
- Você sempre teve um bom cruzado. - ele comentou, fingindo orgulho em sua voz, como se aprovasse minha tentativa de feri-lo. Seu olhar era estranhamente encorajador. 
Ignorei o que dizia, ignorei tudo ao meu redor. Eu não queria deixar a raiva me possuir, mas com o passar dos segundos tornava-se um esforço inútil. Eu só conseguiria me sentir em paz novamente quando descontasse essa raiva. E ele era o meu alvo. 
Joseph arriscou dar curtos passos para trás e preparou-se para uma segunda tentativa minha de acertá-lo, lançando aquele olhar desafiador que sempre teve, um olhar que tentava me depreciar, reduzir meu ser a quase nada. Engoli em seco a medida que ficávamos próximos e ignorei meu sistema implorando por arrego, como se minha vida passasse, apenas por um instante, a depender disso. Da vingança. Inerte, o acúmulo de lembranças amargas voltou a predominar, marejando meus olhos sem que eu pudesse controlar tal reação. Por um breve conjunto de segundos, parecíamos ter voltado no tempo. Passei a enxergá-lo mais jovem, e, visto a forma como me encarava, dividíamos tal sensação. Eu era apenas um menino e ele era apenas... O meu pai.
O espasmo seguinte obrigou meu corpo a se impulsionar contra Joseph, sem tempo para que eu tentasse me contestar internamente. Foi então que percebi ter sido capaz de atingi-lo com um golpe a altura de seu ombro. Ele não tentou me barrar, apenas ousou revidar, não obtendo sucesso. Desviei, fingindo que não ouvia sua risada insuportável. Olhei para as minhas próprias mãos durante um momento de distração perigosa e percebi que não deveria estar com aquelas luvas. Arranquei-as o mais rápido que pude e voltei a partir para cima de meu pai, vendo-o se preparar para o meu gesto. 
- E tem mais uma coisa que... - ele não teve a chance de continuar. Eu explodi.
- Cale a boca! Por favor... CALE A BOCA!
A sequência de solavancos bruscos do meu corpo enquanto realizava aqueles golpes desajeitados consumia a pouca quantidade de energia armazenada em meu interior. Chegando ao limiar do controle que, até aquele momento, me impediu de cometer alguma atrocidade contra ele. Mas de que adiantaria lhe causar dor, quando essa em particular seria apenas responsável por marcar seu corpo? E sua mente? Não parecia existir forma alguma de atingi-la certeiramente. Ele se mantinha fixo à concepção de que agir daquela forma faria com que eu aprendesse alguma lição. Mas que lição era essa? Será que ele tinha algo a me mostrar? Será que ele queria ter algo para mostrar a si próprio? 
Atingindo seu maxilar, impulsionando a jogada brusca de seu tronco para trás em um mecanismo de autodefesa, senti uma dor causticante no pulso. 
Determinado a revidar, porém sem oportunidades para isso, ele cessou os movimentos e ficou parado na defensiva, deixando os olhos escuros analisarem cada movimento meu. Consegui atingi-lo com outro soco, fazendo-o recuar, a poucos passos de atingir o limite do ringue. 
- Sim, estou assustado, estou segurando lágrimas... Eu sou um ser humano, Joseph, não um ser feito de pedra como você gostaria que eu fosse. Está doendo, e eu só não deixa essa dor ganhar porque existem pessoas na minha vida que podem curá-la. - provavelmente eu o atingia inconscientemente, notando logo após como minha respiração passara a se tornar descompassada. Joseph constatava aos poucos que não existia volta, não existiam meios de conseguir amenizar todos os estragos que causou. Minhas tentativas de feri-lo não eram nada se comparadas a dor interna que eu sentia. - Eu sou a droga de um ser humano... ENTÃO PARE DE EXIGIR QUE EU NÃO SINTA NADA! - em um lapso de bom senso, vi-me segurando-o pela gola de sua blusa, depositando força em minhas mãos o suficiente para fazê-lo dar alguns passos, até que pude empurrá-lo para trás e continuar com meus socos, vezes atingindo apenas o ar. Ele não tentava se defender. - Você consegue imaginar como tudo isso deve estar sendo para a Demetria? Você tem ideia do que minha esposa deve estar sentindo agora? VOCÊ TEM? - vociferei a ponto de conseguir sentir minha garganta arder, jogando-o contra o chão para enfim poder me vingar. Não como eu queria, mas como precisava, perdendo totalmente o controle. - Olhe para mim, seu desgraçado! - sem que eu pudesse saber como, ele rapidamente conseguiu colocar-se de pé outra vez, me olhando com uma mescla de perplexidade e... Pena. - VAMOS, SEU COVARDE, REAJA! Você só sabe ficar inerte diante dos problemas... VAMOS! - tentei respirar antes que meus pulmões explodissem, sentindo meu coração prestes a rasgar o peito. Minha visão aos poucos se tornou embaçada, mas eu não queria parar, continuava a socá-lo, fazendo de tudo para lhe causar dor, mesmo notando em seu semblante que não estava sendo capaz de muito. Aos poucos, percebia estar prestes a ceder, a cair no chão. Sentia-me fraco o suficiente para tomar conhecimento de que um desmaio não tardio seria a consequência por todo aquele esforço. - Eu odeio você, eu odeio você... O QUE FEZ COM O MEU PAI? - ele estava prestes a ser derrubado por mim outra vez, visto a forma como voltei a puxá-lo pelo casaco, mas algo me fez parar quando percebi que, caso continuasse com aquele ato violento, poderia até mesmo ser capaz de matá-lo. Por uma fração de segundo, quase voltei a permitir a metamorfose que me reduziria a um monstro irracional. 
Naquele instante, voltei a ser quem menos queria. Porém, algo imobilizou meus movimentos. Quando Joseph permaneceu ali, estagnado e esperando para receber minha fúria, eu simplesmente recuei. Com punhos cerrados, mandíbula travada e membros trêmulos, tudo que consegui fazer fora olhar em seus olhos. Era o que ele queria. Joseph queria que eu sucumbisse a cólera, exatamente como ele fez. Ele queria incitar os sentimentos negativos escondidos em alguma parte do meu ser, para então se vangloriar quando percebesse que havia conseguido de fato o que queria. Fazer com que eu me transformasse em um reflexo seu. Mas ele não obteve sucesso. 
E isso me fez comemorar internamente em meio a miséria. 
Apesar de cansado, insuportavelmente cansado de tudo aquilo, notando como a vontade de quebrar sua cara não parecia se esvair, recuei um passo. Apoiei-me sobre as cordas, abaixando o olhar o suficiente para ocultá-lo, repreendendo as malditas lágrimas que queriam escapar dos meus olhos. Não, ele não podia me ver chorando. Não era justo, não era justo saber que eu era fraco o suficiente para não arcar com consequências como aquelas sem desmoronar feito um garoto amedrontado. 
Mas foi insuportável demais para lutar contra.
Meu corpo desmoronou e então me vi estirado sobre o ringue, deixando que um pranto mais uma vez ganhasse força. De repente, passei a desprezar a certeza de que ele me assistia silenciosamente. Não havia nada de errado em chorar, não quando parecia o único meio de aliviar a dor. Que ele me chamasse de fraco, imprestável, covarde... Não importava. 
Soquei o chão enquanto meus olhos pareciam arder e expulsavam lágrimas de forma abundante, ofegante devido a luta desenfreada. Levei uma das mãos até meus cabelos, puxando-os da forma desesperada como não sentia a necessidade de fazer há muito tempo, tentando com muito esforço, porém sem muito sucesso, voltar a me erguer para sair dali. Era melhor permanecer preso sem ter de encará-lo do que ter que lidar com tamanha sensação de impotência perante minha atual condição, aquele sentimento tão asfixiante me reduzindo a nada. Quando estava prestes a desistir e aceitar que meu corpo sofria demais com a fraqueza para permitir tal esforço, senti uma mão apoiar-se em meu ombro. Automaticamente ergui meu rosto, avistando de forma dificultada Joseph a minha frente, oferecendo sua mão para que eu pudesse levantar. 
- Você precisa descansar, garoto. Minha intenção não é te assistir morrer, então pare de se comportar feito um animal. – ao pronunciar aquelas palavras, sua voz pareceu dissemelhante. Por um instante, julguei estar ouvindo um conselho que seria dado apenas por quem ele costumava ser. Mas não fui tolo o suficiente para acreditar nisso, e assim que fitei sua mão estirada a minha frente mais uma vez, como se oferecesse um apoio, adquiri uma ligeira quantidade de força que me permitiu levantar e caminhar para longe, conseguindo enfim deixar aquele ringue. - Joseph! - congelei meus movimentos ao escutar meu nome ser chamado, virando parcialmente o rosto em sua direção. Exausto só com a lembrança de que ele ainda existia. - O momento em que você descobrirá a razão para tudo isso está se aproximando. Esteja preparado. E não se preocupe em me perdoar, você não precisa se não quiser. 

/Joseph's P.O.V


Enquanto o sol apressadamente se escondia, eu tentava manter escondido também todo aquele receio povoando meu interior. Aquela doença denominada medo que sugava minhas forças vitais com cada vez mais ousadia e crueldade, sentenciando um estado de espírito que me seduzia a uma alma amedrontada pelas sombras ao seu redor. Os segundos rapidamente se alongaram em minutos, os minutos em horas. Os simples segundos ressoando em conjunto com as batidas de meu coração angustiado. Pensamentos fervilhando em minha mente. 
Enquanto fitava minha imagem dissemelhante no espelho, perguntei-me como tinha aceitado participar de tamanha insensatez. Bom, a explicação poderia ser encontrada bem diante dos olhos que eu tentava delicadamente maquiar, deixando-os bem marcados, certamente algo que não fazia parte de meu costume: desespero.
Quando terminei aquela região, peguei o batom de cor mais escura que tinha, um tom rubro que logo contemplei em meus lábios. 
Pouco tempo fora necessário para que meus amigos e Valerie conseguissem encontrar um jeito de dar continuidade a nossa busca por Joseph. Poucas horas antes, eu tinha recebido uma ligação de Karlie, onde ela explicou brevemente o que eu deveria fazer. A princípio, não entendi muito bem. Apesar de impaciente, ela resolveu que seria mais plausível me explicar antes de pensar em colocar qualquer coisa em prática. Caleb analisou as fotos de Joseph e acabou por descobrir que a placa de seu carro não poderia nos dizer muito. Ela nem sequer estava em seu nome, era um veículo importado. No entanto, Valerie fora mais objetiva e, também se oferecendo para analisar tais fotos, acabou por reconhecer algo distante dos olhos de qualquer um de nós. A mulher revelou que a fachada exposta em uma das fotografias fornecidas por Melissa pertencia a uma conhecida casa de eventos. Até essa parte de sua explicação, não existia nada de tão alarmante, mas a segunda parte foi a responsável por despertar o nocivo sentimento de medo em mim, novamente. Utilizando de artimanhas que se recusou a compartilhar conosco, Valerie contou também que não se tratava, realmente, de uma casa de eventos. Funcionando de aparências, havia uma espécie de “clube privado” encoberto, onde apenas uma minuciosa “lista de clientes” podia participar. Ficara totalmente evidente do que se tratava quando Karlie mencionou que mulheres normais não eram bem vindas. Karlie hesitou antes de me contar a ideia que Valerie teve, algo que afirmou ser completamente seguro visto os contatos que ela tinha. Depois que impressionantemente conseguiu ter acesso a essa tal lista e encontrou o nome de Joseph ali, foi rápida em seu raciocínio insano. Nós teríamos que nos disfarçar de prostitutas para conseguir entrar. De início, eu não concordei. Caleb era um detetive, Dominic um advogado, Karlie especialista em assuntos policiais e Valerie... Bom, Valerie era louca, então eles seriam capazes de encontrar outra maneira menos suja de recolher pistas. É claro que encontrar o pai de meu marido, suposto responsável por seu desaparecimento, seria proveitoso, talvez até me levasse de encontro a Joe, mas ainda assim... Havia algo me deixando apreensiva. Um mau pressentimento me acompanhando a cada novo passo que eu dava. 
Levantei-me exasperada, notando que era tarde demais para desistir. De fato, eu tentei ser racional, mas quando a imagem de Joseph vinha com veemência em minha mente, sabia que acabaria cedendo e fazendo o que quer que fosse necessário para conseguir encontrá-lo. Arriscaria-me de qualquer forma imposta para tê-lo. Era mais forte do que eu. Então, após o aviso de Valerie de que conseguiríamos entrar no tal clube, combinamos de nos encontrar na frente de minha casa às seis da tarde. Caleb e Dominic nos acompanhariam até o local para evitar qualquer imprevisto. Eu não podia negar, sentia-me segura tendo pessoas como eles por perto, apesar de ainda assim continuar temerosa. E ainda tentar entender quais eram as intenções de Valerie. Ela realmente queria ajudar?
Obviamente era algo que ninguém, além de nós cinco, poderia saber. Tive que pensar em algo para dizer a mamãe quando avisei a ela que precisaria sair àquela noite. Provavelmente imaginando se tratar de algo relacionado a Joseph, ela não questionou. 
Coloquei-me de frente para o espelho de corpo inteiro e fitei minha imagem. Cabelos soltos, penteados para o lado de uma forma clássica. O vestido preto moldava perfeitamente minhas curvas, escondendo-as completamente e mesmo assim deixando-as tão evidentes. Levei ambas as mãos em minha cintura, mantendo-as ali, fitando por longos segundos minha barriga. Ninguém seria capaz de constatar minha gravidez. A maquiagem em meu rosto era carregada, fazia-me parecer outra mulher. Os saltos altos e finos em meus pés provavelmente incomodariam, visto as mudanças já perceptíveis em meu sistema, mas não me importei com nada disso no momento. Através do reflexo do espelho, contemplei a simples máscara preta repousando sobre a cama. Nós três iríamos usá-las para preservar nossa identidade. Afinal, depois de muito tempo presa em divagações, eu sabia que Joseph me conhecia. Foi ele o homem que falou misteriosamente comigo em Paris, enquanto meu marido havia subitamente desaparecido. 
Minhas mãos escorregaram de minha cintura para o centro de minha barriga, onde escolhi mantê-las, fazendo uma carícia pela região. Respirei fundo e fechei meus olhos.
- Não se preocupe, meu amor, nós ficaremos bem. - sussurrei apenas para meu bebê, tentando conter lágrimas inevitáveis. Mantendo aquele medo de perdê-lo latente em meu interior. - Aguente firme, a mamãe precisa que você aguente firme. Seja forte, por favor. Eu quero muito ver seu rostinho, te segurar nos braços, ter você ao meu lado para sempre... Então resista. - elevei meu rosto, a fim de impedir a saída das lágrimas que inevitavelmente se formaram, desistindo de continuar parada ali. Fui rapidamente até a cama e peguei a máscara, virando-me bruscamente quando a porta de meu quarto abriu-se rapidamente. Jamie me olhou em silêncio, logo abrindo um sorriso sincero. Eu não sabia o que fazer, acabei por esconder a máscara atrás de meu corpo antes que percebesse como aquele ato era injusto. 
- Que linda! - ele comentou com os olhos brilhantes, olhando fixamente para mim. Sorri internamente. - Onde você vai, mamãe? - Jamie quis saber, então me vi sem saída. 
É complicado, Jamie. - aquela foi uma das piores respostas que eu poderia ter escolhido para lhe dar. Ele não gostava quando falávamos com ele como se não fosse capaz de entender o mundo. - Mas eu prometo que isso só vai trazer benefícios para nós, ok? - tentei lhe passar confiança com um sorriso fraco. 
- Vai procurar o papai, não vai? - meu filho deduziu sozinho, de repente cabisbaixo ao se recordar de seu pai. Ponderei por alguns instantes sobre o que de fato seria propício dizer a ele.
- Pode-se dizer que sim. - seus olhos azuis se arregalaram minimamente e ele pareceu ser atingido por uma onda de coragem que o impulsionou a ficar mais perto de mim. 
- Posso ir com você? - pediu empolgado, percebendo que minhas mãos seguravam algo atrás de minhas costas. Seu olhar se perdeu no meu, então engoli em seco e suspirei derrotada. 
- Eu gostaria muito que pudesse, filho, mas não será possível. - desisti de tentar esconder o que segurava e me aproximei mais, passando minhas mãos por seus ombros até conseguir envolvê-lo em um abraço. - Você entende, não é? - fiquei feliz por um fugaz instante quando notei que logo Jamie me ultrapassaria em questão de tamanho, realmente não faltava muito para isso. 
- Entendo, mãe. - beijei-lhe a bochecha, deixando que ele também beijasse a minha em seguida. Abraçamo-nos brevemente e ele falou perto de meu ouvido: - Boa sorte! Você está tão linda que o papai ficaria sem ar se pudesse te ver agora. 
Apenas concordei com a cabeça para tentar evitar o aperto no peito que surgiu certeiro, e pedi que saíssemos do cômodo quando eu já tinha encontrado minha pequena bolsa de mão. Enquanto fechava a porta, admirei o porta-retrato ornamentando a mesinha de cabeceira, apenas movimentando meus lábios em um “Eu te amo” para o semblante feliz de Joseph estampado naquela fotografia. Deixei que Jamie se encaminhasse para o andar de baixo sozinho, pois eu precisava falar com mais alguém. Uma das pessoas mais importantes de minha vida. Talvez a mais importante delas. 
Adentrei o quarto de Matthew com cautela, percebendo que ele dormia em seu berço. Mas era impressionante o modo como parecia sentir minha presença e abria os olhos no exato instante em que notava sua mãe por perto. Apoiei uma de minhas mãos na grade do berço e o assisti levantar-se sozinho depois de algum esforço, ficando de pé sobre o colchãzinho. Após bocejar, ele abriu um leve sorriso quando me viu e murmurou algo que não pude identificar. Arqueei minha coluna para poder beijar sua testa e sentir o aroma gostoso de bebê que emanava de seus cabelos, triste por ter que deixá-lo por algumas horas. Principalmente porque eu não sabia o que aconteceria comigo após sair pela porta de minha casa. 
- Perdoe a mamãe por sair agora, meu ursinho lindo. - segurei sua mãozinha, depositando um carinho com meu dedo indicador enquanto o pequeno tentava sair do berço sozinho. Algo que logo viria a se tornar um problema, pensei enquanto o admirava sorridente. Ele era o meu porto seguro. - Prometo que é por uma boa causa. A mamãe vai conseguir trazer o papai de volta para nós! - falei bem baixinho, como se compartilhasse um segredo. O bebê pareceu compreender o que lhe foi dito, olhando atentamente para o meu rosto, suas bochechas estavam coradas e o azul de seus olhos era tão intenso quanto o de seu pai.
- Papai? - perguntou animado e batendo palminhas, uma esperança envolvida pela inocência em seus frágeis olhinhos brilhantes. - Papai! - voltou a pedir quando decidi que era hora de deixá-lo. Tendo o conhecimento de que logo minha mãe subiria para cuidar dele, despedi-me de meu ursinho com um beijo estalado em sua testa, seguido por um abraço delicado que me transmitiu a força necessária. Beijei-lhe na mesma região outra vez, deslizando o polegar com delicadeza pela área para remover uma quase imperceptível marquinha de batom feita por meus lábios. Ele pareceu se divertir com isso, fechando os olhos e tentando esconder o rostinho quando sentiu as cócegas feitas por mim. 
Ao passar pela porta, vislumbrei seu rosto angelical antes de sair, deixando que o sorriso infantil e em formação aquecesse meu coração que logo teria que lidar com o rigoroso frio proporcionado graças a perspectiva do que me aguardava naquele início de noite.


O breve solavanco anunciando que o veículo onde estávamos havia cessado seus movimentos despertou minha atenção para a realidade. Encarei Karlie e Caleb, cada de um lado de meu corpo no banco de trás, enquanto Valerie permanecia silenciosa no banco de passageiro e Dominic que conduzia o veículo, estacionando-o junto ao meio fio, a alguns metros de distância de algo que terminantemente se parecia muito com uma mansão, contornada por conjuntos densos de árvores. Não havia mais vestígio algum da luz do dia, a noite estava ali, fria e impiedosa. Eu não sabia calcular quanto durou todo aquele percurso, nem me recordar dos caminhos pelos quais passamos. Sentia-me enojada. Talvez um sintoma da gravidez, talvez devido a vulgaridade exalando pelo ar daquele local. Cruzei minhas pernas e tentei controlar minha ansiedade enquanto balançava em círculos meu pé suspenso no ar, tendo um único pensamento nítido. Enquanto Dominic e Caleb analisavam a região, se de fato era seguro sairmos do veículo a qualquer momento, eu soube que era o certo a fazer. Era certo agarrar qualquer oportunidade como se fosse a última quando sua felicidade se mostrava em risco. 
Demonstrando-se a mais impaciente dali, Karlie tratou de apressar a todos nós e abriu a porta do carro sem mais cerimônias. Sua presença era uma das únicas coisas capazes de me consolar minimamente. Karlie estava por perto e não deixaria nada acontecer. Assim como Valerie, ela também trajava um vestido preto semelhante ao meu. Seria cômica se não fosse trágica toda aquela produção. Valerie a seguiu, então através do vidro pude ver ambas, que se portavam como se nada estivesse acontecendo. Dominic virou seu rosto e tentou me passar confiança com o olhar, assim como Caleb. Mesmo assim, acabei por ser a última a deixar o veículo. Precisei abraçar meu corpo ao constatar o vento gélido circulando pela região, elevando meus olhos para enxergar melhor o destino que, infelizmente, tivemos de alcançar. Havia um silêncio estranho envolvendo a região, como se aquela parte da cidade estivesse abandonado. Protegida por uma distância segura, pude enxergar diversos modelos de veículos estacionados próximos a entrada suntuosa do clube. 
Nós cinco nos entreolhamos e nos aproximamos, formando uma espécie de círculo. Incomodava um pouco ser, de certo modo, o centro das atenções. Todos eles acabavam por deixar seus olhares caírem sobre mim.
Demetria me assusta um pouco com esse olhar vingativo. - Karlie comentou divertida, e eu nem sabia a que olhar ela estava se referindo, já que aquela enfeitando meu rosto era no máximo... Amedrontado. Caleb lançou-lhe um olhar sério, como se pedisse para que ela não começasse com as brincadeiras tão cedo. Mas recebeu apenas um olhar desinteressado em resposta. - Não se lembra de quando Joseph estava preso e nós fomos confrontar o Carter? - ela tratou de relembrar, não ajudando em nada a minha situação angustiada. - Acabei de ver o mesmo olhar que você nos lançou naquela noite. - ela concluiu olhando diretamente para mim, obrigando-me a sorrir minimamente, apenas para fingir que estava bem. A insegurança era tanta que por vezes eu me esquecia de respirar, deixando meus batimentos cardíacos levemente descontrolados. 
- Agora vamos torcer para ela não começar a chorar lá dentro. - estava demorando para que Valerie soltasse um comentário desprezível como aquele. Dominic a olhou torto e fez questão de pisar na barra de seu vestido quando ela tentou dar um passo para o lado, quase perdendo o controle por estar presa. Eu queria ter rido, assim como Karlie e Caleb fizeram.
- Não me subestime. - falei pausadamente, sem olhá-la, deixando meus olhos perdidos na misteriosa propriedade. O vento se encarregava de bagunçar meus cabelos, atrapalhando um pouco tal visão. 
- Não há problema algum em chorar, querida. Você precisa ser racional e pensar na possibilidade de que pode vir a se tornar uma viúva. Aliás, se quiser saber como é ser uma mulher viúva, é só olhar para mim. Bufei, afastando-me alguns passos na intenção de continuar a ignorá-la, questionando incessantemente sua participação em tudo aquilo. Por que não ia embora de uma vez?
- Você veio para ajudar, não veio? - Caleb perguntou a ela, pude ouvir, recebendo um sinal afirmativo de cabeça. - Então porque não está fazendo isso? - indagou visivelmente irritando, tendo as palavras aprovadas por um Dominic que, impaciente, transferia seu peso de uma perna para a outra.
- Se quiser saber como é ser morta por mim... Continue falando. - tive que virar meu rosto na direção de Karlie para observar seu semblante diabólico enquanto ela destemidamente ameaçava Valerie com seu punho erguido, que não demonstrou receio algum. 
- Ei, Demetria. - a loira me chamou, aproximando-se com os braços cruzados na altura de seu peito enquanto uma mecha de seu cabelo desprendia do coque feito em seu cabelo. - Você deveria me agradecer, queridinha. 
- É mesmo? - utilizei o mesmo tom de voz que ela, não sabendo mais como controlar meu nervosismo. Por fim, vi-me de pé, frente a frente com ela, sem paciência para toda a sua superioridade. - E por que eu deveria te agradecer, Valerie?
Eu matei o Arthur. - despejou a revelação com uma calmaria que talvez tenha me surpreendido mais do que a revelação em si. E eu não era a única surpresa ali, meus amigos também fizeram questão de até mesmo segurar suas respirações por um segundo para ouvir melhor. Pisquei os olhos algumas vezes e abri a boca, fechando-a quando percebi que manifestação alguma se mostrou disponível.
- Você o quê? - elevei consideravelmente meu tom de voz, trocando olhares apreensivos com os outros.
- Oh, meu Deus, acho que eu te amo! - antes que eu pudesse pensar em contestar, Karlie colocou-se ao nosso lado, não escondendo o sorriso aberto no rosto, pronunciando aquelas palavras de forma eufórica. Pude ouvir Dominic soltar um risinho enquanto Caleb demonstrava-se aéreo ao que acontecia.
- Cuidado, Caleb vai ficar com ciúmes. - o advogado provocou e esbarrou seu ombro no de Caleb, que lhe lançou um olhar feio. Karlie continuava admirada com o que ouvira de Valerie. 
- Sabia que eu sou um detetive, Valerie? Você acabou de confessar um crime. - Caleb comentou, cruzando os braços em uma pose superior, arrancando risinhos da morena ao meu lado. 
- Sabia que eu não me importo? Por favor, não ajam como se o mundo não estivesse mais colorido depois da morte dele. - Valerie tentou argumentar, inconformada com os olhares surpresos que ainda recebia. 
Eu não fiz questão de manter essa revelação presa em minha mente. Na verdade, escolhi me isolar dos quatro por um instante. Enquanto estávamos ali jogando conversa fora, meu Joseph sofria em algum lugar desconhecido. Enquanto fingíamos que estávamos apenas passeando pelas redondezas, Joseph Jonas poderia estar dentro daquele clube bebendo um whisky qualquer enquanto comemora o fato de que não estava pagando pelas maldades que cometeu. 
E isso era inaceitável. 
- Detesto atrapalhar o diálogo de vocês, mas será que podemos acabar logo com isso? - pedi prestes a entrar em desespero, continuando a manter meus braços envoltos sobre meu próprio tronco, a fim de aquecer a mim e ao meu filho. Recebi quatro olhares penosos, arrependidos. 
- Certo, meus amigos, chega de perder tempo. - Dominic definiu, trocando um olhar cúmplice com Caleb antes de se aproximar de nós para dizer algo. Primeiro ele olhou para mim, lançando o típico olhar amigo que também fui capaz de enxergar em Jennifer. Isso me confortava um pouco. - Qualquer coisa que acontecer lá dentro, saiam na hora. Ou gritem, eu não sei... Mas nós estaremos por perto. - apenas concordei com a cabeça, agradecendo-o com o olhar. 
- Tem certeza que vocês querem entrar sozinhas? Dominic e eu podemos fingir que somos... - Caleb pensou antes de concluir. - Novatos no clube? 
- Pare de falar como se as mulheres fossem de fato sexo frágil, nerd! - Karlie ralhou um pouco distante de nós, espionando a entrada do clube. 
- Nós não somos. - parafraseei, decidida, sugando o máximo de ar que pude. Sabia que a hora crucial havia chegado. E mesmo sentindo algo comprimir meu coração em um aperto, ergui meu queixo e comecei uma encenação que não tinha hora determinada para acabar. Lembrei-me da máscara, colocando-a rapidamente em meu rosto. As duas mulheres ao meu lado fizeram o mesmo. Apenas nossos olhos e região dos lábios eram visíveis. Ninguém poderia nos reconhecer. 
- A estimativa é que até o fim da noite teremos o paradeiro do Joseph. - Dominic tentou elevar os níveis de positividade do grupo, indicando com um gesto afirmativo de cabeça que poderíamos contornar a distância que nos separava do local iluminado. Karlie ficou ao meu lado e lançou um de seus melhores olhares confiantes, provavelmente captando o explícito pedido de socorro em meu olhar, que lhe lancei segundos antes. Olhei para trás para checar onde os homens estavam e segui as duas, que rapidamente se infiltravam no meio do jardim e passavam pela área ladeada por grandes árvores. Valerie contou que teríamos de entrar pelos juntos, pois a entrada principal era exclusiva para os clientes.
Pouco antes de adentrarmos uma enorme porta em madeira resistente, Valerie ignorou qualquer divergência perambulando entre nós e pediu com um sussurro que parássemos de andar. Ficamos a sua frente e esperamos, ouvindo atentamente o que ela tinha a dizer. 
- Não adianta entrar ali e se comportar como se comporta normalmente. A partir do momento em que colocarem seus pezinhos naquele chão lustroso, terão que se portar como prostitutas.Prostitutas de luxo. Eles são todos homens milionários procurando por facilidade carnal com uma pitada de... Classe. - abaixei meus olhos para tentar ocultar meu desconforto ao ouvir aquilo, Valerie percebeu. - Não se preocupe, Demetria... - aquela fora a primeira vez que ela se dirigiu a mim sem permitir escárnio ácido em sua voz. - Não vamos precisar chegar aos finalmente com nenhum, confie em mim. Eles nem sequer vão nos tocar com seus dedos ricos e asquerosos. E, caso tentem, me avisem e eu terei alguns dedos para colocar dentro de minha bolsa. - abriu um sorriso perverso. - Ouvi dizer que dá sorte. - Valerie deu ombros, depois riu satisfeita. Karlie e eu nos entreolhamos e ela apenas movimentos os lábios como se dissesse “Ela é insana!”.
- Ainda estou me perguntando como você conseguiu fazer isso. Digo, é óbvio que não é qualquer uma que consegue entrar aqui. - Karlie demonstrou sua duvida, mas a loira apenas arqueou uma sobrancelha e balançou a mão em um gesto de desimportância.
- Por que se importa com detalhes tão insossos? Essa não é a primeira vez que preciso me fingir de prostituta para conseguir alguma coisa, então foi fácil. Agora vamos logo ao que interessa. Entrem! - Valerie aproximou-se da porta e a puxou para trás antes que eu pudesse me preparar o suficiente. - Esperem! - ela tapou a própria boca quando percebeu o tom alto de sua voz, arregalando minimamente os olhos e os revirando em seguida. - Como pude me esquecer disso? Vocês precisam de nomes fictícios! - avisou, olhando pensativa de Karlie para mim. Ela sorriu quando seu olhar demorou-se mais em mim. - Você pode ser... Angel. Você... - analisou Karlie, que permanecia imóvel e irritantemente calma. - Rebel. E quanto a mim... Devil. - concluiu não escondendo o sorriso revelando orgulho de si mesma. 
- Que seja. - Karlie, digo, Rebel, ultrapassou Valerie e empurrou a porta, adentrando de uma vez o local. Antes que eu pudesse prestar atenção a qualquer detalhe a minha frente, Valerie voltou a me chamar. 
- A maioria das prostitutas sabe usar a boca apenas para uma coisa além da fala. Você, Angel, sabe para duas. Uma delas é cantar. E por que eu pensei nisso? Porque sei que você canta muito bem e sei que precisa chamar atenção. Principalmente se Joseph estiver próximo. - em silêncio e um pouco desnorteada com mais informações a processar, eu simplesmente concordei com um aceno, apesar de querer contestar. Onde e por que eu cantaria? Era só o que me faltava para completar a noite. 
(Coloque a terceira música para tocar!)
Paramos juntas quando uma cortina vermelha surgiu a nossa frente. O ambiente era um pouco denso, escuro. Algumas mulheres circulavam por ali com olhares mal humorados, como se desaprovassem nossa presença. Eu queria ir embora, voltar para a minha casa, mas era um pouco tarde para isso. Karlie olhou para mim como se quisesse constatar minha permissão para dar fim a barreira que nos separava das feras atrás daquela cortina. Fechei meus olhos e fiz o melhor que pude para afugentar aquele medo, convencendo a mim mesma de que deveria me transformar em outra pessoa durante aquele trajeto. Fui categórica ao concordar, pedir que eliminassem aquela cortina da minha frente. Ergui meu queixo e relaxei meus ombros, deixando-os firmes assim como o resto de meu corpo. De repente, o salto em meus pés pareceu mais alto, o vestido negro pareceu mais apertado, o ato de respirar cada vez mais impossível. 
Então, estávamos expostas a todos os olhares masculinos. 
Valerie foi a primeira a demonstrar coragem o suficiente para desfilar pela área extensa. Karlie esperou até que eu fizesse o mesmo, caminhando sempre ao meu lado. Senti um valoroso alívio quando lembrei que nenhuma daquelas pessoas tinha acesso ao meu rosto, ao pânico expresso em minhas feições. Mas meus olhos precisavam manter confiança em excesso, eles precisam fazer parecer que eu não me importava com o mundo ao redor, com o certo e com o errado. Meu passo seguinte adquiriu mais destreza, deixei que meu tronco relaxasse, por fim conseguindo caminhar com mais leveza ao sentir as pernas mais saltos. Tentei me concentrar em um ponto a frente, não dando atenção para o que estava ao meu redor, focada em parecer ardilosa ao desfilar rumo ao desconhecido. 
Parecíamos a atração principal. O prato principal
A seguir, fitei uma extensa mesa de pôquer onde havia uma mescla entre homens grisalhos e outros de aparência jovial. Charutos ou cigarros pendiam em seus lábios entreabertos enquanto tentavam dividir a atenção entre suas cartas e o corpo das mulheres fáceis que transitavam por ali, mesmo que outras delas estivessem marcando presença com extrema proximidade, vestidas elegantemente enquanto se mantinham posicionadas ao lado de cada um deles, distribuindo agrados, depositando leves beijos em seus rostos. Esperando até que seus “clientes” estivessem cansados do jogo para que pudessem buscar diversão por caminhos mais sinuosos
Preocupei-me com a quantidade mediana de fumaça na região, tentando sugar o máximo de ar possível até que conseguisse me afastar daquela mesa em especial. 
Quando chegou a minha vez de passar pela mesa, prendi totalmente o ar. Logo pude sentir os olhares dos presentes pesarem fortemente em minhas costas. Ignorei, seguindo com meus passos lentos, tentando manter meu rosto erguido e blindar meu corpo do que situações futuras poderiam acarretar ao meu interior. Karlie, que continuava ao meu lado, demonstrando sua calmaria ainda surpreendente, aproximou-se para poder sussurrar.
- Consegue vê-lo? - esperei até que minha análise completa do local estivesse concluída para negar, congelando meus movimentos quando dois homens pareceram notar nossa presença, aproximando-se sem hesitação. Karlie e eu trocamos um breve olhar, enquanto ela arregalou minimamente os olhos e passou a minha frente, demonstrando controle da situação. Para evitar tal encontro, visto a proximidade daqueles dois, fingi que meu olhar passeava despreocupadamente por cantos alheios, distraído. 
- Deixei-me ver seu rosto, anjo. - uma voz máscula e baixa soou perto de meu ouvido, então rapidamente precisei recuar um passo e encarar seu dono. Era um homem de meia idade, vestido socialmente, não tinha grandes ambições expressas em seu olhar, queria apenas o que qualquer outro ali. Deixei que um sorriso diabólico que não me pertencia pintasse meus lábios, afastando-me lentamente dele, até que pude enfim respirar aliviada quando notei que minha rejeição apenas o fez sorrir e desviar a atenção de mim. Provavelmente teria que lidar com muitas situações semelhantes. Quando virei lentamente meu rosto, não encontrei Valerie, mas avisei Karlie fingindo simpatia enquanto conversava com outro homem e fazia questão de tomar sua taça de champagne. Nossos olhares se encontraram e ela aproximou-se, trazendo o homem consigo. 
Angel, minha querida, você não vai acreditar no que acabei de descobrir! - ela forçava a voz na tentativa de deixá-la provocante o suficiente para que soasse vulgar. E aparentava querer rir de si mesma por isso. - Joseph está aqui! - arregalei meus olhos, repreendendo-a disfarçadamente com o olhar enquanto tentava não parecer estranhamente assustada diante do homem desconhecido. - Por que me olha assim? Não está feliz? Ele é o seu cliente favorito! Esse cavalheiro super simpático... - ela sorriu abertamente, entrelaçando seu braço com o do homem grisalho ao seu lado. Karlie era louca. - Acabou de me contar que Joseph gosta de ficar em uma área mais isolada do clube. O que acha de ir até lá, querida?
Foi então que eu entendi seu plano. 
- Claro, Rebel, farei isso com prazer. - respondi da mesma forma, tentando manter um filete de sedução na voz enquanto sorria abertamente. 
- Esse champagne é uma porcaria! Você teria algo mais forte para mim, bom cavalheiro? - ela pediu ao seu acompanhante enquanto fazia beicinho. Os dois mudaram de direção e caminharam para longe de mim, mas Karlie virou seu rosto com rapidez e acenou discretamente para mim, indicando a área onde Joseph deveria estar. 
Antes que eu pudesse pensar em chegar até lá, Valerie segurou meu braço com força e ignorou qualquer reclamação de minha parte. Olhei-a aborrecida, enquanto a loira admirava um palco a nossa frente. Apenas naquele momento pude notá-lo ali.
- Acho que é hora da Angel cantar. - aconselhou ela.
- Não posso fazer isso, não agora. Karlie descobriu onde o Joseph está! - tentei protestar, mas ela meneou a cabeça negativamente enquanto soltava um risinho irritante.
- Queridinha, nós só conseguimos entrar aqui porque eu disse que uma grandes amiga tem uma voz tão boa quanto suas habilidades de mulher da vida. Agora, suba naquele palco e seja boa o suficiente para que Joseph saia de onde quer que esteja escondido e te veja! - mesmo concordando a contragosto e repudiando a maioria de suas atitudes, tive que repensar em minha atual situação e cheguei a conclusão de que ela estava certa. Seria um bom jeito de atrair a atenção de Joseph.
Sem esperar por instruções de Valerie, subi as pequenas escadas a caminho do palco por vontade própria. Fingi estar habituada a receber aquela grande quantidade de olhares pecaminosos, tentando controlar os enjoos que se manifestavam esporadicamente. Mesmo que ninguém estivesse tentando me tocar, mesmo que eu não fizesse parte daquele mundo e sentisse plena convicção disso, a repulsa era inevitável. Aparentemente, gostaram de Angel, gostaram de mim. Um anjo observado por uma legião de demônios.
Não havia instrumento algum sobre aquele palco, apenas um pedestal com um microfone dourado. Disse a mim mesma que era capaz de cantar e encantá-los o suficiente para que não notassem minhas reações desconfortáveis. E sabia que conseguiria enganá-los. A todos eles. Principalmente a Joseph que poderia entrar em meu campo de visão a qualquer momento. 
(Coloque a quarta música para tocar!)
Pegando-me de surpresa, houve uma chuva de aplausos. Aplausos para mim. Foi então que pensei em Joseph, em suas palavras durante uma memória que acometeu minha mente. Lembrava-me com clareza delas: finja que eu sou sua única platéia, olhe nos meus olhos e só existiremos nós dois
I’ve been out on that open road. You can be my full time, daddy. White and gold. - aquela não era uma de minhas músicas, mas era a que, possivelmente, encaixava-se melhor ao momento. Surpresa ao contatar a firmeza em minha voz, a certeza de que ela não vacilaria, eu fechei meus olhos e continuei, soltando aos poucos meu corpo para que pudesse movê-lo facilmente pela extensão do palco. - Singing blues has been getting old. You can be my full time, baby. Hot or cold. - que me chamassem de maluca, mas escolhi tentar enxergar Joseph em meio a todos aqueles rostos desconhecidos. E, por um instante, presa em mundo de belas ilusões, eu consegui. Segurei o pedestal com mais firmeza e torci com todas as minhas forças para que Joseph escutasse minha voz. - Don’t break me down, I’ve been travelin’ too long, I’ve been trying too hard with one pretty song... I hear the birds on the summer breeze, I drive fast. I am alone in the night. Been trying hard not to get into trouble, but I... I’ve got a war in my mind. - a semelhança do último verso que escapou melodiosamente por meus lábios pintados em tom rubro soou assombrosamente propício ao momento. Totalmente semelhante a forma como eu me sentia... Havia uma guerra em minha mente. - So, I just ride... - cantar era uma paixão tão grande que, mesmo presa naquele infinito infortúnio, eu senti a paz me envolver, aquecer meu coração, mesmo que de forma absurdamente fugaz. - Dying young and I’m playing hard. That’s the way my father made his life an art. Drink all day and we talk ‘til dark. That’s the way the Road Dogs do it, ride ‘til dark. Don’t leave me now, don’t say goodbye. Don’t turn around... Leave me high and dry.
Precisei depositar ainda mais força no pedestal quando avistei determinado par de olhos medindo cada movimento meu. O homem vinha caminhando lentamente, sem se importar em entrar na frente dos outros que continuavam a me assistir. Valerie vinha logo atrás dele, destemida, com um sorriso mais do que satisfeito nos lábios. Explicitando algo, provavelmente o fato de que foi a responsável por alertar minha presença a Joseph, dizendo-lhe coisas interessantíssimas sobre mim. Digo, sobre Angel. Tentei fingir que não me importava com sua presença, que ele era apenas mais um diante de tantos outros. Mas por dentro eu sorria, sorria de forma tão sincera que quase deixei que todos contemplassem esse sorriso. E a raiva abraçava meu ser juntamente com essa alegria. Ele tirou Joseph de mim. Ele tirou Joseph de nossos filhos. 
I’m tired of feeling like I’m fucking crazy, I’m tired of driving ‘till I see stars in my eyes. I look up to hear myself saying “Baby too much I strive, I just ride'”.
Ao finalizar a cantoria, fui presenteada com outra salva de palmas. Ajeitei delicadamente minha máscara e sorri o máximo que pude, exalando uma confiança que ainda fazia apenas parte de minha encenação. E notando que Joseph não tirava os olhos de mim, resolvi manter tal contato visual. Enquanto eu descia as escadas do palco e voltava a fazer parte da leve aglomeração, notei os olhares sugestivos que Karlie e Valerie me lançavam, como se tentassem me alertar algo importante. 
(Coloque a quinta música para tocar e deixe repetindo até o final da cena completa!)
Antes que pudesse tentar processar qualquer aviso, senti alguém parar ao meu lado. Não precisei me virar para saber de quem se tratava.
E tive que obrigar meu ser a não demonstrar o pavor que senti quando tive que ficar cara a cara com aquele... Monstro
Sim, eu conhecia seu rosto. Aquele era o rosto que estampava fotografias que Joseph não suportava sequer olhar. Sua presença, sua simples presença, ocasionou arrepios malévolos que quase fizeram com que eu perdesse o equilíbrio, movida por uma tontura. Fechei minhas mãos em punhos para esconder o quanto ambos suavam frio, soltando o ar com calma antes de me recompor e arquear uma única sobrancelha. 
Meu marido quase desistiu de ser quem é por causa dele.
Se soubesse que o único componente do olhar firme que o atingia era ódio, Joseph não deixaria aquele sorriso canalha surgir em seus lábios. 
- Soube que você estava procurando por mim, senhorita. - ele explicou gentilmente, com um alto teor de cavalheirismo ao curvar-se, tomar uma de minhas mãos e beijar suas costas lentamente, erguendo os olhos assim que também voltou a erguer a coluna. 
- Não seja convencido. - murmurei com desdém, mas ainda assim sustentando uma doçura dissemelhante e obscura, não reconhecendo minha própria voz.
- Nos conhecemos de algum lugar? - Joseph estreitou os olhos, ousando dar outro passo a frente. Forçando-me a recuar outro. 
- Não. Mas podemos nos conhecer agora. - dei de ombros após sugerir de forma despretensiosa, brincando com uma mecha de meu cabelo, enrolando-a em meu dedo indicador. O homem aprovou minha sugestão e voltou a sorrir.
- O que uma moça tão bela faz em um lugar de vulgaridade enrustida como esse? - não respondi de imediato, continuei naquele silêncio que possivelmente o distraía o suficiente para que continuasse depositando sua atenção apenas em mim. Minha mente adquiriu a tarefa árdua de produzir frases rápidas, ideias instantâneas que trariam êxito a minha busca. Agir sempre disposta a me acostumar rapidamente com qualquer imprevisto. 
- Você dormirá melhor à noite se não souber. - provoquei, forçando minha garganta a engolir em seco quando outro enjoo manifestou-se com intensidade. Joseph pareceu gostar do que ouviu, apontando na direção de uma mesa vazia, insinuando que gostaria que nos sentássemos ali para conversar. Sem objeções, passei por ele ao ter a passagem concedida, sem olhar para trás enquanto me movimentava. Feliz por tudo estar funcionando de acordo com a minha vontade. E teria que permanecer assim. 
Não me importei em procurar por Karlie ou Valerie, minha atenção estava totalmente focada no objetivo de capturá-lo em uma armadilha. 
Demonstrando educação outra vez, ele fez questão de afastar a cadeira da mesa ornamentada com um bonito vaso de flores brancas para que eu me sentasse. Agradeci com um olhar falsamente gentil, sentando-me, assistindo-o fazer o mesmo a minha frente. Projetei meu tronco levemente para frente enquanto fingia não enxergá-lo, examinando a movimentação ao meu redor, ainda lutando para conseguir me acostumar com tal cenário. Mantive as mãos fixas e trêmulas sobre meu colo, longe de sua visão, soltando um delicado risinho que pareceu deixá-lo curioso. Virei meu rosto inexpressivo em sua direção e curvei meus lábios em um sorriso discreto e perspicaz, a fim de convencê-lo da segurança e familiarização que eu mantinha com aquele lugar. Enxerguei escoriações quase imperceptíveis em algumas áreas de seu rosto marcado por linhas do tempo.
Por vezes parecia difícil manter a encenação, mas havia uma sensação enérgica e repentina que intervinha, impulsionando a firmeza de meu ser para sustentar tal pose. O tempo que fosse necessário. 
A questão perambulando em meus pensamentos era a seguinte: até que ponto eu teria que chegar para conseguir arrancar qualquer informação sobre Joseph? Não, eu não deixaria que ele me tocasse de forma alguma. Permiti apenas o beijo em minha mão porque precisei sustentar uma aparência. Talvez eu teria que ameaçá-lo, pedir ajuda a meus amigos... Bom, só o tempo iria dizer.
- O que quer beber? - a voz rouca devido a sua idade um pouco elevada retornou a incomodar minha audição, então me movi desconfortável sobre a cadeira e apertei ainda mais minhas mãos, negando vagarosamente com a cabeça. 
- Eu não bebo. - expliquei sumptuosa, fazendo com que ele arqueasse ambas as sobrancelhas, intrigado. - Gosto de estar sempre bem lúcida, alerta... Manter a mente afiada. - sustentei um sorriso enviesado, pendendo a cabeça para um lado enquanto esperava por sua reação seguinte.
- Interessante. Aliás, também considero interessante o que ouvi hoje sobre você. - demonstrei interesse ao erguer uma de minhas mãos e apoiá-la sutilmente em meu queixo, esperando que ele continuasse a falar. - Ouvi dizer que nenhum homem é capaz de resistir ao seu encanto, Angel. Isso é verdade? - não, por favor, me deixe em paz, eu pedia internamente e desesperadamente àquele mal estar que fazia meu estômago revirar loucamente. Tentei respirar fundo sem deixar muito aparente. 
- Por que você quer saber? - fingi inocência, encarando minhas unhas despreocupadamente. Não aguentava mais agir daquela forma, mas continuava a funcionar. 
Joseph hesitou brevemente antes de explicar, encarando a mesa em que estávamos, depois seu próprio colo e as pessoas que passavam ao nosso redor, de repente trazendo seus olhos até mim outra vez. Em todas as vezes que isso acontecia era como se algo apertasse meu coração, dificultando minha respiração. 
- Porque eu preciso da sua ajuda para algo quase... Impossível. Estou disposto a lhe oferecer a quantia que desejar se me acompanhar. - eu não sabia definir o que enxerguei em seus olhos, mas não era algo totalmente malévolo. Por um frágil instante, ele pareceu... Preocupado
- Se considera impossível, suponho que não seja para você. - arrisquei serenamente.
- Por que não seria para mim, jovem? - ele desafiou, aproximando-se mesmo que a mesa estivesse o impedindo de prosseguir. 
- Não responda minha pergunta com outra pergunta. - aconselhei, revelando meus dentes em um sorriso outra vez. Logo o homem relaxou os ombros e concordou com a cabeça, se dando por vencido.
- Exato, não é para mim. Digamos que é para um... amigo. Já tentei presenteá-lo com duas mulheres fáceis, assim como você. - concordei demonstrando entendimento, fingindo que suas palavras não me infernizavam, revelando um falso interesse como se gostasse do que ouvia. - Mas ele olhou para ambas como se estivesse vendo a droga de uma parede! Então, eis que surge... Angel. - suas mãos fizeram referência a mim. - Veremos se ninguém é realmente capaz de negar algo a você. 
Eu não podia estar delirando, ouvindo o que minha mente ansiava que eu ouvisse. Pela forma como ele falava, estava se referindo a Joseph. Foi a prece que fiz antes de ajeitar meu cabelo e segurar meu lábio inferior com os dentes. Ele me conduziria até Joseph, existia uma intuição fervorosa que me dizia isso. Também houve ódio correndo por minhas veias quando decifrei suas intenções ao levar prostitutas para o meu marido. Porém, um conforto desenfreado por ouvir que Joe desprezou ambas marcou presença. Eu confiava cegamente em meu marido, sim, mas saber de coisas assim alimentava ainda mais o meu amor sem fim. 
- Quer me levar para o seu... Amigo? - arrisquei sugestivamente, modificando meu tom ao pronunciar a última palavra. Pude vê-lo concordar prontamente. 
- Sim, eu quero. Você aceita? 
Desviei meu olhar do seu e procurei por Karlie, que nos assistia ao longe, sozinha. Como se fosse capaz de ouvir minha conversa com Joseph, ela concordava freneticamente com a cabeça, fazendo gestos afirmativos e exagerados com as mãos. Voltei a trazer meu rosto na direção de Joseph antes que ele notasse algo e simplesmente apoiei meus dois cotovelos na mesa, juntando minhas mãos ao entrelaçar meus dedos e apoiar meu queixo sobre ambas, piscando os olhos de forma charmosa. 
- Pretende me levar até o seu carro ou vou ter que procurá-lo sozinha? - acrescentei, prestes a forçar outro sorriso, minha voz aveludada em um volume e tom que arrancaram um sorriso satisfeito dos lábios de um monstro. Esperei até que Joseph se levantasse primeiro para imitar seu gesto, constatando a fraqueza totalmente perceptível em minhas pernas. Recebendo um olhar nada discreto, lembrei-me de que não poderia simplesmente sair dali com ele sem avisar meus amigos. 
- Algum problema? - ele demonstrou preocupação quando capturou certa tensão em minhas feições. Dando-lhe um sorriso singelo que funcionou como uma negação, tive uma ideia. Simples demais, exatamente o tipo de ideia que não traria brecha alguma para uma possível desconfiança de sua parte. 
- Pode me esperar enquanto vou ao toilette? Prometo demorar apenas alguns minutinhos. - pedi docemente, ignorando o asco aparente todas as vezes em que ele me olhava daquela forma tão... Interessada. 
- Leve o tempo que precisar, Angel. - acenei em agradecimento e caminhei para longe, virando meu rosto apenas uma vez para checar se ele não me seguia. Felizmente escolheu permanecer ao lado da mesa onde estávamos.
Ao conseguir sair de seu campo de visão, precisei encontrar uma parede próxima para me amparar e sustentar minhas mãos quando senti meu corpo inteiro ser dominado por uma infinidade de calafrios. Como se minha alma retornasse ao meu corpo e eu pudesse, então, assimilar o que tinha acabado de fazer. Aliviada por estar sozinha naquela área do clube, ordenei a meu sistema que resistisse mais um pouco e passei a procurar por vestígios de Karlie ou Valerie. Felizmente a primeira materializou-se a minha frente como se tivesse ouvido minhas preces, não me dando tempo para dizer qualquer coisa. 
- Até que enfim! E aí, como foi? O que você descobriu? Me diz... - neguei rapidamente com a cabeça para tentar fazer com que ela se calasse. Logo Valerie também surgiu, com os braços cruzados enquanto fingia que não estava interessada em saber de nada. Adiei o máximo que pude o momento que compartilhei com ambas o pedido inesperado de Joseph. Valerie concordara de imediato, mas Karlie foi categórica ao pronunciar um empenhado “Nem pensar!”, enquanto me puxava para fora do clube. Olhei aflita em sua direção, com medo de que Joseph decidisse me procurar e acabasse escutando o que não deveria. Sem perceber como, logo nós três estávamos do lado de fora da propriedade, voltando a nos aproximar do carro que nos conduziu até ali. Dominic e Caleb levantaram-se da calçada, onde estavam sentados, olhando curiosamente para nós, especialmente para mim.
- Tão rápido assim? - Dominic quis saber, desconfiado. 
- Não, mas nós precisamos levar ela embora daqui antes que acabe colocando a própria vida em risco. - Karlie falhava enquanto apontava para mim. 
- O que aconteceu? - Caleb pediu ainda mais confuso. Ergui minha mão a frente de Karlie quando ela ameaçou falar, dizendo-lhe com um olhar sério que eu tinha condições plenas de fazer isso sozinha.
- Encontrei Joseph Jonas lá dentro, conversamos por um tempo e ele disse que quer... Me levar para um amigo. Obviamente vocês sabem a quem ele está se referindo. Só pode ser o Joseph! E se eu não for com ele, quem garante que sozinhos encontraremos o lugar onde meu marido está? 
Todos, sem exceção, pareceram reflexivos por um instante.
Eu também nutria medo. O fato de Joseph ser o pai do homem que eu amo não diz absolutamente nada. Ele certamente não era nem de longe uma pessoa confiável. Eu acreditava ser capaz de me defender caso ele pensasse em algo desumano, mas até que ponto minha força permitiria o árduo esforço de lutar contra ele, contra suas ideias tão obscuras, desconhecidas por mim?
- Caso ela vá com ele, não teremos como saber se você está a salvo ou não. - Karlie escolheu ser a primeira a quebrar o silêncio, tentando argumentar enquanto me olhava pesarosa. 
- Na verdade, teremos sim. - todos fitaram Caleb. 
- O que o gênio tem a dizer? - a morena ao meu lado provocou, fazendo com que Caleb revirasse os olhos e retirasse sua atenção dela. Discutir sem mais nem menos durante momentos cruciais era típico de ambos.
- Não comece a me irritar, Karlie. - ele avisou, mantendo sua atenção apenas em Dominic e eu, que prestávamos atenção em suas próximas palavras que poderiam vir a qualquer momento.
- Eu? Irritando você? - Karlie se fez de ofendida, enquanto Valerie parecia aos poucos estar perdendo a paciência com todos nós. Eu olhava incessantemente para a larga porta entreaberta, torcendo para que impaciência não constasse na lista de defeitos do pai de meu marido. 
- Querem saber quem realmente está irritado aqui? Sim, o Dominic! - o advogado decidiu dar fim a toda aquela enrolação, elevando o tom de sua voz em uma repreensão que calou subitamente a todos. - Diga de uma vez, Austin! Qual é o plano?
Caleb pediu um momento e adentrou o veículo pela porta de trás, demorando-se ali até que surgiu novamente carregando um pequeno aparelho preto por entre os dedos, vindo em minha direção. Ao assisti-lo estender o mesmo para que eu pegasse, olhei sem entender. 
- É o seu marido em perigo, e nós não podemos te dizer o que fazer. Se quiser acompanhar o Joseph, leve isso com você. É um aparelho capaz de fornecer a localização exata de algo ou de alguém. Mantendo ele dentro do carro de Joseph, nós vamos saber onde você está. E, caso demore muito, iremos atrás de vocês. - ele explicou brilhantemente, enquanto tive apenas tempo de concordar com a cabeça. Algo me dizia que Joseph não queria esperar mais. 
- Tenha cuidado, Jonas. E caso veja o Joe, diga a ele que sinto falta de dizer coisas inúteis que o irritam muito. - Dominic pediu com um semblante triste, fazendo-me soltar um frágil risinho, apenas para tentar enganar a mim mesma. Karlie veio me abraçar, ainda demonstrando preocupação. Valerie nada fez, apenas acenou com a cabeça em um gesto que sugeria sorte. 
Após respirar fundo, afastei-me de todos, adentrando novamente o local. Encontrei Joseph ainda ao lado da mesa de antes, aliviado quando me avistou depois de uma significativa demora. Eu disse que estava pronta para ir com ele, onde quer que pretendesse me levar, então saímos pela porta da frente. Mantive a pequena bolsa firme por entre meus dedos, sabendo que não poderia descuidar dela. O aparelho fornecido por Caleb estava seguradamente guardado ali dentro. 
Não demorou muito para que chegássemos até o último veículo estacionado em uma área própria. Mais uma vez cavalheiro, Joseph decidiu abrir a porta do mesmo para mim. A escuridão do local contribuía para que suas feições se tornassem ainda mais sombrias. Após sentir meu estômago dar uma volta completa e meu coração parecendo ficar grande demais para o espaço que tinha, adentrei o veículo de uma vez, fechando a porta sozinha. Estranhei a demora de Joseph para adentrá-lo também, virando meu rosto quando por fim pude vê-lo surgir, ficando ao meu lado em questão de segundos. Ele apoiou sua cabeça no encosto do banco e ficou em silêncio por um tempo. Eu não sabia dizer se ainda conseguia manter um sorriso desinibido em meus lábios, e nem havia forma segura de checar. Por que ele não dava logo a partida e me levava até Joseph? De repente, um riso vitorioso escapou pela garganta do homem, que lançou seu olhar em minha direção e arqueou uma sobrancelha, fitando-me como se soubesse todos os segredos acorrentados em minha mente. Minhas pernas tremeram quando ele desencostou-se do banco e ameaçou girar a ignição. Mas não o fez. 
Boa tentativa, Demetria.
Congelei por um momento, quase que literalmente. Senti um choque abranger todas as células que formavam meu ser. 
Rir desconfortável, encenar inocência e perguntar do que ele falava pareceram alternativas absurdamente boas, mas quando tomei consciência de meus atos, já havia iniciado aquele choro angustiado, ali mesmo em sua frente. Foi como se eu finalmente pudesse deixar aquela encenação de lado. Apesar de estar correndo perigo, senti um alívio imensurável. E também a decepção ao constatar que não fui capaz de me mascarar o suficiente. Será que ele me reconheceu desde o primeiro momento em que me viu naquele palco? 
- Devolve ele para mim, por favor! - sem pensar, deixei aquele pedido escapar em tom de súplica, chorando copiosamente ainda dentro de seu carro. O homem bufou e demonstrou-se incomodado, sem olhar em minha direção. - Por favor, não é justo o que você está fazendo com o meu marido... Eu sei que está com ele, não tente negar, não tente! 
- Saia do meu carro, Demetria. Por favor. - ele pediu gentilmente, contrariando toda a situação ao redor. Ignorando meu martírio.
- Não! - protestei em um ganido sôfrego, repensando o que acabara de dizer. - Deixe-me vê-lo, eu te imploro... 
- Por favor, jovem. Eu não quero perder minha paciência com você, mãe de um neto meu. - voltou a pedir, dessa vez com mais firmeza. Algo em seu olhar fez meu corpo voltar a tremer em pânico, então não fui mais capaz de me manter imóvel. Em desespero, quando percebi que ele estava prestes a ligar o veículo, esforcei-me para conseguir abrir a porta ao lado e quase caí ao conseguir sair, afastando-me bruscamente no instante em que o carro acelerou dando ré e passou rapidamente por mim. Encarei o mesmo atônita, sem saber direito o que tinha acabado de acontecer. Lá estava a minha chance de encontrar meu Joe, escapando de minhas mãos como areia da praia. 
Aliás, outra coisa também havia escapado de minhas mãos. 
A pequena bolsa com o localizar estava fora de meu alcance, dentro do carro de Joseph. 
Em um ímpeto eu corri na direção onde sabia que o carro de meus amigos permanecia, pegando-os de surpresa quando avistaram meu rosto úmido e borrado graças a maquiagem em excesso. Tentei regularizar minha respiração antes de começar a falar, levemente esperançosa. Uma esperança que se elevava gradualmente.
- Ele me reconheceu. Fingiu o contrário. Eu não era a única mantendo uma encenação. - sussurrei sem vontade, porém, consegui permitir que um sorriso satisfeito iluminasse meu rosto até então tétrico, contrastando absurdamente com meu pranto cessando aos poucos. - Mas não sabe que o localizador ficou dentro do carro. 
Vi Caleb se levantar com agilidade e voltar a adentrar o veículo, retirando dali um notebook. Dominic aproximou-se para olhar, enquanto Karlie fazia o mesmo. Valerie parecia não estar mais por ali, mas isso era o de menos. Quando analisei as três expressões totalmente focadas na tela daquele aparelho, decidi me aproximar para olhar também. 
Havia um pequeno ponto vermelho que piscava, movendo-se vertiginosamente pela extensão de uma espécie de mapa.


Brighton. Uma cidade costeira próxima a Londres. Apenas a uma hora e trinta minutos de distância, segundo Dominic. 
Era aquela a atual localização de Joseph. O ponto vermelho já não piscava mais, mantendo-se estável e imóvel. Terminei de vestir um casaco totalmente resistente ao frio e calcei minhas botas sem salto, limpando meu rosto o máximo que pude antes de sorrir para o meu reflexo no espelho. Estávamos nós quatro em minha casa. Assim que Caleb pode assegurar que Brighton era o destino final de Joseph, nós nos encaminhamos até minha casa para que pudéssemos nos preparar para, enfim, chegar até ele. Chegar até Joseph. Eu sabia que mamãe dormia em um dos quartos, então não pensei em acordá-la, nem em acordar meus meninos. Sabia que a próxima vez que pisasse ali, naquela casa, estaria trazendo o pai de ambos de volta. 
Com apenas esse pensamento totalmente nítido, saí de meu quarto a passos ligeiros e desci as escadas, percebendo que não havia ninguém ali na sala de estar, lugar onde deixei os três me esperando. Confusa, olhei para diversas direções, arriscando ir até a cozinha e a outros cômodos para procurá-los. Mas não estavam em lugar algum. Também não encontrei as coisas de Caleb, nem o vestido que Karlie disse que deixaria ali assim que lhe forneci uma roupa minha e nem mesmo as piadas fora de hora de Dominic. Eles desapareceram. 
Foi então que ouvi um som familiar soar ao lado de fora da casa. 
Caminhei determinada até a porta, puxando a maçaneta e estreitando meus olhos quando fitei um rígido cadeado impedindo que eu conseguisse abri-la. Tentei fazer o mesmo com todas as portas e janelas próximas, todas do térreo da casa, mas o resultado e minha visão foram as mesmas. Cadeados por todos os lados.
Exasperada o suficiente para sentir minha respiração passar a ser descompassada, voltei a subir os degraus com uma velocidade cuidadosa, encontrando as janelas do andar de cima fechadas apenas com sua segurança habitual, nada do que eu já não estivesse acostumada. Abrindo uma delas, vi-me diante da varanda, conseguindo enxergar meus amigos ao redor do veículo estacionado um pouco a frente do jardim. Apoiei minhas duas mãos sobre o beiral branco e tentei enxergá-los melhor a semicerrar os olhos. 
- O que vocês estão fazendo? - pedi em voz alta, mas tentando controlá-la o suficiente para que não acordasse minha família adormecida. Senti o pânico voltar a se alastrar. Não era justo o que estavam fazendo comigo! Karlie foi a primeira a erguer seu rosto e me encontrar ali, pedindo explicações de forma desesperada. Os três se entreolharam e se aproximaram minimamente, mantendo os olhares penosos para mim.
- Desculpe, gata, mas isso é para o seu bem. - Karlie explicou com os braços cruzados, mas eu apenas a ignorei e voltei a perguntar qual era o motivo daquilo, procurando explicações que os três não pareciam dispostos a dar. O mais desconfortável com a situação de fato era Dominic. - Enquanto estávamos lá dentro do clube, Caleb e Dominic contataram sua mãe e vieram até aqui, colocando cadeados nas portas e nas janelas baixas. Única e exclusivamente para a sua proteção. Portanto, trate de nos perdoar quando essa raiva passar, sim? 
Embasbacada, limpei uma única lágrima que escorreu por minha bochecha, inconformada o suficiente para não ousar proferir mais palavra alguma. No fundo, eu sabia que reclamar seria errado. 
- Obrigado, bebê, graças a você sua mãe vai não pensar em fazer loucuras. Tais como pular de janelas ou bancar a mulher maravilhada por ai. - foi a voz de Dominic falar, mais precisamente com o meu filho. Levei a mão até a barriga ao ouvir tal agradecimento, debatendo internamente se de fato era o certo a fazer. Permanecer ali. 
- Acho que um dos maiores desejos do Joseph é voltar para casa e encontrar sua mulher, juntamente com um bebê que ainda permanece dentro da barriga dela, não é? - Caleb também tentou, por fim fazendo com que eu fechasse os olhos por um instante e me sentisse obrigada a concordar com ele. Soltei a proteção que segurava com força e dei um passo para trás, mantendo meu olhar fixo nos outros três. 
- Então fique quietinha ai dentro. - encarei o tempo ao meu redor assim que ouvi o conselho bem humorado de Karlie, notando como o céu parecia revolto. Choveria muito, e logo. - Se você tivesse ignorado a vontade de engravidar e permanecido com as pernas fechadas, poderia vir conosco. - ela completou segurando um riso, rolando os olhos quando os homens ao seu lado não demoraram a repreendê-la. - Qual é, foi uma brincadeira! Desculpe, Demi, eu só acho que alguém por aqui deve tentar manter o bom humor em dia. 
Jonas, escute bem. - Dominic ficou o mais próximo que pode da casa, erguendo seu rosto para olhar diretamente para mim. - Nós vamos encontrá-lo e trazê-lo para você. Hoje... - torceu os lábios ao fitar seu relógio de pulso. - Certo, talvez amanhã, porque faltam poucas horas para chegarmos a meia noite, mas pode acreditar, de amanhã não passa. Isso é uma promessa. 
Sem forças para retrucar, eu apenas balancei minha cabeça em um gesto positivo, olhando com lágrimas nos olhos na direção daquelas pessoas que se importavam tanto comigo. Tudo que consegui fazer em seguida fora agradecer, assistindo o veículo sumir aos poucos, implorando aos céus para que tudo ocorresse bem.


Joseph's P.O.V

Brighton, UK

Ele disse que aquele seria o meu último dia ali.
Eu sei, seria um pouco perigoso acreditar cegamente. Principalmente depois de tantos dias me tratando como se não nutrisse ódio maior por outra pessoa. Mas, mesmo que talvez fosse apenas produto de minha imaginação, jurei ter vislumbrado o homem que esteve comigo até meus dez anos de idade. Meu pai de verdade. Não estávamos mais no cativeiro, naquele momento eu apenas observava o nada enquanto ele dirigia silenciosamente. Havia saído horas antes, retornando totalmente diferente, como se algo finalmente tivesse sido capaz de alterar sua mente. 
Ele me disse que precisava ter uma última conversa comigo antes que aquele inferno chegasse ao fim. Pelo menos o meu inferno, foi o que ele disse. 
Então, percebi tardiamente a informação, estávamos diante da orla de uma praia. No instante em que examinei as diversas ondas quebrando na praia, a imagem de Demetria veio, tão maravilhosa como sempre. Aquele era um lugar para nós, praia era o lugar que mais combinava conosco. Mas ela não estava comigo. E parecia tão errado, tão injusto, tão... Inaceitável. 
Principalmente porque não havia lua alguma no céu turbulento, evidenciando uma tempestade que logo viria. Minha visão era presenteada apenas pelo mar escuro, revolto, como se frustrado com a humanidade. O vento ao redor estava longe de parecer normal, gradualmente ficando mais violento a cada novo sopro, dificultando meus movimentos ao passar do tempo em que eu me afastava do carro de meu pai para poder caminhar sozinho pela região. 
Mar sem lua. Fazia tanto sentido que por um instante me permiti imaginar Demetria naquele exato momento, fitando a lua, em nossa casa. Não teria um mar como aquele para ela poder ver, enquanto eu não tinha a lua. Assim como não tinha a mulher da minha vida. 
Era estúpido pensar dessa forma, mas o que eu poderia fazer? 
Logo, Joseph estava sentado ao meu lado, provavelmente fitando o mesmo ponto que eu. O nada. Não quis virar meu rosto em sua direção e enxergar o que minha ira momentânea de horas mais cedo causou em seu rosto. Não era muito, apenas algumas escoriações, mas, mesmo assim, não era algo que eu gostava de lembrar ter sido o responsável. Aquela certamente não era uma trégua, mas talvez fosse o único instante em dias em que não ousávamos atacar um ao outro com farpas de puro ressentimento.
O lugar estava estranhamente inabitado, pequenos redemoinhos de areia formavam-se nas regiões próximas a beira do mar. Ondas de grande proporção pareciam chegar cada vez mais perto, juntamente com o som firme dos trovões. Olhei novamente para o céu e senti receio de permanecer ali. Será que Joseph havia previsto uma tempestade tropical e decidira nos conduzir para tal morte?
- Você acha que os homens são mais fortes que as mulheres ou vice versa? - abaixei meu rosto mediante sua questão, pensando no que ele pretendia com uma pergunta tão contraditória para a situação. Meu pai podia facilmente ser considerado a personificação do machismo, então não fazia muito sentido expressar tal dúvida quando deveria ter um ponto de vista formado. Permaneci quieto, não querendo responder. - Pense: um homem é abandonado por sua mulher ou, não sei, ela morre, deixando-o viúvo. Enquanto, do outro lado do mundo, uma mulher é abandonada por seu marido, ou, não sei, ele morre, deixando-a viúva. Quem você acha que saberá lidar melhor com isso? - franzi o cenho quando ele cessou a fala, pensando em como éramos idiotas. Ambos. 
Principalmente ele, por acreditar que eu manteria uma conversa pacífica depois de tudo que me fez. E eu, por pensar em manter de fato essa conversa. 
- Ninguém lida bem com isso, deve ser difícil para ambos. Eu, por exemplo, não sei o que faria sem a Demetria, juro que não sei. - comentei sincero, falando mais para mim mesmo do que para ele. 
- Mas e ela? Acha que ela saberia lidar com o seu abandono, com a sua falta? Eu duvido. - acrescentando uma opinião ao finalizar a pergunta, concluí que havia convicção demais em sua voz. O que ele sabia, afinal? Será que teve a oportunidade de ver Demetria?
Tal hipótese fez meu sangue ferver, mas não demonstrei nada.
- Ela é uma mulher muito forte, tenho certeza que sim. Caso fosse obrigada a seguir sua vida sem mim, acredito que ela teria fixo em mente que precisa continuar firme, porque é o certo a fazer. - não era como se eu quisesse que Demetria aprendesse a viver sem mim, mas eu escolheria essa opção se tivesse duas, sendo que a outra consistiria em aceitar que minha esposa sucumbiria a fraqueza e desistiria de tentar seguir com a vida. Não seria justo com ela, uma pessoa tão linda por dentro e por fora. 
- E você? Faria o mesmo por ela? - bufei, já cansado de ter que responder tantas perguntas. Qual era a finalidade de um interrogatório como aquele, sendo que ele nunca demonstrou interesse algum em minhas opiniões? Voltei a olhar para o mar, dessa vez estreitando os olhos quando pensei ter visto uma onda maior que todas as outras, uma onda que, ao chegar a praia, traria alguma consequência grave. Levantei-me rápido, deixando Joseph de lado, mas ainda assim fiz questão de respondê-lo.
- Eu não sei. Mas, talvez sim. Ela me ensinou muita coisa. Caso eu me enxergasse sem minha esposa no mundo... Ou eu tentaria me juntar a ela... - sorri angustiado ao pensar em tal saída. - Ou tentaria acreditar que ela me vê de onde está e espera apenas o melhor para mim. 
É claro que eu escolheria a segunda opção. Afinal, ela ainda existiria na Terra. Um pedaço seu estaria sempre comigo. Matthew. 
- Meu Deus! - meu pai disse em tom baixo, visivelmente espantado. Olhei em sua direção, sentindo o vento guerrear contra o meu corpo, logo teríamos que sair dali antes que algo fatal acontecesse. Não sei o motivo de ter pensado dessa forma, mas não pude evitar. 
- Qual é o problema? - indaguei friamente, voltando a me aproximar.
- Acabei de conseguir o que eu mais queria. - o homem ergueu seu rosto para me olhar, sustentando um sorriso. Um sorriso orgulhoso. Consegui, como única resposta, apenas arquear uma sobrancelha e soltar um riso debochado. 
- É melhor sairmos daqui. - comentei enquanto fitava o mar cada vez mais próximo. A estrutura do cais rangia como se pudesse romper a qualquer instante. - A menos que você queira morrer agora. 
- Eu posso morrer agora. - talvez um pouco surpreso pelo que ouvi, abaixei meu olhar até onde meu pai permanecia, encarando o mar com distração. 
- Joseph... - ele não permitiu que eu continuasse.
Joseph! Estou falando sério, eu posso morrer agora. - o homem ralhou, visivelmente irritado com minha insistência para abandonarmos o local. Eu poderia simplesmente deixá-lo ali e correr para longe, mas não consegui concretizar essa ideia. Não consegui transformá-la em realidade. Talvez porque eu realmente não quis. 
- Além de tudo, agora ficou maluco de vez? - debochei, tentando puxá-lo pelo ombro para que levantasse. Logo ele ficou de pé a minha frente, demonstrando-se pronto para dizer algo. Eu não sabia se prestava atenção em sua estranha felicidade ou se assistia a tempestade implacável se formando, para que pudesse correr assim que as ondas ficassem próximas demais. Não faltava muito para isso.
- Você preferiu ficar em silêncio ao invés de feri-la com palavras que alguém impôs que dissesse. - ele tossiu, de repente respirando como se carecesse de ar o suficiente para seus pulmões funcionarem corretamente. - Você fala dela como se fosse sua maior vitória, sua fortaleza. Você a respeita acima de tudo. Não segue um caminho fácil para remediar algo que sabe que ela será capaz de remediar com você. Você espera o tempo que for necessário por ela, porque acredita que nenhum passatempo e impulsividades tão constantes em um homem tolo e fraco valem a pena.Você sabe o real significado que uma mulher tem
Eu não sabia definir bem qual era o seu intuito em proferir tais afirmações, mas por um segundo algo passou a ficar nítido diante daquele emaranhado de problemas, algo passou a fazer sentido. Joseph foi o pior homem que conheci, sem dúvida um dos tipos mais podres. Ele não soube tratar minha mãe como ela merecia, ele não soube ser quem ela precisava que ele fosse. Ele preferiu desistir a lutar diante de um momento difícil. Ele não soube lidar com seus erros do passado, acarretando outros em seu presente, comprometendo totalmente seu futuro.
E ele estava me testando
- Você não fez isso... - receoso, comecei a dizer com cautela, adotando o olhar fulminante que ele já deveria estar acostumado a receber. - Você não fez! Você não provocou todo esse tormento na minha vida apenas para provar isso a si mesmo. Por favor, diga que eu estou errado quando penso nessa possibilidade tão repugnante! - fechei meus olhos com força, assim como minhas mãos em punhos. Desejei que algo de mal lhe acontecesse, que aquela fúria da natureza o levasse para bem longe, talvez até para fora do planeta. Só podia ser brincadeira, uma grande brincadeira de mau gosto para conseguir me deixar ainda mais enraivecido. 
- Eu arruinei a minha vida, preciso garantir que não faça o mesmo com a sua. - Joseph deu de ombros. - E agora eu sei que não vai fazer. 
- COMO VOCÊ PÔDE? - já pronto para avançar em sua direção, algo pareceu me impedir. O vento desenfreado logo seria capaz de carregar meu corpo se eu não tratasse de sair dali de uma vez por todas. Não era uma simples chuva, nem mesmo uma tempestade. Havia algo de assombroso bem ao centro do mar, algo grande. - Juro por Deus que se eu pudesse matava você agora mesmo, seu maldito!
Ele sorriu.
- Exatamente, se você pudesse. Mas não pode. - ele comemorou, totalmente feliz. - É por isso que já posso morrer, agora eu sei que meu filho jamais será igual a mim. Você me despreza, mas não consegue me machucar, porque é uma boa pessoa. Aquele garoto que tinha o sonho de se tornar um grande médico continua aqui, bem diante dos meus olhos. - repudiei o sorriso que ele fez questão de mostrar, prestes a deixá-lo sair correndo antes que não houvesse nada capaz de me salvar do castigo eminente que o mar preparava para quem quer que estivesse em seu caminho. Devido ao ensurdecedor barulho do vento, era impossível manter o tom normal da voz.
- Sonho que você fez questão de arruinar, pai! - bradei, socando o ar. De repente, ele conseguiu me segurar pelos ombros de forma bruta, colérico com minha contínua postura rude ao me comportar como um adolescente incompreensivo. 
- Eu fingi a minha morte para que você pudesse começar a sua vida, seu idiota! Funcionou, não funcionou? E quanto ao seu pai, o pai que você tanto se orgulhava, ele está aqui. Mas é como se na verdade estivesse enterrado a sete palmos. Não espero que me compreenda, não quero seu perdão porque sei que não mereço. Mas já cumpri minha missão. - ele me soltou apenas para voltar a se virar na direção do mar, abrindo seus braços e voltando a olhar para mim pouco antes das primeiras ondas violentas e de tamanho consideravelmente elevado começarem a atingir a areia. - Agora, vá para a casa, Joseph! - meu pai apontou para uma direção ao longe, tão convicção que mais parecia uma ameaça. - Vá para o seu lar, fique com a sua família e se orgulhe de quem você é. E, quanto a mim... Eu tenho contas a acertar com Deus. 
Não consegui me mover. O esperado certamente seria que eu corresse o mais rápido e para o mais longe que pudesse, mas havia algo em suas palavras que simplesmente me paralisou, o espanto definindo meu ser. Era o meu pai falando, o homem que me deixou ganhar infinitas partidas de futebol apenas para ver um sorriso em meu rosto. O homem que me ensinou a andar de bicicleta e a nadar, o homem que eu apreciava chamar de herói. Era ele, bem diante dos meus abismados olhos. 
Fiz menção de me afastar, dando as costas a ele, mesmo sabendo que não conseguiria completar o ato. Quando percebi, meu pai corria para longe, até permitir que ficássemos a diversos metros de distância, não se importando com despedidas. Havia algumas pequenas casas espalhadas pela região em perigo, pude ver quando o homem adentrou uma delas. Pensei em segui-lo, por mais que o medo de me arrepender fosse forte o bastante para que minhas pernas se mantivessem fixas, paralisadas. 
Desejar sua morte foi por muitas vezes algo aceitável, visto a forma como passou a me tratar nos últimos anos. Ou pelo menos propício. Porém, quando ele pareceu de fato pronto para partir, senti como se quem não estivesse pronto ali fosse eu. Como se eu não quisesse que ele partisse. 

/Joseph's P.O.V

Flashback

Pai e filho cessaram seus passos quando se aproximaram o suficiente de um lago cristalino próximo a casa de campo da família. O pequeno Joseph observou as diversas pedras negras e as plantas aquáticas abaixo da água e encolheu os ombros, dando um passo para trás como se estivesse com medo. Seu pai, percebendo tal reação, ajoelhou-se o suficiente para ficar ligeiramente a altura do garoto de pouco mais de quatro anos de idade e olhou confiante em seus olhos, dizendo-lhe que não havia o que temer. Naquele dia, Joseph estava determinado a ensinar seu filho a nadar. Joseph gostava muito de água, mas ainda não sabia permanecer sozinho quando envolto pela mesma. Após mais algumas palavras encorajadoras, o homem levantou-se e deu mais um passo, pronto para entrar no lago. 
- Não, pai, não vai! - Joseph pediu com os olhos arregalados e as bochechas coradas, negando freneticamente com a cabeça. - Deve estar cheio de monstros lá dentro. - Joseph riu, sorrindo em seguida para o filho. 
Monstros não existemJoe. - ele assegurou ao garoto, que não pareceu muito convencido disso. Voltou a olhar para a pouca profundidade do lago e torceu os pequenos lábios. 
- Talvez eles existam e você não saiba disso. - Joseph retrucou e cruzou os braços, formando um bico contrariado em seus lábios. Joseph desistiu de entrar na água e sentou-se ao lado do mais novo, que acompanhou seu pai e sentou também, esticando as pernas. Os olhos fitaram o céu azulado por um instante, totalmente em silêncio.
- Certo, campeão, vamos fazer o seguinte... - Joseph atraiu a atenção do filho, deixando a confiança transbordar de seus olhos. - Vou na sua frente, não vou? - Joseph apenas concordou com a cabeça. - Se algo tentar nos atacar, algo como um monstro... É certo que vai me atacar primeiro. E então, filho, você corre! O mais rápido que puder, para bem longe. - sorriu abertamente para o garoto que pareceu aprovar as palavras do pai. - Estará a salvo
Logo, o homem já estava dentro da água, estendendo seus braços para que o filho pudesse encontrar apoio e segurança o suficiente para fazer o mesmo. Apesar de hesitante e choramingando, o pequeno Joseph acabou por aceitar entrar. Pouco tempo fora o suficiente para que conseguisse se esquecer de seus medos e, finalmente, aprender a nadar. Joseph olhou orgulhosamente para seu filho que submergia e em seguida voltava a superfície, sorrindo alegremente, mostrando ao pai o que estava conseguindo fazer. Por enquanto, podia ser o herói do garoto, podia estar por perto para protegê-lo e ensiná-lo sobre a vida... Mas chegaria o dia em que talvez não pudesse mais, então torcia para que Joseph fosse forte o suficiente para, sozinho, derrotar seus medos. Sabia que, eventualmente, o pequeno garoto de brilhantes olhos verdes conseguiria. Era fácil enxergar coragem naquelas íris, apesar da inocência. Era fácil enxergar força o suficiente para viver toda uma vida, sendo ela fácil ou não

Fim do flashback


Demetria's P.O.V

Jennifer parecia tão apreensiva quanto a mim. Provavelmente estávamos nos falando por telefone há míseros dez minutos, enquanto eu fazia questão de encarar a janela de meu quarto incessantemente, várias vezes a cada novo minuto, na esperança de que conseguiria avistar o carro que levou meus amigos para longe. Mesmo sabendo que, sim, talvez encontrassem Joe, sabia também que o caminho era longo. Os ponteiros do relógio pareciam meus maiores inimigos, era como se não quisessem mais funcionar para o meu benefício. Sentei-me sobre a cama de forma impaciente, escondendo meu rosto com uma das mãos enquanto ouvia o que Jennifer falava. Ela me recomendou que eu tentasse dormir um pouco, mas era humanamente impossível conseguir pegar no sono quando minha mente se revelava funcionar a mil. A mulher do outro lado da linha também demonstrava uma enorme preocupação, talvez por conta de que Dominic fazia parte daquela busca. Enquanto uma tentava em vão acalmar a outra com simples, porém sinceras, palavras de apoio, foi como se algo mostrado na televisão prendesse meus olhos o suficiente para que eu simplesmente não fosse mais capaz de prestar atenção em mais nada.

Alerta de ciclone tropical em Brighton mobiliza as autoridades locais para a realização de uma evacuação nas áreas de grande proximidade da praia. Ainda não se sabe quais são suas proporções e como a cidade conseguirá lidar com possíveis consequências.

Quando voltei a prestar atenção ao meu redor, percebi que já estava de pé outra vez, inventando qualquer desculpa a Jennifer para que pudesse encerrar aquela chamada. Mesmo me sentindo mal por isso, eu precisava ligar para Karlie, Caleb e Dominic para avisá-los sobre o que acabara de ver em um noticiário. Eles estavam indo para Brighton, possivelmente meu marido estava em Brighton.
Em desespero e andando de um lado para o outro, tentei sem sucesso entrar em contato com meus amigos, mas nenhum dos três celulares pareceu disposto a receber minha ligação. Talvez já estivessem próximos o suficiente da tempestade, ocasionando a perda total no sinal de seus aparelhos. 
Encarei um ponto fixo de meu quarto, não sabendo o que fazer. E antes que eu pudesse pensar em algo, ouvi o choro repentino e angustiado de Matthew soar do cômodo onde permanecia. Com movimentos automáticos, sem deixar que minha mente me afundasse em pensamentos pessimistas, adentrei o quarto de meu bebê e o peguei em meu colo sem hesitar, levando-o comigo para que pudéssemos ficar no meu quarto. Matt não tinha fome nem febre, tampouco sentia frio. Não precisava de uma troca de fraldas e era visível o cansaço transmitido pelos olhos úmidos por lágrimas que desciam por suas bochechas. No entanto, seu choro não cessava. Ele parecia totalmente desesperado, aflito demais para se acalmar mesmo enquanto eu tentava com todo o carinho e cuidado do mundo niná-lo em meus braços. Contribuindo para a elevação de minha angústia, ele começou a pedir pelo pai. Uma, duas, três, quatro vezes... Em nenhuma delas eu ousei tentar responder. Era como se o bebê sentisse que algo de grave poderia estar prestes a acontecer com seu pai. 
Alguns minutos se passaram e felizmente meu pequeno conseguiu se acalmar. Enquanto ele permanecia distraído sobre minha cama, brincando com os travesseiros, ousei encarar novamente o céu exposto graças as cortinas da janela que se agitavam ao serem empurradas pelo vento. Talvez a tempestade estivesse migrando para Londres, eu podia sentir o característico cheiro de chuva adentrar minhas narinas. Matt apontou para o porta retrato que mostrava uma foto de Joseph e eu. Se não me falhava a memória, aquela foto fora tirada um dia após seu pedido de noivado. Rapidamente tomei o objeto em mãos e levei até meu filho, que conseguiu pegá-lo sozinho e ficou admirando a fotografia, tocando seu dedinho indicador sobre o rosto do pai, murmurando palavras desconexas. No exato instante em que ele fez isso, eu pedi aos céus que me mandassem alguma prova de que Joseph estava bem. Qualquer coisa, até mesmo algum simples sinal. 
(Coloque a sexta música para tocar!)
Mais alguns poucos minutos foram necessários para que Matt voltasse a pegar no sono. Aproximei-me para depositar um beijo suave em sua bochecha e ajeitei seu corpo para que pudesse dormir mais confortável, cobrindo-o com zelo. Encaminhei-me até a janela outra vez, sentando sobre o chaise que ficava logo abaixo da mesma, proporcionando uma vista completa do jardim e do céu. Lá estava a lua. 
Lua sem mar. Segurei meu lábio inferior com força ao ter tal pensamento, remoendo memórias felizes que no momento conseguiam apenas aparentar melancolia. Será que eu merecia estar longe de Joe? Será mesmo que a vida tentava me ensinar algo impondo tamanha agonia constante em meus dias vividos de forma vaga? Eu estava cansada de não sentir vontade de sorrir. Cansada de me apoiar apenas em esperança. Enquanto meus filhos tentavam buscar apoio em mim, eu me demonstrava totalmente instável. Joseph costumava dizer que eu era capaz de levar todos os seus medos embora, mas quem levaria os meus? Eu não sabia lidar com aquele sofrimento, não queria mais lidar. Eu me sentia presa em uma estúpida rotina que me puxava cada vez para mais fundo naquele mar de desilusão. 
A lua pareceu brilhar com mais intensidade a partir do momento em que me dispus a contemplá-la com atenção. Será que, onde quer que estivesse, meu Joe também conseguia ver como a lua estava linda naquela noite? Será que ele pensava em nós com veemência, da mesma forma que eu fazia? Aliás, era tudo que eu conseguia fazer desde o dia em que senti seus lábios tocarem os meus de forma diferente, amedrontada. O dia em que fui forçada a acordar e me deparar com um pesadelo real. Lua e mar permaneciam separados... 
Até mesmo durante a noite.
Arduamente eu vasculhava por minha força, em cada pedacinho de meu ser desestruturado. Sabia bem que ser forte, de verdade, era encontrar em meio a uma fraqueza tão devastadora como aquela, um motivo para seguir em frente. Enxergar vestígios de uma guerra chamada vida no sorriso de entes queridos, pessoas que podem te mostrar que ainda é possível encarar o céu e sonhar com um amanhã melhor. Era exatamente o que eu fazia. Ansiando sentir os lábios quentes de Joseph sobre os meus, a textura de sua pele, o aroma que a mesma emanava, um perfume diferente de qualquer outro no mundo, exclusivamente dele. Antes que eu pudesse evitar, senti uma lágrima escorrer por toda a extensão de meu rosto, até cair sobre meu colo. Quantas vezes mais eu teria que chorar até que o único capaz de cessar meu pranto estivesse próximo o suficiente para me abraçar e levar qualquer temor embora? 
- Eu sei que você está por ai, vivo. Eu sei. - falei sozinha, mantendo meu rosto erguido e meus olhos fixos na lua. - É como se eu conseguisse sentir o seu coração batendo junto ao meu. - arrisquei levar uma de minhas mãos até meu peito, sentindo as batidas rápidas de um coração sôfrego de saudade. - Mas eu tenho medo de estar delirando, então volte logo. Não posso e não quero ser eu mesma sem você. Sabe o que dizem de cada um possuir uma metade? Então... Você é a minha. E agora eu me sinto incompleta. Um coração não bate se estiver pela metade, não é? - fechei firmemente meus olhos e dobrei minhas pernas sobre o chaise, abraçando meu próprio corpo, buscando uma resposta para meu pedido. Uma resposta que não veio na voz que eu almejava, na verdade, não veio em voz alguma. - E, caso não possa voltar agora, me dê um sinal, qualquer coisa. Qualquer coisa que me garanta que você está bem. Como pode ver, eu não peço muito. Se eu não puder te beijar, te tocar e te sentir por mais algum tempo, tudo bem. Mas pelo menos permita que eu tenha um sinal de que isso que eu sinto aqui dentro de mim... Não é uma ilusão. Permita um sinal de que seu coração continua a bater em algum lugar desse imenso e frio mundo. Meu amor por você se acostumaria, ele aceitaria a distância. - havia um limite para aquela dor, um limite que se aproximava ferozmente a cada novo nascer do sol. Eu temia não saber mais suportá-la no nascer do próximo. Enquanto isso, rezava para aquela noite não ser cruel como as anteriores vinham sendo.
Solucei ao inclinar meu rosto bruscamente na direção de onde um barulho repentino soou. Jamie permanecia parado ao batente da porta, demonstrando estar angustiado com o meu estado. Com um único gesto de cabeça, pedi que ele se aproximasse e se sentasse ao meu lado, e assim ele fez. Senti seu braço passar ternamente pelo meu ombro, como um abraço desajeitado visto seu tamanho inferior ao meu. Segurei sua mão apoiada em meu ombro e depositei ali um singelo carinho. 
- Você pode dizer alguma coisa boa para mim, Jamie? Por favor? Qualquer coisa. - não gostei daquele tom coberto por desespero em minha voz, mas não era possível utilizar outro. Não enquanto permanecesse sem notícias. Sem luz
Mar e lua. - o garoto murmurou simplesmente, sem se dar ao trabalho de pensar por muito tempo. Encarei seu rosto por instantes, vendo o brilho da lua refletir em seus olhos claros. Tudo que Jamie fez fora sorrir. 
- O quê? - pedi atônita.
- Você me salvou quando eu precisei... Eu gostaria muito de fazer o mesmo por você agora. Se eu pudesse, iria procurar o papai e com certeza o encontraria. - ele balançou positivamente sua cabeça, totalmente seguro de si. Não pude evitar de sorrir. - Porque eu não gosto de ver você chorando. Não é justo uma pessoa que adora fazer todos sorrirem ter que chorar todos os dias. Bom, infelizmente eu não posso tentar encontrar o papai, sou novo demais para isso, certo? - ele torceu os lábios, ultrajado com o óbvio. - É só que não faz sentido vocês dois ficarem longe um do outro. Isso é muito errado, mãe! E quando ele voltar, porque eu sei que vai, vou pedir que compre uma casa na praia, assim vocês vão poder sempre ver o mar e a lua juntos. Sempre
- Ah, Jamie, se você soubesse como me salva apenas com essas palavras... - sussurrei emocionada, tentando conter minhas lágrimas e meu tom de voz para que o bebê adormecido sobre a cama não despertasse assustado. 
Olhei a lua por uma última vez quando decidi abraçar meu filho mais velho com todo o meu amor, desejando que logo pudesse de fato mandar embora toda aquela tristeza. 
Restava apenas esperar. 


Joseph's P.O.V

(Coloque a sétima e última música para tocar!)
Eu corria na direção errada.
Não era um ato heróico, mas sim um reflexo do desespero. A alta impetuosidade do vento cortante fazia com que eu me sentisse obrigado a fechar meus olhos e abaixar o rosto enquanto continuava a correr, perdendo meu pai de vista. Uma chuva torrencial rapidamente ganhou início, contribuindo para que minha visão ficasse cada vez mais dificultada. Eu estava livre daquele inferno, poderia fugir dali e procurar o telefone mais próximo, poderia ligar para a minha casa e ouvir a voz da minha Demetria. Mas eu não cessei meus movimentos, continuei determinado a encontrar Joseph, que havia se escondido em uma frágil casa próxima do cais ainda instável. Esperando a morte, talvez. Eu ignorava a voz em tom autoritário que era reproduzida dentro de minha cabeça, uma voz que ordenava a mudança em meus passos, querendo me obrigar a mudar a direção. Apesar dela me deixar desorientado, eu sabia que precisava impedir meu pai de cometer aquela loucura. Não era insanidade, eu apenas não seria capaz de deixá-lo ali para morrer. Sim, eu mesmo fazia questão de julgar tal atitude, mas era mais forte do que eu. Porém, isso não afastou minha felicidade. Porque eu sabia que logo estaria em casa, meus filhos virão correndo até mim para um abraço apertado, dizendo o quanto sentiram minha falta. Então, chegará a vez deDemetria. Ela irá se jogar em meus braços, e não conseguirá segurar seu choro. A simples ideia de que logo sentir seu cheiro se tornaria algo possível novamente vez meu coração acelerar. 
Levei uma mão sobre meus olhos, para tentar barrá-los por um breve momento da chuva e conseguir enxergar para onde deveria seguir. Ouvi um som semelhante a uma buzina de carro, mas não me importei em checar de onde vinha. Prestes a chegar onde meu pai permanecia, voltei a ouvir o mesmo som. Juntamente com meu nome sendo pronunciado em um grito. Virei-me e examinei a extensão da praia que já havia percorrido, enxergando um veículo em alta velocidade aos poucos contornar toda a orla. Não acreditei no que estava vendo, mas não hesitei ao balançar meus braços para garantir que não me perdessem de vista. O veículo estacionou bruscamente, e eu me perguntei o quão loucos eles eram por se arriscarem em uma tempestade como aquela. Tentei me equilibrar sobre a areia molhada, passando a mão pelo rosto para tentar tirar a grande quantidade de água concentrada ali. Dividi minha atenção entre a casa onde meu pai estava, sendo mortalmente castigada pelo vento, e as três pessoas que vinham correndo em minha direção. Dominic, Karlie e Caleb. 
Fui tolo por desejar que Demetria estivesse com eles. Afinal, eu ficaria muito bravo com ela se tivesse ousado se arriscar tanto por mim. Bom, quem eu queria enganar? Ela seria, sim, capaz disso. Provavelmente foram os três que a impediram de tentar, e eu não sabia expressar meu agradecimento por isso.
Jonas, SEU DESGRAÇADO, VOU TE MATAR POR TER DESAPARECIDO DESSE JEITO! - Dominic berrou enquanto vinha correndo em minha direção. Sem saber o que fazer, preocupado demais com Joseph, lancei apenas um olhar assustado para todos, que mediam meu rosto sem pensar em desviar.
- O que pensa que está fazendo aqui? Já viu como está o tempo, Jonas? Anda, vamos embora! - Karlie tentou me puxar pelo braço, mas recuei e mantive meus pés firmes sobre a areia, prestes a voltar a correr.
Joseph? O que está acontecendo? - foi a vez de Caleb falar, tentando entender o motivo de meu silêncio.
- Preciso salvar o meu pai. - eu disse simplesmente, dando as costas aos três, voltando a correr.
- O quê? O que você pensa que está fazendo? - Dominic vinha correndo em minha direção, ignorando toda aquela chuva, juntamente com os outros dois.
Joseph, foi ele quem te sequestrou. Ele afastou você de sua família! Cara, qual é o seu problema? Como pode pensar em salvá-lo? Desista disso, por favor! - Karlie ralhava com a voz alterada, mas eu não tinha tempo para olhar em sua direção e tentar seguir seu conselho. 
- Droga, eu não sei! Eu não sei! Mas preciso fazer isso. - senti algo puxar bruscamente meu corpo, fechando meus olhos com força e respirando fundo a fim de controlar a raiva que senti quando Dominic segurou meu braço, olhando firmemente em meus olhos. Tentei me soltar, ouvindo-o emitir um grunhido quando meu gesto violento o pegou de surpresa.
- Qual é o seu problema? Sua esposa está desesperada em Londres, pedindo aos céus para ter notícias do marido e você está se preocupando com alguém que foi o responsável por causar esse sofrimento a ela? Pensei que você fosse mais inteligente, Joseph! Mas que droga! - meneei negativamente com a cabeça em desespero, realmente sem coragem para tentar me justificar. 
- Ou vocês me ajudam ou esperam até que eu volte com ele. - foi tudo que eu disse, ignorando meu próprio cérebro determinado a me fazer mudar de ideia. Hora ocasionando uma repentina vertigem, hora tornando minhas pernas dormentes. Quando voltei a correr, ouvi Karlie gritar por Dominic, que vinha em minha direção. Pensei em questioná-lo sobre o motivo de não me deixar concluir logo o que pretendia, mas logo pude perceber que ele continuou a correr, me ultrapassando sem esperar por mim, a caminho do local onde meu pai estava. 
- Se você não sabe o que é amizade, eu sei. - ao chegarmos a pequena casa, enquanto eu tentava abrir a porta, ele falou, olhando seriamente para mim. Havia água por todos os lados, até mesmo invadindo o recinto, onde, ao conseguir abrir, pude avistar meu pai encolhido em um dos cantos. Desacordado. Sua mão estava sobre seu peito, sua boca entreaberta e a pele de seu rosto avermelhada. A hipótese de se tratar de um ataque cardíaco veio certeira. 
Dominic e eu corremos até ele, tentando acordá-lo, mas nada mudava em seu estado. Verifiquei seu pulso, constatando que estava quase nulo. Então era isso, ele estava mesmo morrendo.
Antes que eu pudesse pensar em meus atos, já estava apoiando suas costas novamente contra a parede, encontrando um meio de conseguir deitá-lo mesmo com toda a água presente ali. Logo o local desabaria sobre nossas cabeças.
- Vamos carregá-lo para fora daqui. - Dominic aconselhou, ficando ao meu lado.
- Não, será tarde demais. - expliquei atônito, colocando uma mão aberta sobre a outra, com as palmas para baixo, apoiando-as sobre o meio do tórax de Joseph, enquanto depositava força em ambas e as pressionava em impulsos constantes para baixo, uma espécie de massagem cardíaca. Após algum tempo sem interromper as compressões, voltei a checar sua pulsação ao pressionar um dedo sobre a região próxima da lateral de seu pescoço, obtendo uma fraca resposta. Seu coração batia, mas fraco demais para aguentar por muito tempo.
Lancei um olhar firme a Dominic, que rapidamente entendeu e ficou de pé, me auxiliando enquanto eu tentava driblar a água e o vento e encontrava uma forma de erguer o corpo de Joseph, recebendo a ajuda de Dominic para conseguir tirá-lo dali. Foi difícil, mas conseguimos. Eu me sentia aliviado por saber que logo poderia deixar aquela tempestade, mas temia o que poderia acontecer com meu pai. Repreendi a voz em minha cabeça que sugeria “Deixe-o morrer”, arrastando-o, logo avistando o carro onde Karlie e Caleb nos esperavam. Meu corpo era obrigado a utilizar seus últimos resquícios de força para sustentar o peso do homem desacordado que eu mantinha apoiado em um lado de meu corpo. 
- É bom te ver, cara. - Dominic comentou, passando um braço de Joseph pelo seu ombro. 
- É bom te ver, também. - concordei, incapaz de demonstrar alegria apesar de no fundo senti-la. Então me lembrei do mais importante. Encarei a aliança reluzente em meu dedo anelar, não conseguindo reprimir o sorriso que imediatamente se formou em meus lábios quando pensei em Demi, em minha Demi. - Como ela está? - pedi, não tratando de esconder a sensação que me dominava ao pensar em minha mulher. E faltava muito pouco para tê-la em meus braços novamente.
Esperando por você. - ele respondeu sorridente, então pude sorrir também, eliminando certas preocupações quando julguei não ter visto nada de alarmante em suas feições ao falar de Demetria.
Já dentro do carro, sem paciência e estrutura para as inúmeras perguntas que os três me faziam, tentando resistir ao quase insuportável cansaço, fitei o rosto apagado de meu pai. Eu finalmente estava deixando aquele inferno... Mesmo que estivesse carregando parte dele comigo. Só não sabia dizer por quanto tempo mais. 

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